sexta-feira, 20 de março de 2009

Tese de Renata Gesomino

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
CENTRO DE LETRAS E ARTES
ESCOLA DE BELAS ARTES – EBA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARTES VISUAIS
RENATA DE OLIVEIRA GESOMINO
CONCEITO E IMAGEM NA PRODUÇÃO DO IMAGINÁRIO PERIFÉRICO: UM
ESTUDO DE CASO
Rio de Janeiro
2008
II
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
CENTRO DE LETRAS E ARTES
ESCOLA DE BELAS ARTES – EBA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARTES VISUAIS
RENATA DE OLIVEIRA GESOMINO
CONCEITO E IMAGEM NA PRODUÇÃO DO IMAGINÁRIO PERIFÉRICO: UM
ESTUDO DE CASO
Rio de janeiro
2008
III
RENATA DE OLIVEIRA GESOMINO
CONCEITO E IMAGEM NA PRODUÇÃO DO IMAGINÁRIO PERIFÉRICO: UM
ESTUDO DE CASO
Dissertação submetida ao curso de
Mestrado do Programa de Pós-
Graduação em Artes
Visuais/Escola de Belas Artes, da
Universidade Federal do Rio de
Janeiro, como parte dos requisitos
necessários à obtenção do título de
Mestre em Artes Visuais Linha de
Pesquisa História e Crítica da Arte.
Orientador: Prof. Dr. Carlos
Azambuja
Rio de Janeiro
2008
IV
RENATA DE OLIVEIRA GESOMINO
CONCEITO E IMAGEM NA PRODUÇÃO DO IMAGINÁRIO PERIFÉRICO: UM
ESTUDO DE CASO
Dissertação submetida ao Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais / Escola
de Belas Artes, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos
requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Artes Visuais, Linha de
Pesquisa História e Crítica da Arte.
Aprovada por:
Prof. Dr. Carlos Azambuja Rodrigues
Universidade Federal do Rio de Janeiro
Profª Drª Maria Luisa Luz Tavora
Universidade Federal do Rio de Janeiro
Prof. Dr. Henrique Antoun
Universidade Federal do Rio de Janeiro
Rio de Janeiro, de de 2008
V
GESOMINO, Renata de Oliveira. Conceito e Imagem na produção do
Imaginário Periférico: um estudo de caso. Rio de Janeiro, Programa de
Pós-Graduação em Artes Visuais, Escola de Belas Artes, Universidade
Federal do Rio de Janeiro, 2008.
xiv, 164 p., il
Dissertação, Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais, EBA,
UFRJ, 2008.
1 – Arte Conceitual 2 – Arte Contemporânea
3 – Coletivos Artísticos 4 – Pós-Modernidade
I.Universidade Federal do Rio de Janeiro. II. Título.
VI
a minha família e amigos.
VII
RESUMO
GESOMINO, Renata de Oliveira. Conceito e Imagem na produção do Imaginário Periférico:
um estudo de caso. Orientador: Prof. Dr. Carlos Azambuja Rodrigues. Rio de Janeiro:
Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais, Escola de Belas Artes, Universidade Federal
do Rio de Janeiro, 2008. Dissertação (Mestrado em Artes Visuais/ História e Teoria da Arte/
Estudos da História e Crítica da Arte).
A presente dissertação se constitui de um estudo de caso do coletivo de arte contemporânea
Imaginário Periférico, e se inicia com uma análise histórica do estabelecimento da arte
conceitual na década de 60. O contexto histórico é exemplificado através da produção de
artistas como: Sol LeWitt, Joseph Kosuth, Daniel Buren, o grupo Fluxus, entre outros e no
caso brasileiro através dos trabalhos emblemáticos de Cildo Meireles e Artur Barrio durante o
tenso período de ditadura no Brasil. Situando o discurso conceitual, o contexto pós-moderno e
sua produção, foi possível conduzir o debate em direção às questões relacionadas ao espaço
de apresentação e representação da arte contemporânea. E, ainda considerar o engajamento
político, no caso da especificidade brasileira, como um legado para as gerações futuras.
Desta forma o Imaginário Periférico é apresentado como um de coletivo de arte
contemporânea, cuja produção também reflete um discurso sociopolítico. Este fato fica claro
através da análise do grupo tanto por seu viés discursivo, quanto pela sua produção imagética
de onde se puderam atritar algumas questões históricas levantadas pela arte conceitual com
questões contemporâneas levantadas pelo coletivo. O alicerce teórico utilizado para a presente
pesquisa vai de encontro com o estudo de teóricos do campo cultural como David Harvey, o
crítico de arte Hal Foster, o filósofo da arte Arthur C. Danto, entre outros, além da
contribuição de autores do campo da sociologia como: Pierre Bourdieu, Zygmunt Bauman e
Howard Becker. O estudo realizado nesta dissertação pretende contribuir com material inédito
para futuras pesquisas sobre o Imaginário Periférico, além de aprofundar o debate relevante
sobre as questões de acomodação da arte contemporânea tanto no espaço físico quanto no
espaço subjetivo.
VIII
ABSTRACT
GESOMINO, Renata de Oliveira. Concept and image in the production of Imaginário
Periférico: a case study. Advisor: Tech. Dr. Carlos Rodrigues Azambuja. Rio de Janeiro:
Postgraduate Program in Visual Arts, School of Fine Arts, Universidade Federal of Rio de
Janeiro, 2008. Dissertation (Masters in Visual Arts / History and Theory of Art / Study of
History and Criticism of Art).
This dissertation is constituted of a case study of contemporary art collective Imaginário
Periférico (Peripheral Imaginary), and begins with a historical analysis of the establishment of
conceptual art in the decade of 60. The historical context can be exemplified through the
production of artists such as Sol LeWitt, Joseph Kosuth, Daniel Buren, the Fluxus Group,
among others, and in the case of Brazil, through the emblematic work of Cildo Meireles and
Artur Barrio during the tense period of dictatorship in Brazil. Placing the conceptual speech,
the post-modern context and its production, it was possible to drive the debate toward issues
related to the area of presentation and representation of contemporary art. In addition,
consider the political engagement in the case of Brazilian specificity, as a legacy for future
generations. Thus, it presents the Imaginário Periférico as a collective of contemporary art,
whose production also reflects a sociopolitical discourse. This fact is clear by examining the
group both for its bias discursive, as by their imagery production, where it could conflict
some historical issues raised by the conceptual art with contemporary issues raised by the
collective. The theoretical foundation used for this search follows the theoretical study of the
cultural field as David Harvey, the art critic Hal Foster, the philosopher of art Arthur C.
Danto, among others, in addition to the contribution of authors in the field of sociology as
Pierre Bourdieu, Zygmunt Bauman and Howard Becker. The study realized on this
dissertation intends to contributes with unpublished material for future research about the
Imaginário Periférico, as well as deepen the debate on relevant issues of accommodation of
contemporary art both in physical space as in the subjective space.
IX
ÍNDICE DE ILUSTRAÇÕES
1 - Marcel Duchamp
A fonte, 1917.
Foto presente na p. 12 do livro:
WOOD, Paul. Arte Conceitual. São Paulo: Cosac & Naify, 2004................................ 23
2 - On Kawara
Três pinturas de datas: jan.15, 1966 (Essa própria pintura é 15 de janeiro de 1966);
Jan. 18, 1966 (Eu sou essa pintura); Jan. 19, 1966 (Da Chambers St.123 para a E 13th
St. 405), 1966.
Foto presente na p. 41 do livro:
WOOD, Paul. Arte Conceitual. São Paulo: Cosac & Naify, 2004..................................27
3 - Daniel Buren
On two levels with two colours, 1976.
Foto presente na p. 147 do livro:
SMITH-Lucie, Edward. Os movimentos artísticos a partir de 1945. São Paulo: Martins
Fontes, 2006.....................................................................................................................31
4 – Joseph Beuys
Coyote: I like América and América likes me, 1974.
Foto presente na p. 116 do livro:
ARCHER, Michael. Arte Contemporânea: uma história concisa. São Paulo: Martins
Fontes, 2001.....................................................................................................................37
5 - Yoko Ono
Cut Piece, 1964.
Foto presente na p. 22 do livro:
WOOD, Paul. Op. Cit......................................................................................................40
6 - Walter de Maria
Campo Relampejante, 1971-77.
Foto presente na p. 100 do livro:
ARCHER, Michael. Op. cit.............................................................................................45
7 - Robert Smithson
Spiral Jetty, 1970.
Disponível em:
<> ..............................47
8 - Bruce Nauman,
Auto-retrato como fonte, 1966-70.
Foto presente na p. 104 do livro:
ARCHER, Michael. Op. cit............................................................................................48
9 - Peter Campus
Three Transitions, 1973.
Disponível em:
X
< http://www.moma.org/collection/browse_results.php?object_id=88833 ...................49
10 - Peter Campus
Three Transitions, 1973.
Disponível em: < artistid="379">.................................49
11- Chris Burden.
Trans-fixed, 1974.
Disponível em:
http://www.newyorker.com/arts/critics/artworld/2007/05/14/070514craw_artworld_schj
eldahl
>......................................................................................................................................51
12 - Chris Burden.
Shoot, 1971.
Disponível em: idem........................................................................................................52
13 – Cildo Meireles.
Inserção em circuitos ideológicos I – Projeto Coca-Cola, 1970.
Foto presente na p. 61 do livro:
WOOD, Paul. Arte Conceitual. São Paulo: Cosac & Naify, 2004..................................59
14 – Artur Barrio
Trouxas.
Happening com carne, corda sacos de tecido lançados no Ribeirão Arrudas, Belo
Horizonte.Manifestação “Do corpo à Terra”. 1970.
Foto de arquivo de José Ronaldo Lima presente na p. 3 (ilustrações, 303) do livro:
RIBEIRO, Marília Andrés. Neovanguardas: Belo Horizonte, anos 60. Belo Horizonte:
C/Arte,
1997................................................................................................................................62
15 - Fotografia da matéria publicada pelo periódico “O Globo – Baixada” do dia 12 de
Julho de 1992. Acervo da autora.....................................................................................66
16 - Fotografia da matéria publicada em 19 de Abril de 1998 pelo Jornal “O Globo –
Planeta Globo”. Acervo da autora...................................................................................68
17 - Fotografia de um dos trabalhos realizados para a SuperVia e conhecido como
projeto “Arte na Linha”. Acervo da autora......................................................................69
18 – Idem..........................................................................................................................69
19 - Matéria de Rosana Rodrigues, “A Arte pede passagem em Magé”, Jornal O Globo
– Baixada, Rio de Janeiro, 8 fev. 2004. Acervo da
autora..............................................................................................................................74
20 - Matéria: “Viagem ao Imaginário com sucata de trem”, Jornal O Dia , Rio de
Janeiro, 21 set. 2003. Acervo da autora...........................................................................74
XI
21 - Matéria: “Exposição discute a expamsão da arte”, Jornal O Globo – Baixada, Rio
de Janeiro. 12 de maio de 2002. Acervo da autora..........................................................75
22 – Fotografia. Acervo da autora. Exposição realizada no “Galpão do Gil – Espaço
Efêmero de Arte Contemporânea”. Nova Iguaçu, Três Corações, 2003.........................82
23 – Roberto Tavares.
A engraxadinha, 2003.
Foto retirada do acervo do artista....................................................................................84
24 – Idem.........................................................................................................................85
25 – Chang Chi Chai.
Colcha de retalhos “Imaginário Periférico”.
Central do Brasil. 2003. Acervo da autora......................................................................92
26 - Nivaldo Carneiro
Performance Objetos estéticos.
Central do Brasil. 2003. Acervo da autora.....................................................................92
27 - Hélio Branco
Escultura de Biscoito Globo.
Central do Brasil – 2003. Acervo da autora...................................................................92
28 - Artista desconhecido. (trabalho não assinado).
Bala Perdida.
Feira de Trocas e Pechinchas. 2005. Acervo da autora.................................................94
29 – Idem.
Amuleto do C. V.
Feira de Trocas a Pechinchas. 2005. Acervo da autora.................................................95
30 – Raimundo Rodrigues.
O que é uma Obra de Arte? Quanto vale uma Obra de Arte? Quanto custa uma Obra de
Arte? Pague por essa Obra de Arte o valor que achar que deve.
Feira de Trocas e Pechinchas. 2005. Acervo da autora.................................................96
31 - Raimundo Rodrigues.
Da sorte. Imaginário Periférico.
Feira de Trocas e Pechinchas. 2005. Acervo da autora.................................................97
32 - Júlio Sekiguchi.
Fósforos Performáticos.
Feira de Trocas e Pechinchas. 2005. Acervo da autora................................................97
33 - Chang Chi Chai.
Feira de Trocas e Pechinchas. 2005. Acervo da autora...............................................98
34 - Alexandre Sá
Lembrança de uma estética ultrapassada.
XII
Feira de Trocas e Pechinchas. 2005. Acervo da autora................................................99
35 - Jorge Duarte.
Colosso.
Feira de Trocas e Pechinchas. 2005. Acervo da autora.................................................100
36 - Caíque Corrêa.
Qual o tamanho da pintura abstrata?.
Feira de Trocas e Pechinchas. 2005. Acervo da autora.................................................101
37 - Deneir de Souza
Imaginário Periférico saúda São Gonçalo, lá na Praia das Pedrinhas. 2005. Acervo da
autora. (vídeo) ..............................................................................................................102
38 - Idem.......................................................................................................................103
39 - Idem.......................................................................................................................103
40 - Artistas desconhecidas.
Performance.
Imaginário Periférico saúda São Gonçalo, lá na Praia das Pedrinhas.
2005. Acervo da Artista. (vídeo)...................................................................................104
41 - Artista desconhecido.
Central do Brasil. 2003. Acervo do artista...................................................................109
42 - Timbuca.
Milhe e uma noite do Timbuca.
Coleção particular do artista Raimundo Rodrigues.......................................................114
43 - Artistas ocupando as paredes do Museu de Arte Contemporânea de Niterói no
evento “Mac Vazio”.
Imaginário Periférico. 2007. Acervo da autora.............................................................116
44 - Idem.......................................................................................................................117
45 - Idem.......................................................................................................................117
46 - Luciana Ribeiro.
Bola.
“Antifutebol e Antiarte”. 2006. Acervo da autora........................................................130
47 - Cláudio Cambra.
“Antifutebol e Antiarte”. 2006......................................................................................130
48 - Fotografia retirada no acervo particular do artista Raimundo Rodrigues. 46.
“O saco é o limite”.
Galeria 90. 2006............................................................................................................136
49 - Mário Barata.
XIII
Bolata.
“Performance Plástico Sonora”. 2003. Acervo da autora............................................140
50- Mirela Luz.
“Salve São Bernardino”. 2003. Acervo da autora........................................................141
51. Roberto Tavares.
Presente para São Bernardino.
“Salve São Bernardino”.2003.
Acervo da autora............................................................................................................142
52 - Periféricos no casarão da Unei, 2006.
Fotografia. Acervo da autora.........................................................................................147
53 - Artista desconhecido.
“Vestível”. 2004. Acervo da autora...............................................................................149
54 - Idem........................................................................................................................150
55 - Carlos Contente.
“Vestível”. 2004.
Acervo do artista............................................................................................................150
XIV
SUMÁRIO
1. Introdução......................................................................................................................... 15
2. Arte Conceitual: origem, propostas e principais questões............................................. 22
2.1 Das poéticas e Linguagens: A importância do Grupo Fluxus............................................ 33
2.2 Do experimentalismo aos espaços incomuns ocupados pela arte...................................... 43
2.3 Arte x Política: Aspectos da Arte Conceitual nas grandes capitais brasileiras.................. 54
3. Imaginário periférico: um coletivo contemporâneo (2002-2006).................................. 65
3.1. A transição discursiva: propostas, impasses, questões..................................................... 76
3.2. Análise crítica e iconográfica de algumas ações do grupo............................................... 90
3.3. Imaginário Periférico: uma abordagem sociológica....................................................... 106
4. Uma discussão sobre o espaço físico contemporâneo................................................... 122
4.1 O espaço institucional público e privado x o espaço não-institucional........................... 134
4.2 Noções de identidade: é possível a construção de uma linguagem periférica?.................144
5. Conclusão......................................................................................................................... 155
6. Bibliografia...................................................................................................................... 160
1 – INTRODUÇÃO
A presente dissertação tem como um de seus objetivos analisar o discurso conceitual
contido no coletivo contemporâneo carioca Imaginário Periférico e suas ações, averiguando a
adequação entre a produção textual desse grupo e a sua produção imagética, segundo a ótica
de algumas questões específicas representadas pela Arte Conceitual, levando em consideração
o contexto histórico ao qual o grupo pertence.
Portanto, o objeto de estudo dessa dissertação encontra-se a partir de um estudo de caso
do coletivo Imaginário Periférico, e se desenvolve com a investigação das questões presentes
na sua produção considerando as questões introduzidas anteriormente pela Arte Conceitual.
Para isso foi necessário coletar algumas entrevistas que foram concedidas pelos artistas
fundadores do coletivo, entre eles: Júlio Sekiguchi, Raimundo Rodrigues, Deneir de Souza,
Jorge Duarte e Roberto Tavares, além da análise de algumas das ações mais expressivas do
grupo e que foram distribuídas a partir do terceiro capítulo desta dissertação.
Por se tratar de um grupo contemporâneo, oferece alguma dificuldade para abordar
“historicamente” suas manifestações, o que pode ser demonstrado através da escassa
quantidade de material publicado especificamente sobre o grupo. Tais fontes são constituídas
de pequenas matérias publicadas em periódicos, folders de exposições e revistas
especializadas em Arte Contemporânea que foram catalogadas nas referências desta pesquisa.
Uma das hipóteses a ser verificada parte do seguinte questionamento: Então o
Imaginário Periférico faz Arte Conceitual? Seria ingênuo e incorreto afirmar que o coletivo
faz Arte Conceitual da mesma forma estabelecida pelos teóricos da Arte Conceitual entre ales:
Paul Wood, Michael Archer, entre outros.
Trata-se na verdade de um estudo de caso que pertence ao momento atual, logo, as
devidas diferenças entre o contexto histórico impedem que o coletivo faça a mesma Arte
Conceitual que marcou o período histórico em finais da década de 60.
A relação possível, portanto, entre o Imaginário Periférico e a Arte Conceitual acontece
através do processo de apropriação da questão da “arte como idéia”, utilizada pelo coletivo
com o objetivo de introduzir atividades artísticas num campo que não é propriamente o da
arte. De acordo com a análise dos textos e outros documentos assinados pelo grupo, tais
questões apontam para o campo sociopolítico.
Uma outra questão trazida para o quadro das hipóteses e desenvolvida quando o
coletivo levanta a dúvida acerca da construção de uma linguagem “periférica” foi averiguada
com o apoio das entrevistas fornecidas pelos artistas do grupo e sua relação com o próprio
16
significado de “periferia”, e se nesta “periferia” criada através de diversas poéticas existiria a
construção de uma “identidade periférica”.
Uma outra hipótese que também permeia a dissertação está diretamente relacionada ao
conteúdo discursivo que o coletivo vem apresentando através das suas ações, textos e
documentos. Tal discurso aponta para uma série de reivindicações em relação às políticas
culturais vigentes, não obstante na prática percebe-se a consolidação de diversas parcerias
com as próprias instituições que criticam.
Tal comportamento pode ser compreendido como uma estratégia alternativa de
inserção indireta no mercado de arte preservando a solidez do discurso inicial ou mesmo uma
característica própria do campo cultural pós-moderno ao qual o coletivo faz parte.
A dissertação está dividida em três partes. Em anexo encontram-se as cinco entrevistas
concedidas por Raimundo Rodrigues, Júlio Sekiguchi, Roberto Tavares, Deneir de Souza e
Jorge Duarte, e que foram transcritas na íntegra. Pretende-se, através da coleta das cinco
entrevistas, fornecer material inédito e relevante (fonte histórica) para futuras pesquisas.
No segundo capítulo intitulado de Arte Conceitual: origem, propostas e principais
questões pretendem-se localizar a origem da Arte Conceitual Norte-Americana a partir da
leitura dos seguintes autores: Paul Wood em “Arte Conceitual” e da organização de textos
compilados por Nikos Stangos em “Conceitos da Arte Moderna” e desta forma fazer um
levantamento das questões introduzidas pela Arte Conceitual que foram encontradas nestes
autores e que serão definidas como: a desmaterialização da forma, a redução do objeto
artístico a uma idéia, a utilização das linguagens como material da arte conceitual, a análise da
obra não pelas suas qualidades formais, mas por seu valor contextual, além da busca da Arte
Conceitual por novos espaços de apresentação, fugindo do meio de arte estabelecido e
representado por instituições como Museus e Galerias.
Esta abordagem da arte conceitual pretende ainda pontuar o seu momento de elaboração
como um período chave de transição da Modernidade para a Pós-Modernidade, para tanto
serão utilizados autores como: o crítico e filósofo da arte Arthur Danto, que localiza tal
momento no estabelecimento da Pop Art americana, e também a visão de David Harvey,
teórico do campo cultural que articula as características da pós-modernidade e as
características do discurso conceitual.
No livro “A condição pós-moderna”, Harvey sustenta que o processo transformador
iniciado na Modernidade ainda está em pleno andamento. O mesmo afirma também o
sociólogo Zygmunt Bauman no livro “O mal-estar da pós-Modernidade” e “Modernidade
Líquida”, conceitos que serão trabalhados também neste capítulo.
17
O tópico seguinte denominado “Das poéticas e linguagens: A Importância do grupo
Fluxus” pretende apresentar o Grupo Fluxus pelo prisma das diversas poéticas utilizadas por
seus diferentes artistas. Estas poéticas consistiam no intenso processo de experimentação
cognitivo-sensorial, que produziu metáforas da vida cotidiana representando suas qualidades
efêmeras, humorísticas, feministas, entre outras.
Além disso, o grupo também desenvolveu as questões das linguagens presentes na
elaboração de performances individuais e/ou coletivas, instalações e happenings,
evidenciando seu momento histórico.
A leitura de “Performance como linguagem” de Renato Cohen, se torna indispensável
na compreensão e distinção entre as categorias: performance, happening e instalação,
presentes no Fluxus. Além de ser aproveitada no livro a análise de Cohen para algumas
performances feitas por artistas do Grupo Fluxus, como Joseph Beuys, por exemplo, com o
objetivo de exemplificar as questões das poéticas e das linguagens sem deixar de lado a forte
busca estética presente no grupo.
Já o tópico intitulado “Do experimentalismo aos espaços incomuns ocupados pela arte”
foi elaborado com o objetivo de discorrer sobre o uso inovador que a Arte Conceitual fez da
fotografia e do vídeo (dispositivos/mídias) contribuindo, através de seu experimentalismo
com o enriquecimento da linguagem visual e da criação incessante de novos signos e
significados.
Conseqüentemente a abordagem da Arte Conceitual caminhará em direção às conquistas
destes espaços incomuns que se expandirão para a categoria de: espaços físicos ou espaços de
imersão através do dispositivo ao qual se acomodarão também esse tipo de produção
multidisciplinar e contextual.
Para ilustrar essa nova manipulação do espaço serão citados exemplos de trabalhos
como os dos artistas da LandArt, (onde o espaço físico se constitui como linguagem) e da
Body Art e Performance (onde o próprio corpo se constitui como linguagem), onde se faz
notar um movimento da arte conceitual para fora das instituições de arte, gerando a
possibilidade da manifestação espontânea da mesma, em absolutamente qualquer espaço que
o artista escolha como propício a sua apresentação.
O último tópico do segundo capítulo da dissertação se inicia com uma menção à obra de
Nestor García Canclini, no sentido de localizar as origens do desenvolvimento da Arte
Conceitual na América Latina como um caso de especificidade através do livro: “Culturas
Híbridas”, onde o autor discorre sobre o peculiar processo de modernização na América
Latina.
18
O autor afirma ainda que os artistas latino-americanos tiveram em seu percurso um
maior comprometimento com as temáticas referentes à sociedade e seus conflitos internos,
portanto, se diferenciando dos interesses dos artistas americanos e ingleses.
Em seguida serão abertas as discussões da Arte Conceitual especificamente no Brasil, a
partir da dicotomia Arte x Política. Logo, tal tópico tomará como exemplo o discurso contido
em algumas intervenções dos artistas conceituais brasileiros, desenvolvidos nas grandes
capitais como: Rio de Janeiro e Belo Horizonte durante a década de 70.
Para construir esse tópico se faz necessária a leitura da dissertação de mestrado
realizada por Daniela de Andrade Rocha: “O discurso conceitual nas artes plásticas brasileiras
da década de 1970: da Visceralidade ao Intelectualismo Predominante”, onde se tomarão
como exemplos algumas obras dos artistas: Artur Barrio e Cildo Meireles, durante a
conturbada década de 70, ilustrando como esse período politicamente dramático influenciou
na elaboração do discurso conceitual desses artistas.
O terceiro capítulo da dissertação pretende apresentar o coletivo Imaginário Periférico
através de sua cronologia, de sua transição discursiva, de sua produção imagética e por fim,
com uma abordagem sociológica.
Para isso será feito o recorte tendo em vista sua trajetória de 2002 até 2006, relatando
sua origem, e todos os elementos que levaram a esta origem.
Como por exemplo, as experiências de Raimundo Rodrigues, um dos fundadores do
coletivo, já em 1992 à frente de uma casa de cultura na Baixada Fluminense, criando a
primeira exposição de Arte Contemporânea em Nova Iguaçu ao convidar os outros artistas
também fundadores do grupo: Julio Sekiguchi, Roberto Tavares, Ronald Duarte e Jorge
Duarte para a exibição.
Este capítulo é constituído basicamente a partir da coleta de todo material publicado
sobre o coletivo, como os folders de exposições, textos e manifestos publicados em revistas e
periódicos, coleta de imagens (banco de fotos, e vídeo), além das entrevistas com cinco, dos
seis artistas formadores do grupo.
Aqui se pretende averiguar a trajetória discursiva do Imaginário Periférico, desde sua
formação oficial até o ano de 2006, apontando algumas tendências que tenham se
desenvolvido ao longo dos anos no grupo.
Deve-se também apontar para as principais modificações nas intervenções, no discurso
e no espaço físico de atuação do grupo, colocando em evidência suas propostas, contradições
e principais questões que dialogam diretamente com as questões que foram levantadas
anteriormente sobre a Arte Conceitual.
19
No tópico intitulado “Análise crítica e iconográfica de algumas ações do grupo” as
ações mais significativas e estratégicas para os objetivos desta dissertação serão analisadas,
tendo como base o material de pesquisa que foi coletado. Algumas imagens serão
selecionadas, trechos de manifestos, documentos presentes nos acervos dos artistas também
serão citados, além das entrevistas.
O que importa frisar será a análise muito menos voltada para o discurso, do que para a
produção imagética resultante desse discurso, e em como ela entra em consonância em alguns
momentos com algumas produções realizadas durante o período de estabelecimento da Arte
Conceitual, levando em consideração o contexto cultural pós-moderno.
É, portanto, notável no conjunto de ações realizadas pelos artistas que compõe o grupo a
presença de trabalhos que privilegiam a utilização das linguagens como o material do artista,
produzindo uma série de signos que dá lugar ao “objeto artístico” tradicional, prática que foi
amplamente desenvolvida pela Arte Conceitual.
Por fim, o último tópico desenvolvido com o apoio em uma abordagem sociológica do
coletivo, tem como finalidade concatenar discurso e imagem.
Este tópico sugere uma análise dos dois aspectos do coletivo pelo prisma de uma
abordagem sociológica, de onde serão encontradas respostas para questões contraditórias
encontradas no grupo tais como: a constante crítica das instituições feitas dentro das próprias
instituições, a necessidade do coletivo em criar uma identidade periférica sem criar um nicho
à parte, mas uma busca bem-sucedida por visibilidade dentro do campo cultural.
Como alicerce teórico serão utilizados alguns autores da sociologia para compor este
tópico, são eles: Pierre Bourdieu, e Howard Becker.
Trabalhando com algumas teorias de Becker será possível compreender as questões
relativas ao “mundo das artes”, e também a compreensão da estrutura necessária para o
funcionamento deste “mundo”, ou seja, a formação dos elos cooperativos, das convenções
estabelecidas, da identificação do pessoal de apoio, e da função de diversos atores sociais de
fora do “mundo das artes”.
Outra entrada teórica a ser utilizada será a classificação de “tipos de artistas”, (tipos
sociais) aplicada à massa heterogenia de artistas composta pelo Imaginário Periférico.
Finalmente, segundo a visão e os conceitos de Pierre Bourdieu se encontrarão as
respostas mais interessantes em relação às possíveis intenções, ou “ganhos simbólicos”
pretendidos pelo coletivo. A partir da idéia de “campo” serão compreendidos mais claramente
os “jogos” e disputas desenvolvidas dentro do campo cultural, ou campo intelectual, onde está
inserido o Imaginário Periférico.
20
Relacionando alguns conceitos de Bourdieu será possível destrinchar ainda mais a idéia
de campo e compreender sob esta ótica sociológica alguns posicionamentos do grupo, (com o
conceito de “dominantes e dominados” e das “lutas” pelo “capital simbólico”) principalmente
partindo de suas reivindicações presentes no Manifesto “Fome Zero Cultural”, até chegar a
conclusão que tais reivindicações também estão muito mais contidas no campo cultural ou
intelectual, do que no campo social, relacionado às classes sociais formadas pela população
que reside nas áreas de periferia.
Neste tópico será aberta uma exceção na cronologia proposta (de 2002 a 2006) da
trajetória do grupo, para exemplificar uma importante ocupação realizada pelo Imaginário
Periférico no ano de 2007, no Museu de Arte Contemporânea de Niterói (MAC), visto que tal
ocupação servirá de perfeito exemplo das reivindicações propostas pelo coletivo e que
pertencem exclusivamente ao campo cultural.
Este evento demonstrará a posição dos artistas do coletivo como “dominados” diante da
instituição que representa o sistema de arte “dominante” ou estabelecido e que será atacada
ironicamente através da ação organizada do lado de fora do Museu.
Mais uma característica do campo cultural pós-moderno ficará visível com o exemplo
da ocupação do MAC que é a contradição e o aparente antagonismo presente nos artistas do
Imaginário Periférico ao realizarem uma crítica à instituição dentro da própria instituição.
Tal atitude pode ser compreendida tanto como uma estratégia alternativa do coletivo em
busca de visibilidade e inserção no sistema de arte estabelecido, como uma estratégia também
da própria instituição de neutralizar tais críticas.
O último capítulo desta dissertação pretende levantar os debates propostos pelo
Imaginário Periférico sobre o espaço físico de acomodação da Arte Contemporânea.
O espaço físico citado não é apenas o espaço institucional, mas também o espaço
alternativo criado pelos artistas do grupo e a relação entre eles, na forma de estratégias
alternativas de entrada e saída do meio artístico estabelecido, gerando uma curiosa via de
mão-dupla. Com isso serão analisadas as intervenções do grupo nos diversos espaços físicos,
tanto os tradicionais (representados pelas instituições de arte), como os inusitados
(representados pelos espaços de utilização pública).
Por fim, esta dissertação encerra-se ainda com uma breve discussão que se inicia com a
verificação da hipótese sobre o Imaginário Periférico criar uma “identidade periférica” através
da tipologia implementada por sua produção imagética e discursiva. Como exemplo da busca
por uma identidade sólida foi citado as seguintes intervenções: “Caras-Miscigenações”, em
21
Santa Teresa, além da exposição “Vestíveis”, onde os elementos imagéticos apontaram mais
diretamente para as questões identitárias das especificidades sugeridas através da idéia de
“periferia”.
Também se promoverá a partir do livro “Não-lugares: uma antropologia da
supermodernidade” de autoria de Marc Augé, uma investigação que levará o Imaginário
Periférico de encontro ao conceito de “não-lugar”, ou seja, uma investigação não somente do
espaço físico de acomodação da arte contemporânea como também a criação de espaços
subjetivos de acordo com o contexto pós-moderno.
Como exemplo de um “não-lugar” de intervenção do grupo, foi citado a ação realizada
na Central do Brasil. O espaço subjetivo e de representação simbólica que é a estação de trem
da Central se enquadrou na idéia de um espaço de circulação (trânsito) rápida de público e
esclareceu a relação instantânea entre público e artistas, ainda exaltando a visibilidade
conquistada pelo próprio coletivo e o processo de identificação efêmera e acelerada entre
público não especializado em arte e artistas.
Através de todo material recolhido e da extensa bibliografia pesquisada para concatenar
alguns aspectos específicos da Arte Conceitual, com algumas características da Arte
Contemporânea representada na pesquisa pelo estudo de caso do Imaginário Periférico,
pretende-se fornecer material relevante que contribua no desenvolvimento do debate de
questões relacionadas à contemporaneidade e o peculiar contexto cultural pós-moderno ao
qual está inserida.
22
2. Arte Conceitual: origem, propostas e principais questões
Por compreender um período histórico de intensas manifestações políticas e culturais
em escala mundial, o movimento artístico conhecido como “Arte Conceitual” que pode ser
também subentendido como uma arte do pensamento que se estabelece a partir do ano
emblemático de 1968 e tem seu berço em países como: Estados Unidos e Inglaterra, onde
ocorreram os principais debates entre a crítica e os artistas conceituais acerca do que pretendia
uma arte que retirava de sua pauta o sistema de produção artística tradicional, ou seja, a
produção de objetos com finalidade contemplativa, em troca de uma produção artística
desafiadora onde as idéias importavam muito mais que o resultado final de sua produção.
Até a própria definição para a “Arte Conceitual” e para os artistas conceituais se torna
uma tarefa escorregadia, já que este importante movimento que marca o período de transição
entre o Modernismo e o Pós-Modernismo caracterizou-se na época por desenvolver uma série
de atividades variadas onde diversas linguagens multidisciplinares se encontravam
emaranhadas em torno da máxima: “Arte como idéia”.
Desta forma, caminhando no terreno da História da Arte e trabalhando com os dados
fornecidos por ela, cabe retrocedermos até os primórdios onde as várias idéias levadas adiante
pela “Arte Conceitual” surgida no final da década de 60, tiveram a sua origem.
O que se propõe, portanto é uma viagem de volta até os trabalhos já classificados como
“conceituais” ou “protoconceituais” do início do século XX realizados por Marcel Duchamp e
pelas argumentações contestadoras em forma de performance do movimento da vanguarda
histórica: o Dadaísmo.
Marcel Duchamp, que foi chamado por Willem de Kooning em 1951 de: (...) movimento
artístico de um só homem (...)1de fato é apontado como o grande estopim para as
transformações futuras ocorridas no mundo das artes através de criações como os ready-made,
que nada mais eram do que objetos comuns retirados de sua categoria de objetos utilitários ou
do cotidiano e contextualizados como objetos de arte de forma irônica e questionadora.
Seu primeiro ready-made foi criado em 1913 e foi chamado de “Roda de Bicicleta”,
mas o primeiro ready-made a ser mandado para uma exposição onde o próprio artista estava
ajudando a organizar na cidade de Nova York em 1917, foi “A Fonte”, um mictório ordinário
1 STANGOS, Nikos (org.). Conceitos da Arte Moderna. Ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed.,2000. p. 182.
23
que o artista inscreveu na categoria de escultura e assinou com a alcunha de “R. Mutt”, e que
está ilustrado com a imagem abaixo.
1. Marcel Duchamp.
“A Fonte”, 1917.
Os desdobramentos desse evento estão descritos em diversos livros de História da Arte
constando que a “obra” de arte não foi aceita por seus colegas.
A importância desse episódio está no processo de questionamento do que é ou não uma
obra de arte, e de que esta pode ser qualquer coisa, a partir da idéia de nomeação, então criada
por Duchamp, que possuía o status de artista, portanto, o mesmo dava-lhe condições para
nomear o que era arte. Este mesmo processo passa a colocar em xeque os parâmetros
tradicionais das Belas Artes, ou seja, a obra de arte não apenas não necessitaria das
convenções estabelecidas pela Pintura e Escultura como tampouco necessitaria dos padrões
estabelecidos pela Estética.
Ainda sobre Duchamp, Roberta Smith declara em seu importante texto sobre a Arte
Conceitual:
Duchamp deu a entender que a arte podia existir fora dos veículos convencionais e
“manuais” da pintura e da escultura, e para além das considerações de gosto; seu
ponto de vista era que a arte relacionava-se mais com as intenções do artista do que
com qualquer coisa que ele fizesse com as próprias mãos ou sentisse a respeito da
beleza.
Concepção e significado tinham precedência sobre a forma plástica, assim como o
pensamento sobre a experiência dos sentidos..2
2 SMITH, Roberta. Arte Conceitual. STANGOS, Nikos. Op. Cit. p. 182, 183.
24
Já o Dadaísmo, movimento que deu apoio e acolhimento às idéias de Duchamp, também
contribuiu com um posicionamento político de expressão anárquica e radical, possivelmente
conseqüência dos duros anos do período que compreendeu a Primeira Guerra Mundial (1914-
1918).
Jovens artistas, poetas e filósofos, estimulados pela iniciativa de Hugo Ball, fundador do
Cabaré Voltaire situado em Zurique em 1916, encontraram nesse estabelecimento um refúgio
para apresentar seus quadros, cantar, dançar, declamar poesias e também fazer música.
A partir do encontro desses jovens e com o Cabaré cada vez mais cheio, Hugo Ball e o
artista Huelsenbeck adotaram, enquanto folheavam a esmo um dicionário de francês-alemão,
a palavra “dadá” para o movimento que se formava, significando o som primitivo emitido
expressivamente pela criança.
Apesar das dificuldades proporcionadas pela guerra, nos anos seguintes o movimento
continuou em atividade inaugurando a Galeria Dadá e a revista Dadá.
Logo, o artista conhecido pela alcunha de Tristan Tzara começa a contribuir com os
artistas distribuindo e editando a revista. Tzara será o artista que mais tarde em 1918,
escreverá o Manifesto Dadá, e a frase que marca o movimento de maneira a realçar o caráter
radical, agressivo, irônico e claramente niilista do Dadaísmo: (...) Nós exigimos, nós exigimos
o direito de mijar em cores diferentes (...)3.
Contudo, as principais contribuições que o movimento Dadá poderia ter fornecido às
gerações futuras podem ser exemplificadas como: as primeiras performances espontâneas,
impregnadas com o gesto teatral de modo a utilizar diversos elementos cênicos. Tais
performances foram realizadas pelos artistas, de maneira pioneira, em lugares como o Cabaré
Voltaire, na própria galeria Dadá, (ambos em Zurique), e também em diversos países
conferindo uma característica internacional ao movimento que atingiu não só os países
Europeus como também encontrou terreno fértil em Nova York, onde os artistas, Marcel
Duchamp e Picabia (expatriados da França) produziram artigos críticos com as características
do discurso Dadaísta, atingindo jovens artistas americanos com seu teor de insatisfação, como
o jovem artista Man Ray, por exemplo.
Além da preocupação com a questão da linguagem, devido à influência dos vários
artistas plásticos e poetas que reuniram o binômio Letras e Artes em suas apresentações.
3 GOLDBERG,Roselee. A Arte da Performance: Do Futurismo ao presente. São Paulo: Martins Fontes,
2006.p.48.
25
Sobre alguns importantes conceitos dadaístas é possível extrair o seguinte excerto
retirado do texto de Dawn Ades, e que posteriormente reverberará como um eco nas palavras
dos artistas conceituais da década de 60:
Poesia e Pintura podem ser produzidas por qualquer um; deixou de ser requerido um
determinado surto de emoção para produzir qualquer coisa; rompeu-se o cordão
umbilical entre o objeto e o seu criador; não existe diferença fundamental entre o
objeto feito pelo homem e o objeto feito pela máquina, e a única intervenção pessoal
possível numa obra é a escolha.4
É claro que não se pode desconsiderar o fator “contexto histórico” em que as idéias
Dadaístas e de Marcel Duchamp foram empregadas em relação às idéias dos artistas
conceituais da década de 1960.
Esses fatores são agentes que contribuíram para o desenvolvimento da história e apesar
de sempre haver a possibilidade de novas interpretações, um acontecimento como a Primeira
Guerra Mundial foi certamente um evento que influenciou no niilismo dos Dadaístas e no
processo de questionamento do sistema de arte feito por Duchamp, por exemplo.
Entretanto, pode-se relacionar diretamente a Arte Conceitual como uma das principais
responsáveis pela continuidade de um processo que teve início no século passado e que não
prosseguiu, junto com as vanguardas posteriores que compuseram a Arte Moderna até o seu
final, na década de 1950. Há que se considerar ainda que alguns autores como Arthur Danto,
localizam a continuidade desse processo no início da década de 1960 com o estabelecimento
da Pop Art norte-americana.
Sobre esse período afirma o filósofo da arte, Arthur Danto:
A década de 1960 foi um paroxismo de estilos, e no decorrer dela, com as
controvérsias, ao que me parece – e isto foi, em primeiro lugar, o fundamento do
meu discurso sobre o “fim da arte” – aos poucos foi ficando claro, primeiro por meio
dos nouveaux realistes e do pop, que não havia uma forma especial para a aparência
das obras de arte em contraste com o que eu havia designado “coisas meramente
reais”5.
E o autor segue em sua conclusão citando a obra de Andy Warhol “Brillo Box” e como,
externamente em nada ela se diferenciava de uma caixa de Brillo (caixa de sabão em pó) do
supermercado. E ainda, que posteriormente, com o advento da Arte Conceitual nem mesmo
era necessário haver uma caixa, ou seja, um objeto visual para que uma idéia fosse
considerada arte visual.
4 STANGOS, Nikos. op. cit. p. 87.
5 DANTO, Arthur C. Após o fim da Arte: A Arte Contemporânea e os limites da história. São Paulo: Odysseus
Editora, 2006. p.16.
26
Portanto, vê-se que fatores como: a desmaterialização da forma, a redução do objeto
artístico a uma idéia, a utilização das linguagens como material de arte, a análise da obra não
pelas suas qualidades formais, mas por seu valor contextual já eram no início do século XX,
uma tendência representada pelas aspirações de Marcel Duchamp e do Dadaísmo e que foram
posteriormente muito mais desenvolvidas e radicalizadas com o estabelecimento da Arte
Conceitual.
Retornando as investigações da origem da Arte Conceitual, pode-se dizer que: com a
finalidade de romper definitivamente com os princípios Modernistas, sobretudo com a
questão da autonomia que era alimentada pelo pressuposto da “arte pela arte” e que
transformou a Arte Moderna em uma arte auto-referencial, ignorando os aspectos de seu
entorno, tal processo se iniciou com as atitudes “antiformais” dos artistas Minimalistas.
E, intensificou-se com as atitudes críticas dos artistas conceituais em relação a essa
autonomia, ampliando seu foco de interesse, ou seja, abrindo-se para as questões políticas e
sociais ou meramente do cotidiano. Mas, de qualquer forma, esses artistas conseguiram lançar
um olhar para o mundo contemporâneo que a Arte Modernista não pôde ter.
Desta forma, muitas foram as tentativas de definir o que era a Arte Conceitual então
surgida nos finais da década de 1960, muito embora o termo “arte conceito” tenha sido
cunhado muito antes, pelo músico Henry Flynt já em 1961, como resultado do contato com os
artistas do grupo Fluxus, em Nova York.
Como sintoma desse esforço é imprescindível citar o artista americano Sol LeWitt, que
foi responsável pela publicação em 1967 do texto “Parágrafos sobre arte conceitual”, e dois
anos depois, em 1969 o texto “Sentenças sobre arte conceitual”.
Acompanhando o raciocínio de LeWitt em seu texto “Parágrafos sobre arte conceitual”,
o artista declara: A idéia se torna a máquina que faz a arte. Esse tipo de arte não é teórico
nem ilustra teorias; é intuitivo, está envolvido com todo tipo de processos mentais e é
despropositado.6
O que está em foco neste momento são as principais propostas levantadas pelos diversos
artistas nesse período que compreende o final da década de 60 até meados da década de 70; a
desmaterialização da forma e a passagem do objeto para a categoria de linguagem verbal
ficam claras em exemplos como o da exposição “Janeiro”, realizada em 1969 e descrita por
Paul Wood:
6 FERREIRA, Gloria, COTRIM Cecília (orgs.) Escritos de Artistas: anos 60/70. Rio de Janeiro: Jorge Zahar
Editor, 2006. p. 176 e 177.
27
...O verdadeiro espaço da exposição era o catálogo, que, nos termos de Siegelaub,
tornou-se informação “primária” e não mais “secundária”. Em uma transformação
notável, a obra de arte passava a ser vista como “informação” que se podia fazer
circular mais eficientemente através do meio constituído por textos e fotografias do
que por intermédio do transporte de objetos materiais propriamente ditos.7
Como propostas dos artistas conceituais além das já citadas, também houve o
predomínio de trabalhos que abusaram de uma repetição obsessiva como se fossem estranhos
mantras, onde entrava em pauta a questão do tempo.
Os artistas que trabalharam com esse tipo de estratégia empregada contra um
racionalismo que predominava na época, não eram apenas artistas americanos, logo, tal
característica podia ser encontrada em artistas de toda parte do mundo, com os mais variados
tipos de produção em série, são eles: o artista polonês Roman Opalka com sua série “Do 1 ao
infinito”, a artista alemã Hanne Darboven, também associando o trabalho com números em
seqüência em suas instalações e um dos artistas mais conhecidos seguidores deste “estilo”, o
artista japonês On Kawara com seus primeiros trabalhos que consistiam em pintar datas à mão
acompanhando-as de uma folha de jornal do dia relativo a data pintada e, posteriormente, se
despojando das demais comunicações apenas pintando o seguinte testemunho de sua própria
existência: “Eu ainda estou vivo.On Kawara”.
Um exemplo das pinturas seqüenciais de On Kawara fica ilustrado com a imagem
abaixo:
2. On Kawara
“Três pinturas de datas: jan.15, 1966 (Essa própria pintura é 15 de janeiro de 1966); Jan. 18, 1966 (Eu sou
essa pintura); Jan. 19, 1966 (Da Chambers St.123 para a E 13th St. 405)”, 1966.
A fotografia, o filme e o vídeo como recursos ou dispositivos tecnológicos, também
foram fundamentais para compor algumas propostas conceituais, tanto na composição de
trabalhos basicamente com fotografias amadorísticas, como também para documentar, as cada
vez mais freqüentes, performances e happenings elaboradas pelos artistas conceituais. Sobre
7 WOOD, Paul. Arte Conceitual. São Paulo: Cosac&naify, 2004. p. 36.
28
este fato afirma Paul Wood: A fotografia começou a ser utilizada cada vez mais para
documentar a variedade de ações e performances que formavam um complemento que via
crescer a sua influência no que se refere à arte conceitual mais estreitamente “analítica”.8
Entre os artistas que trabalharam amplamente com esses recursos, pode-se citar nomes
como: Gilbert e George, Richard Long, Bruce Nauman, entre outros.
Vários exemplos se seguem, e a Arte Conceitual multiplica-se em seu leque aberto de
possibilidades, é justamente através dessa abertura que se estabelece um estado pluralista,
uma gama heterogênea e historicista de estilos nas artes, onde vários processos se misturam
ganhando traços efêmeros, caóticos, fragmentários, identitários, entre outros, compondo o
quadro das principais questões abordadas e demarcadas pela Arte Conceitual.
Tais características são apontadas pelo teórico David Harvey, como características
próprias da Pós-Modernidade, enquanto que o estado de racionalidade da Modernidade
(herança do Iluminismo) encontra cada vez mais um mundo ilógico, onde há a predominância
do paradoxo e a aversão a qualquer discurso universal, e/ou totalizante.
Nas palavras do autor:
Estamos agora no processo de despertar do pesadelo da modernidade (...) para o
pluralismo retornado do pós-moderno, essa gama heterogênea de estilos de vida e
jogos de linguagem que renunciou ao impulso nostálgico de totalizar e legitimar a si
mesmo...A ciência e a filosofia devem abandonar suas reivindicações metafísicas e
ver a si mesmas, mais modestamente, como apenas outro conjunto de narrativas.9
Para a Arte Conceitual esse processo de transição reflete exatamente o seu discurso,
muitas vezes, confuso e desencontrado, porém construído de forma caótica com a intenção de
realizar a ruptura com as noções de ordem e pureza impostas pela Arte Moderna, onde um
movimento de vanguarda substituía o outro sucessivamente e a busca pelo novo era infinda e
obsessiva.
Tal processo de transição é descrito pelo sociólogo polonês Zygmunt Bauman, da
seguinte maneira: “A multiplicidade de estilos e gêneros já não é uma projeção da seta do
tempo sobre o espaço da coabitação. Os estilos não se dividem em progressista e retrógrado,
de aspecto avançado e antiquado.”10
Essas características de multiplicidade, fragmentação e total liberdade de escolha nas
linguagens para a representação da arte e também uma sensação de falta de direção, marcam
contundentemente esse período ambíguo e impreciso em que, ora serão vistas características
8 Idem. p. 45.
9 HARVEY, David. Condição Pós-Moderna.São Paulo: Edições Loyola, 2006.p.19.
10 BAUMAN, Zygmunt. O mal- estar da Pós-Modernidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1998.p.127.
29
de trabalhos de outros períodos históricos em trabalhos contemporâneos e vice-versa. Como
se houvesse uma mão dupla de entrada e saída na Modernidade para a Pós-Modernidade.
Outras questões importantes introduzidas pela Arte Conceitual ocorreram no início da
década de 1970, quando alguns artistas conceituais enxergaram a necessidade de ir além da
estratégia de “nomeação” Duchampiana, voltando-se para pesquisas relativas à semiologia ou
como descreve Paul Wood: “O que importava, realmente, eram as mudanças fundamentais
na estrutura sígnica conceitual do continuum propriamente dito”11.
Com a influência dos escritos de Roland Barthes, que segue a teoria lingüística de
Ferdinand de Saussure, incrementa-se nesse período o debate cultural, introduzindo em seu
discurso a terminologia de “signos”, “significantes”, “significados”, e tantos outros conceitos
ligados à semiótica.
Enquanto isso, por volta de 1972, grupos importantes como o grupo britânico Arte &
Linguagem (Art&Language), se voltaram, não para a teoria francesa mas, para a filosofia
analítica de Wittgenstein, assumindo desta forma a importância do texto teórico como
trabalho de arte e dando sua contribuição na construção de alguns princípios teóricos da Arte
Conceitual.
O artista Joseph Kosuth, que se tornou no início da década de 70, o editor americano
das publicações Art-Language é responsável pelo texto histórico: “A Arte depois da filosofia”
publicado em Outubro de 1969:
Toda a arte (depois de Duchamp) é conceitual (por natureza), porque a arte só existe
conceitualmente.
O “valor” de determinados artistas depois de Duchamp pode ser medido de acordo
com o quanto eles questionaram a natureza da arte; o que é um outro modo de dizer
“o que eles acrescentaram à concepção da arte” ou o que não existia antes deles.12
Como contribuição evidente para o debate da crítica, o texto/manifesto de Kosuth segue
fazendo questionamentos importantes e coerentes acerca da incompatibilidade da crítica
formalista, defendida por Clement Greenberg.
O crítico foi chamado por Kosuth de “crítico do gosto”, e a crítica à própria Arte
Moderna, chamada de “arte decorativa”, além de explicitar a natureza tautológica da condição
artística, onde o artista faz questão de deixar clara a responsabilidade de cada artista pela
leitura de seu trabalho.
Os países de língua inglesa, que em maior parte abrem o capítulo sobre Arte Conceitual,
são historicamente reconhecidos por não terem se voltado de forma tão engajada para as
11 WOOD, Paul. Op. cit. p. 49.
12 FERREIRA, Gloria, COTRIM Cecília (orgs.). Op. Cit. p. 217,218.
30
questões políticas, até pelo menos o começo da década de 1970. Enquanto que no resto da
Europa, lembrando-se que a Arte Conceitual foi um movimento de manifestação em escala
mundial, (como foi dito no início do capítulo), no final da década de 60, teve como principal
grupo de conotação política o grupo “Situacionista” francês que se engajou fortemente contra
a noção da moderna sociedade de consumo, conseguindo uma importante radicalização dos
estudantes.
Alguns artistas como: Daniel Buren, Oliver Mosset, Michel Parmentier, entre outros,
ilustram esses exemplos de artistas que se afastaram do termo “arte conceitual”, em busca de
atividades situacionistas aplicadas ao campo das artes visuais, formando o grupo B.M.P.T.,
que reduz a obra anônima a um tipo simples de materialidade dividido em suporte, cor e
textura como meio de veicular seus protestos dirigidos às instituições (museus, galerias,
críticos, política cultural, colecionadores, entre outros).
Com suas freqüentes críticas às instituições, o trabalho de Buren ganhou posteriormente
características cabais de uma arte conceitual politizada, vindo a apresentar, desta forma em
seu currículo o texto “Advertência”.
Do texto o artista, sem abrir mão da polêmica, trata com detalhes os fundamentos da sua
prática, advertindo contra o uso “incorreto” da noção de Arte Conceitual, referindo-se ao texto
anterior de Joseph Kosuth.
Desse texto de Daniel Buren, pode-se extrair o seguinte trecho: “Expor um conceito ou
entender a palavra conceito como arte equivale a pôr o próprio conceito no nível do objeto.
Expor um “conceito” equivale a dizer que se trata então de um “conceito-objeto”, o que é
uma aberração.13
Outra discussão deflagrada pelo artista francês Daniel Buren, encontra-se nos
questionamentos relacionados ao espaço físico que a arte contemporânea deveria ocupar e
quais seriam as conseqüências desse processo, como pode ser constatado no parágrafo abaixo
extraído do livro de Michael Archer, e como será mais aprofundado no último capítulo da
dissertação:
Buren estava particularmente interessado pela questão da apresentação da arte, da
sua colocação e das conseqüências que surgiram com a escolha de lugares
diferentes: um espaço doméstico, comercial, ou de galeria, por exemplo, ou uma
posição exterior, tal como uma parede ou um quadro de anúncios. 14
Daniel Buren apresenta em um de seus trabalhos, uma pintura considerada
“minimalista” em princípio, que coloca em pauta o próprio espaço da galeria. Ou seja, o
13 Idem, p. 251.
14 ARCHER, Michael. Arte contemporânea: Uma história concisa. São Paulo. Martins Fontes. 2001. p. 72.
31
trabalho é a própria percepção do espaço da galeria disponível, para isso o artista pinta
rodapés com padrões de listras coloridas (cores contrastantes) com o objetivo de enfatizar a
própria sala de exibição.
Essa instalação ganhou o nome de “On two levels with two colours” (“Em dois níveis
com duas cores”), e foi realizada em 1976, na galeria Lisson de Londres.
Como resultado visual desse trabalho, o que se pode conceber é uma percepção que
induz o espectador quanto às irregularidades do espaço disponível de utilização do artista.
Como ilustra a imagem abaixo de fotografia da época da obra de Daniel Buren a
questão do desnível da própria galeria fica evidente através da pintura dos rodapés, assim
intencionada pelo artista:
3. Daniel Buren
“On two levels with two colours”, 1976.
O artista francês contribuiu com uma série de questionamento acerca da acomodação
dos trabalhos imateriais ou mesmo, das novas linguagens empregadas pelos diversos artistas
conceituais (instalação, performance, happening, Live art, Body art, Land art, entre outras
linguagens) da década de 60 e antecipa também uma atitude mais politizada dentro da Arte
Conceitual.
Essa atitude se desenvolveu como uma tendência voltada para o social e de caráter,
muitas vezes, antiinstitucional.
Essa característica “antiinstitucional” manifestou-se juntamente com outros exemplos,
como as ações dos artistas do grupo Fluxus, que serão vistas mais detalhadamente a seguir e
32
que serão representadas por obras de artistas como: Joseph Beuys, Yoko Ono, La Monte
Young, Nam June Paik, entre outros.
O desdobramento da Arte Conceitual e as experiências desenvolvidas pelos artistas no
final da década de 60 e início da década de 70 tiveram um terreno diferente de proliferação
em países da América Latina, muitos deles, países afetados por guerrilhas e governos
ditatoriais, conforme também será visto mais adiante na especificidade da Arte Conceitual
desenvolvida no Brasil.
33
2.1 Das poéticas e linguagens: A importância do Grupo Fluxus
Se houve historicamente um reencontro do pluralismo de linguagens sem fronteiras
territoriais encarnado pelo Dadaísmo, certamente este reencontro na forma “neodadá” foi
concebido pelo grupo Fluxus de Nova York, que incluiu também em seu formato uma espécie
de coletivo inspirado no espírito de coletivização do Construtivismo Russo.
O grupo Fluxus, assim como a vanguarda histórica dadaísta, caracterizou-se pelo
cruzamento multidisciplinar entre música, literatura, teatro e artes plásticas.
Utilizaram o processo de hibridismo para legitimar a performance e o happening que
com o passar do tempo se tornaram linguagens características do período histórico.
Além disso, exploraram diversas poéticas, que consistiram no intenso processo de
experimentação cognitivo-sensorial, que produziram metáforas da vida cotidiana
representando suas qualidades efêmeras, humorísticas, feministas, dentre outras.
Desenvolveram as questões das linguagens presentes na elaboração de performances
individuais e/ou coletivas, instalações e happenings, evidenciando seu contexto histórico,
através de um diversificado processo de experimentação com as novas mídias tecnológicas
que estavam sendo desenvolvidas simultaneamente, e que estão presentes nos inúmeros
trabalhos em vídeo e fotografia apresentados pelos artistas do grupo a partir da década de
1960.
Com a máxima de produzir incessantemente a chamada “antiarte”, os artistas do Fluxus
desenvolveram uma vasta e heterogênea produção que se caracterizou, principalmente, por
uma busca estética com um caráter que se apresentava de diversas formas, mas, sobretudo de
maneira niilista, irônica, espiritualizada, e identitária, localizando esta busca em todo e
qualquer elemento que compunha a vida e a natureza, e também a chamada “realidade
concreta”, com o fito de conectar a arte com a vida, numa leitura amplamente politizada.
Com a característica de reunir artistas de toda parte do mundo, o Fluxus foi capaz de
realizar eventos simultâneos, refletindo mais um aspecto da fase de transição entre a
Modernidade e a Pós-Modernidade (período chave do estabelecimento da Arte Conceitual na
década de 60). Sobre uma descrição mais aproximada das raízes formadoras dos eventos
Fluxus iniciados na primeira metade da década de 60, e que reitera o que foi argumentado
anteriormente sobre sua relação com o dadaísmo, afirma o historiador Edward Lucie-Smith:
Algumas das raízes do Fluxus estavam no movimento dadaísta original, e certos
sobreviventes do dadaísmo, como Raoul Hausmann (1886-1971), associaram-se ao
34
grupo – ao contrário do que fizeram outros dadaístas veteranos, que desaprovaram a
arte pop em sua roupagem original.15
Talvez a principal diferença entre o Fluxus e a geração da Pop Art da década de 50,
esteja situada na intenção mais voltada para reflexões intelectuais, filosóficas, políticas e
sociais assumidas pelo Fluxus, enquanto que na Pop, apesar dos happenings e performances
também serem importantes, esses artistas acabavam enaltecendo mais o lado irônico e
descomprometido da sociedade americana de consumo.
Desta forma, pode-se dizer que os artistas do Fluxus voltaram-se para a vida cotidiana,
para a natureza, para questões de identidade, para posicionamentos políticos antiinstitucionais,
e também lançaram um olhar sobre algumas pesquisas estéticas. Tudo, absolutamente tudo,
foi um tema passível de ser explorado através das poéticas estrategicamente elaboradas pelo
grupo. Diferente da maioria dos movimentos surgidos nos Estados Unidos nas últimas
décadas, o Fluxus trouxe à tona as questões das críticas sociais quase apagadas pelos artistas
americanos, ou seja, era do interesse dos artistas efetuarem mudanças na sociedade, e também
na política.
George Maciunas, principal colaborador na publicação de textos sobre o Fluxus (e
também responsável pela denominação dada ao grupo em 1961, a partir de uma antologia de
obras dos vários artistas do grupo, intitulada “fluxus”), esclarece, no manifesto do grupo, a
percepção da “realidade concreta” feita por um niilista ou antiartista:
A antiarte é vida, a natureza, a realidade verdadeira – ela é um tudo.
A chuva que cai é antiarte, o rumor da multidão é antiarte, um espirro é antiarte...
Essas coisas também são belas e merecem tanta consideração quanto a arte. Se o
homem pudesse, da mesma maneira que sente a arte, fazer a experiência do mundo,
do mundo concreto que o cerca (desde os conceitos matemáticos até a matéria
física), ele não teria necessidade alguma de arte, de artistas e de outros elementos
“não-produtivos”.16
Outro importante artista que influenciará outras gerações com seus conceitos aplicados
em performances, esculturas, desenhos e happenings com grande teor filosófico, político e
espiritual, é o artista alemão Joseph Beuys, que, posteriormente, ganhará mais atenção e
notoriedade com o desenvolvimento de sua carreira individual, do que com sua contribuição
dentro do Fluxus.
No entanto, tratando-se especificamente da importância histórica do Fluxus, é
imprescindível apontar e aprofundar alguns casos de artistas e trabalhos isoladamente, que
repercutiram e ainda repercutem como marcos da Arte Conceitual, e Joseph Beuys é um
15 SMITH-L. Edward. “Os movimentos artísticos a partir de 1945”.São Paulo. Martins Fontes. 2006. p.156, 157.
16 FERREIRA, Glória, COTRIM Cecília (orgs.) Op. Cit. p. 81.
35
exemplo que ilustra a originalidade e capacidade de criar uma linguagem figurada, repleta de
signos e metáforas desenvolvidas através de seu intenso trabalho experimental.
Desde que inicia sua participação no Fluxus, no ano de 1963, quando conhece o artista
coreano Nam June Paik, na cidade de Düsseldorf, Joseph Beuys ao lado do também artista do
Fluxus, George Maciunas, auxilia na preparação dos primeiros Festivais Fluxus em seu país,
aderindo desta forma ao ideal neodadá e conceitualista do grupo que afirmava que mais
importante que a obra de arte ou seu produto finalizado, o que mais importava era o processo,
o que realmente contava era a movimentação em direção a algo que nem precisaria mais ser,
ou ter uma forma palpável.
Partindo do ponto de vista estético, Beuys começou a desenvolver o seu trabalho no
Fluxus, criando uma série de happenings e performances, já com a intenção de reconstruir
espiritualmente a unidade perdida do homem, operando uma transformação na sua relação
com o mundo.
Neste momento cabe fazer uma pausa, para melhor compreensão do que consiste a
origem e processo de elaboração de happenings e performances, para que adiante se possa
entender como essas modalidades de expressão híbridas se converteram em uma das
principais linguagens do Fluxus e da Arte Conceitual da década de 1960.
A performance e o happening, que já vinham sendo constituídos com as teatralizações
dos futuristas, construtivistas, dadaístas e surrealistas, encontraram um terreno desocupado
para sua retomada e amplo desenvolvimento durante a década de 60.
Partindo das definições encontradas na obra de Renato Cohen, que consiste em uma
investigação aprofundada da performance como linguagem, tem-se a seguinte definição para
o termo em sua prática:
...a performance passa pela chamada body art, em que o artista é sujeito e o objeto
de sua arte (ao invés de pintar, de esculpir algo, ele mesmo se coloca enquanto
escultura viva). O artista transforma-se em atuante, agindo como um performer
(artista cênico).
...a performance se colocaria no limite das artes plásticas e das artes cênicas, sendo
uma linguagem híbrida que guarda características da primeira enquanto origem e da
segunda enquanto finalidade.17
Já, o que diferencia a performance do happening, é a capacidade de organização da
primeira em relação a espontaneidade e improviso da segunda.
O artista americano Allan Kaprow, considerado um dos artistas mais importantes ligado
a prática dos happenings no cenário americano no final dos anos 50, é o principal artista a
17 COHEN, Renato. Performance como linguagem. São Paulo: Editora Perspectiva. 2007. p. 30.
36
teorizar e definir o termo happening, a partir da ação histórica intitulada “18 happenings in 6
parts”, ocorrida na Reuben Gallery de Nova York, em 1959. Sobre a definição de happening
por Allan Kaprow, descreve a crítica e historiadora da arte Roselee Goldberg:
Ao público coube imaginar o que significariam aqueles eventos fragmentados, pois
Kaprow tinha avisado que “as ações não terão nenhum significado muito claro no
que diz respeito ao artista”. Da mesma forma, o termo happening não tinha sentido:
pretendia-se que indicasse “algo de espontâneo, algo que por acaso acontece”.18
O que precisa ser destacado é que, nas duas formas de linguagem o que mais importa é
o testemunho do espectador, para total apreensão da experiência que está sendo transmitida do
artista para o público.
Ou seja, tanto a performance quanto o happening perdem grande parte de seu sentido
quando são apenas descritos, ou conservados através do registro em vídeo e fotografia. Por
este mesmo motivo é que a performance e o happening foram também chamados de “live Art”
(Arte ao vivo), o que significa dizer um tipo de arte multidisciplinar, onde as questões do
tempo e espaço se relacionam diretamente com a presença humana.
Partindo dessas definições e contextualizações, volta-se ao exemplo do Fluxus e para o
caso específico dos happenings e performances de Joseph Beuys.
Como contribuição a um evento do Fluxus realizado em 1965, onde participaram
também os artistas: Bazon Brock, Charlotte Moorman, Nam June Paik, Tomas Schmit, entre
outros, Joseph Beuys apresentou uma ação denominada “Vinte e quatro horas”.
Nesta performance, o artista após ter jejuado vários dias antes da ação, confinou-se
dentro de uma caixa pelo tempo de vinte e quatro horas, ocasionalmente saindo da caixa para
recolher alguns objetos dispostos em seu redor, contudo, sem jamais tocar os pés para fora
dela. Na explicação do artista tem-se a seguinte declaração sobre esta performace: “Ação e
Tempo – elementos a ser controlados e dirigidos pela vontade humana”19.
Com uma crença quase xamanística de que a arte poderia modificar e transmutar a vida
cotidiana das pessoas, levando-as a uma espécie de libertação, Beuys executa suas ações de
forma ritualística, e com uma preparação de cunho simbolista rigoroso, compondo uma
iconografia complexa e possuidora de um sistema próprio, mítico, quase sempre repetindo
alguns elementos como: o feltro, mel, lebres mortas, pás, entre outros objetos e materiais que
constituíam uma metáfora de sua própria biografia.
Na opinião do jornalista crítico de arte e curador, Paulo Reis, as relações de Beuys com
os objetos e materiais escolhidos é descrita da seguinte forma:
18 GOLDBERG, Roselee. Op. Cit. P. 120.
19 ibidem. p. 140.
37
Graças a uma linguagem figurada, repleta de símbolos e metáforas, Beuys busca o
conhecimento das conexões existenciais no inconsciente coletivo, trazendo-os para o
outro plano, desta vez consciente. Sua obra quer exibir uma realidade concreta, por
isso o uso de materiais sem importância e simples.20
Outro exemplo ilustrativo da singularidade performática presente em Beuys ocorreu em
maio de 1974, na René Block gallery, em Nova York, Joseph Beuys executou uma das
performances mais emblemáticas e que reverbera até os dias de hoje.
Denominada de “Coyote: I like America and America likes me” esta performance
consistiu em, resumidamente, no convívio do artista, ou melhor, dizendo, naquele momento
do performer “Beuys Ritual”, com um coiote no espaço físico da galeria no período de uma
semana.
Pode-se perguntar: Qual é o propósito de uma atitude à primeira vista, destemperada
como essa? Mas o fato é que, para compreender a linguagem adotada por Beuys é preciso
saber decodificar um sistema de códigos específicos e que estão representados por uma série
de elementos que compuseram a ação.
Primeiro – O coiote como um símbolo da perseguição aos índios americanos, assim
como a relação dos Estados Unidos com a Europa. Portanto, esse processo de simbolização é
meticulosamente arquitetado pelo artista. Conforme ilustra a fotografia abaixo:
4. Joseph Beuys
“Coyote: I like America and America likes me”, 1974.
20 Excerto retirado do catálogo da exposição “Os Múltiplos Beuys: Joseph Beuys na coleção Paola Colacurcio”
ocorrida no Sesc RioArte, Espaço Cultural Baden Powell, em 25 de abril de 2001.p.10.
38
Além de ideologicamente a performance manter-se ligada a uma idéia de “não-arte”
(novamente a influencia do niilismo do Fluxus “neodadá” se torna clara), é também uma “arte
de contestação”, numa tentativa de reforçar a idéia de Duchamp de que qualquer ato pode ser
um ato artístico, desde que contextualizado como tal.
Com o desenvolvimento das performances realizadas pelo artista, (e o mesmo ocorre
também com outros artistas do Fluxus, que passam a se utilizar como coeficiente de sua
própria existência, da noção de tempo x espaço), esta prática resultou no processo de
questionamento da própria funcionalidade do espaço da galeria e dos museus.
Em outras palavras, o espaço institucional, passou a ser questionado como agente único
e legitimador da arte, gerando também uma arte de contestação que se posiciona em direção
contrária à institucionalização da arte.
Encontra-se ainda na obra de Renato Cohen o trecho que reitera essa idéia de
performance em Beuys e no Fluxus:
Por trás da ironia e do aparente despreparo desses espetáculos existe a crítica a uma
arte instituída (e inútil, para estes), arte essa da qual se apossaram uma série de
“profissionais” com finalidades pouco altruístas. É contestando toda essa cultura e,
implicitamente, toda uma arte de concessão, compactuadora, que Joseph Beuys,
artaudianamente, se imola em público, levando às últimas conseqüências sua
metáfora artística.21
Cabe ressaltar que o posicionamento político e irônico em relação às instituições
culturais da época, não é encontrado apenas na obra de Beuys, mas em grande parte da obra
dos diversos artistas que se reuniram ao Fluxus, conferindo ao mesmo, tamanha importância
no contexto histórico.
Além das diversidades em relação às pesquisas estéticas propostas pelo grupo, será visto
neste momento outros importantes artistas do Fluxus e as poéticas empregadas através de
outras linguagens, não só isoladamente as do corpo – performance e happening, como
também as linguagens associadas às mídias tecnológicas, mostrando o pioneirismo de alguns
artistas do Fluxus, no tratamento da arte com auxílio da tecnologia disponível na época, por
exemplo.
Alguns artistas como George Maciunas – responsável pela inserção dos diversos
campos artísticos como: música, teatro, literatura, artes plásticas, cinema, entre outras,
também colocam em pauta as relações de tempo x espaço x arte em textos teóricos
produzidos.
21 COHEN, Renato. Op. Cit. p.59, p.60.
39
O artista lituano sem dúvida é uma figura chave no Fluxus, sendo um dos grandes
organizadores dos textos dos artistas e dos eventos Fluxus nos Estados Unidos e na Europa,
suprindo assim em 1961, a necessidade de se opor às “artes eruditas” que até então
dominavam o mercado internacional de arte.
Partindo da lógica de que “realidade concreta” é tudo aquilo que nos cerca e de fato
existe, Maciunas propõe que o olhar poético para qualquer um desses elementos que também
são indeterminados e imprevisíveis, se afasta da definição tradicional da arte. Esta definição
implica na construção dos objetos de forma artificial, já que o objeto em si é uma mera
representação ilusionista da realidade concreta, logo, para os antiartistas que criaram a
“antiarte”, seu posicionamento refletiu na verdade um ataque à arte enquanto profissão,
enquanto “Belas Artes”, enquanto uma divisora entre público e artista, entre arte e vida.
Já, Nam June Paik – hoje reconhecido como um precursor na experimentação com
mídias eletrônicas ou o que viria a ser conhecido como “videoarte”, concatena o binômio
imagem e som, assim como Maciunas, para concretizar sua construção poética e investigativa.
O primeiro trabalho em vídeo realizado por Paik e possibilitado pela colocação de
câmeras domésticas no mercado pela Sony, em meados da década de 60, trata de uma
filmagem da visita do Papa VI a Nova York em 1965, exibida no mesmo dia em que foi
gravada.
Inicialmente em seus primeiros trabalhos com manipulação de imagem, Paik atingiu
resultados que lembravam superfícies pictóricas, luminosas e questões formais.
Alguns desses trabalhos puderam ser vistos pelo público brasileiro na mostra “Nam
June Paik – vídeos 1961-2000”, que aconteceu no Centro Cultural Telemar em 2006, e podem
ser mais detalhados através das descrições presentes no texto de Daniela Mattos, publicado
pela Revista do Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais da UFRJ-EBA, Arte e Ensaio.
Desta resenha da mostra, pode-se extrair o seguinte parágrafo sobre a obra antológica de
Paik:
Nos vídeos realizados na primeira década apresentada, 1961-1970, Paik explora essa
mídia e suas potencialidades de modo mais “formal”, como é o caso de Early Color
TV manipulations, que data de 1965-1971, e Digital Experiment at Bell Labs, de
1966. Em ambos os casos o artista adota elementos como um ponto branco em um
fundo preto ou grafismos estroboscópicos utilizados à exaustão, criando resultados
que remetem a uma composição pictórica...22
22 MATTOS, Daniela. Poética(s) dos Fluxus: algumas considerações. Rio de Janeiro. Revista do programa de
Pós-Graduação em Artes Visuais EBA-UFRJ ano XIII, n°13. 2006. p.225.
40
Posteriormente Paik, incorpora outros elementos a seus vídeos passando pela escultura,
performance, música, TV, entre outros, até realizar instalações com diversos monitores
ocupando o espaço da galeria.
Sobre esses trabalhos com monitores de TV organizados por Paik, durante a década de
70, descreve Michael Archer: As gravações de Paik mordazmente editadas e cheias de cores,
tais como Fissura Global (1973), mostram que é o veículo da TV que dá forma ao conceito de
seu trabalho, e não o tema específico na tela.23
Outra artista do Fluxus, Yoko Ono – artista plástica, compositora, filósofa, (estudou
filosofia e música no Sarah Lawrence College, em Nova York) tem como característica criar
poéticas que giram em torno das questões do feminismo, pacifismo, relações interpessoais,
entre outros, utilizando-se do processo de hibridismo (música experimental, performance,
happenings, vídeo) para executar ações que evidenciaram a vida versus a arte.
Como exemplo de umas das ações mais marcantes de Yoko Ono pode-se citar a
performance intitulada “Cut Piece” elaborada e apresentada originalmente em 1964 no Japão
e, posteriormente, reapresentada em Nova York, no ano de 1965, no Carnegie Hall, atraindo
grande público. Tal performance consistiu basicamente na interação da artista com o público,
que era convidado a subir no palco do teatro com uma tesoura para cortar um pedaço da roupa
da artista, que permanecia imóvel e sentada, simbolizando talvez, a fragilidade feminina e os
abusos e agressões contra a mulher.
5. Yoko Ono
“Cut Piece”, 1964.
23 ARCHER. Michael. Op. Cit. p.108.
41
Cada vez que um participante da performance subia para interagir num gesto que
refletia certo sadismo, perversão e tensão nas relações interpessoais, sugerindo também certo
conteúdo masoquista, maior era o pedaço de pano cortado da roupa da artista.
Esta dramatização com aspecto tenso ficou mais evidenciada com os recursos de zoom
da câmera focando, vez por outra, o rosto da artista, até que no final, o vídeo da performance
se encerra com a figura enigmática e solitária de Yoko Ono cobrindo os seios, restando
apenas suas vestes de baixo que não foram cortadas.
Há ainda outro artista que deu grande contribuição ao Fluxus e que atuou também em
parceria fazendo composições musicais experimentais juntamente com Yoko Ono, foi o
artista americano La Monte Young.
Conhecido por ser o primeiro compositor da escola Minimalista (composta também por
nomes como: Steve Reich e Philip Glass) a adicionar sons incomuns, ruídos e ações às suas
composições, além do princípio de indeterminação (influenciado pelo compositor John Cage e
pelos conceitos de Maciunas) e pela idéia de aleatoriedade.
Seu trabalho é visto atualmente como um dos mais importantes e radicais no que diz
respeito à vanguarda emergente após a Segunda Guerra Mundial, tanto em sua forma
minimalista, quanto em sua forma “Proto-Fluxus” conceitualista, ambos questionaram a
natureza e definição da música, incorporando diversos elementos de outros campos.
Como exemplo desta diversidade pode-se citar as experiências de La Monte Young com
um tipo de iluminação especial de ambientes feitas em parceria com a artista Marian Zazeela
ajudando a compor suas performances.
Dos participantes que não foram citados até aqui, e que também deram grande
contribuição à notoriedade que o Fluxus obteve ao longo dos anos e para compor de forma
mais detalhada o quadro de artistas, devemos ainda citar os seguintes nomes (dentre eles,
poetas e compositores): Dick Higgins, Bob Watts, Al Hansen, Jackson Maclow, Richard
Maxfield, Alison Knowles, Vostell, George Brecht, entre outros.
É importante ressaltar, a respeito de uma postura politizada voltada para
questionamentos importantes sobre a função da arte, do artista e de quem detém o poder de
legitimar o que é arte ou não, o desenvolvendo de diversas poéticas, muitas vezes
relacionadas com a vida comum e seu entorno, que conduziram várias pesquisas a uma fase
de intensas experimentações, tanto no que diz respeito às diversas linguagens que se firmaram
na época, como a performance, o happening, a instalação, a videoarte, entre outras.
42
Como conseqüência desse processo o que se segue é uma abertura do campo das artes
pra diálogos multidisciplinares e também fisicamente para outros espaços além dos espaços
tradicionais e hegemônicos, representado pelos museus e galerias.
Esta abertura ou como já foi denominada “expansão do campo”24, se torna uma das
principais e irreversíveis contribuições da Arte Conceitual para as gerações futuras, fato que
será analisado nos próximos capítulos.
24 Termo utilizado pelo teórico Michael Archer no livro “Arte Contemporânea: uma história concisa”. Segundo
capítulo – “O campo expandido”, p. 61.
43
2.2 Do experimentalismo aos espaços incomuns ocupados pela arte
Tratando de Arte Conceitual, e, sobretudo do período em que ela se manifesta e se
afirma como tal, como já foi visto, durante a conturbada década de 60, deve-se atentar para
dois fatos importantes e que se desenvolveram por conseqüência das atitudes iniciadas a partir
da máxima: “Arte como idéia”.
Primeiramente, o fato de que essa máxima permitiu que os artistas dessa geração se
empenhassem nas mais diferentes e inusitadas pesquisas, com os mais diferentes e
improváveis materiais e linguagens, se comparados ao padrão predominante da natureza da
arte até o Modernismo (que era o padrão das Belas Artes).
A conseqüência de todo esse experimentalismo proporcionado pela liberdade
conquistada pelos artistas da década de 60, foi que qualquer idéia, materializada ou não,
poderia ser um trabalho artístico. O que importava era o contexto, e não o resultado final,
provocando um processo de desmaterialização da forma, que conduziu, por exemplo, ao
declínio do objeto de arte tradicional, de contemplação estética, em favor de uma arte
imaterial ou contextual, fazendo com que diversos artistas de inserissem em pesquisas
ousadas que percorreram a noção de tempo e espaço (como demonstrado inúmeras vezes no
grupo Fluxus).
Pode-se dizer sobre isso, que os artistas interpretaram de maneiras diversas um processo
que se iniciou no modernismo e tornou-se mais evidente no pós-modernismo e que implicou
numa percepção da aceleração da noção de tempo e de espaço, de acordo com os avanços
tecnológicos progressivos e da rapidez no processo de circulação de pessoas e de informação.
Além das pesquisas cognitivas e sensoriais que intensificaram e em muitos casos,
radicalizaram ainda mais as experiências com as performances, happenings, instalações e com
as mídias tecnológicas.
Esse processo intenso de experimentação posteriormente colaborou para o
estabelecimento de outras linguagens como por exemplo: a Bodyart (onde o próprio corpo é o
suporte da obra e se constitui como linguagem), a Land Art e Site specif (onde o espaço físico
se constitui como linguagem e é parte indissociável e fundamental da obra) a Live Art (onde
as apresentações performáticas ocorrem em tempo real e são comumente documentadas em
forma de fotografia ou vídeo), entre outras.
Logo, com tantas formas de apresentação da arte, o próprio mundo das artes veio a
sofrer alterações para acomodar essa arte inusitada, que em pouco tempo se impôs como arte
dominante.
44
O que significa dizer que, a partir desse período (que vai do final da década de 60, até a
década de 70) já não eram só os museus e as galerias os únicos locais de apresentação da arte
da época. Em outras palavras, qualquer espaço físico também era visado pelos artistas como
um espaço propício para a apresentação de seus trabalhos, podendo ser até ele próprio o
trabalho.
Continuando o processo de cunho engajado, iniciado em meados da década de 60, ao
qual diversos artistas se colocaram contra o mercado de arte institucionalizado, essa fase de
experimentalismo também reforçou a negação a uma fácil pasteurização de sua produção por
parte do mercado, à medida que dificultou a apreensão dos trabalhos como meros objetos
detentores de valor simbólico, pois em sua maioria eram idéias, contextos, ações, intervenções
urbanas e paisagísticas de pequeno e grande porte, performances, instalações, entre outros,
onde o único registro, em muitos casos, era a documentação em fotografia e vídeo.
No que diz respeito especificamente ao deslocamento geográfico da construção de obras
de arte impregnadas de conceitualismo ou contextualizações para localidades extremamente
afastadas dos centros urbanos e dos espaços de apresentação da arte convencionais, deve-se
citar o trabalho pioneiro de artistas como: Richard Long, Hamish Fulton, Walter de Maria e
Robert Smithson, por exemplo.
Todos estes artistas trabalharam com paisagens, os também chamados “sítios
específicos” (site specific ou in situ), e com a crescente Land Art (também conhecida como
Earth Art, Earth Work) que se caracterizou por grandes intervenções ambientais em paisagens
meticulosamente escolhidas pelos artistas com algumas conotações ecológicas que
começaram a se explicitar no final da década de 60 até a década de 70.
As materializações desses trabalhos os tornaram indissociáveis da linguagem que os
fundamentaram.
O artista britânico Richard Long ficou conhecido por suas extensas caminhadas, que de
certa forma podiam ser comparadas com alguns aspectos esculturais na questão relativa à
forma e ao espaço, pois traçava rotas que pudessem ser facilmente conceitualizadas, através
de círculos, quadrados, linhas retas, etc.
Como exemplo pode-se citar a obra intitulada: “Caminhando por uma linha no Peru”, de
1972.
Neste caso, a obra não pode ser separada do local específico onde foi elaborada e que dá
o significado de sua própria existência. Muito embora para que este tipo de trabalho se
tornasse viável ao público, os registros dessa ação foram apreendidos através do recurso da
fotografia, que acabou funcionando como prova cabal (evidência documental) da realização
45
do trabalho, no entanto, transmite a sensação de que a obra real é o próprio caminho alhures
nos Andes e não a documentação presente na galeria.
Não só a fotografia se prestava como elemento documental para ser inserido dentro das
galerias, Long também tinha o hábito de recolher gravetos, ardósia, pedaços de lenha, em suas
caminhadas e os coletava, retirando-os de seu “sítio específico” e enquadrando-os juntamente
com seus registros em fotografia, logo esses materiais recolhidos também faziam parte da
obra. Já o artista Hamish Fulton procurava apenas fotografar as paisagens de seus percursos,
evitando qualquer intervenção, mesmo que mínima nas paisagens, produzindo um texto que
era exibido junto com suas fotografias nas galerias.
A Land Art ou Earth Art, Earth Work, é caracterizada por seu isolamento segundo o
artista Walter de Maria, e também por incluir em sua pauta modificações de grande porte nas
paisagens.
Sobre este peculiar artista cabe citar um dos trabalhos mais conhecidos de sua carreira:
o “Campo Relampejante”, de 1971-1977, localizado no Novo México, esta intervenção
procurou assentar em um local remoto, onde o artista projetou a colocação de hastes de ferro
verticais posicionadas de maneira regular por uma extensão de 1.600 metros, com a finalidade
de atrair os relâmpagos através destas hastes.
O resultado visual desse trabalho proporciona fotografias impressionantes capturando o
contato dos relâmpagos com as hastes, o local que por sinal, foi escolhida justamente por essa
característica.
6. Walter de Maria
“Campo Relampejante”, 1971-77.
46
Outro singular artista já citado e que também realizou trabalhos, de forma até mais
radicais que os artistas vistos anteriormente, no que diz respeito às modificações e
intervenções nas paisagens naturais, foi o artista americano Robert Smithson.
Com sua obra emblemática “Spiral Jetty” de 1970, Robert Smithson realizou o trabalho
que representaria grande parte de Land Art, Earth Art (nonsites). Executado em uma extensa
área partindo da margem do Great Salt lake em Ohio, Smithson construiu uma imensa espiral
baseada no monumento indígena pré-colombiano Great Serpent Mound, gerando uma
imagem panorâmica (normalmente fotografada de cima), que varia conforme as oscilações no
nível de água e ocasionalmente muda de cor, conforme a aparição de um tipo de alga
específica da região.
Definia como sites o lugar propriamente dito no qual executava seus projetos de
intervenção, e como nonsites os lugares para onde suas obras seriam expostas. Ou seja, as
galerias e museus, fazendo a ponte dialética entre o externo para o interno, como no caso dos
outros artistas, também utilizando do recurso fotográfico e a documentação em vídeo do
processo de transformação da paisagem, para viabilizar sua apresentação para o público,
privilegiando uma experiência mental de sua obra.
Sobre esta relação declara o artista: “As caixas ou recipientes de meus Non-sites reúnem
dentro deles os fragmentos que são experimentados no abismo físico da matéria bruta.”25
O ponto em comum e que importa ressaltar em todos esses artistas é que a escolha por
uma série de deslocamentos físicos justificados pelo uso do conceitualismo para realizar seus
trabalhos em locais inusitados (e, em muitos casos inóspitos) deve-se também a um
posicionamento e descontentamento por parte dos artistas com o mercado de arte da época.
Além do descontentamento em relação à condição hegemônica estabelecida entre a
crítica, a curadoria e o papel do artista.
Este fato fica bem claro ao se analisar os escritos dos artistas desse período. Como por
exemplo, neste trecho extraído de um texto de Robert Smithson intitulado: “Uma
sedimentação da mente: projetos de terra”:
Por tempo demais o artista foi alienado de seu próprio “tempo”. Críticos, ao
focalizarem o “objeto de arte”, privam o artista de qualquer existência no mundo
tanto da mente quanto da matéria. O processo mental do artista que tem lugar no
tempo é desapropriado, de modo que um valor de mercadoria possa ser mantido por
um sistema independente do artista.26
25 FERREIRA, Gloria, COTRIM Cecília (orgs.). Op. Cit. p. 186.
26 Ibid., p.196.
47
7. Robert Smithson
“Spiral Jetty”, 1970.
Retornando à fase do experimentalismo aplicado às performances e aos happenings, é
que se estabelece a partir da radicalização dessas duas últimas linguagens a categoria
chamada: Body art é claro que, se considerarmos as primeiras experiências de pintura em
corpos nus de Yves Klein e das performances de Piero Manzoni, a Body art poderia encontrar
o seu embrião na obra desses dois artistas.
No entanto, foi também na década de 60 que este tipo de linguagem popularizou-se e foi
espalhada como prática artística pelo mundo.
Como exemplo dos artistas que são apontados como colaboradores da Body art, pode-se
citar o artista americano Bruce Nauman, visto que em muitos trabalhos, embora fossem
realizados de diversas formas (instalação, performance, vídeo, desenhos, entre outras), boa
parte deles se encontravam intrinsecamente ligados à presença corporal do artista.
É o caso, por exemplo, de seu trabalho intitulado “Auto-retrato como fonte”, onde o
artista posa para uma fotografia como se ele mesmo fosse uma fonte, fazendo clara referência
ao mais famoso readymade de Duchamp.
A fotografia apresentada abaixo capta o momento preciso em que o artista substitui com
seu corpo e gesto o próprio objeto (a “fonte” Duchampiana):
48
8. Bruce Nauman,
“Auto-retrato como fonte”, 1966-70.
Associando o experimentalismo com as novas mídias tecnológicas disponíveis na
época, Bruce Nauman, realizou também uma série de trabalhos no qual ele filmava a si
mesmo executando variadas tarefas em tempo real, como fica explicitado com a descrição
retirada do livro de Michael Archer abaixo:
Nauman também empreendeu certas ações em seu estúdio, gravando-as em vídeo.
Elas eram muito simples – caminhar de uma maneira peculiar, percorrer um
quadrado marcado no chão enquanto tocava violino, quicar duas bolas até perder o
controle, aplicar e remover maquiagem, manipular um tubo de néon para examinar o
corpo na luz e na sombra – e eram filmadas em tempo real.27
Assim como no trabalho pioneiro de vídeo arte de Nam June Paik, como foi visto no
capítulo anterior, houve uma tendência entre os artistas de começar a trabalhar com esses
novos recursos em vídeo, além dos recursos da fotografia, elaborando desta forma uma nova
maneira de fazer e armazenar arte, que era justamente através do desenvolvimento dos
espaços de imersão do dispositivo.
Esta prática advinda do conceitualismo é um dos principais recursos utilizados pela Arte
Contemporânea atual, por este mesmo motivo que suas primeiras manifestações durante a
década de 60 e 70, são tão importantes. Em outras palavras, o artista só precisava ter seu
estúdio, sua câmera e sua idéia, evidenciando cada vez mais uma autonomia em relação ao
meio de arte tradicional.
27 ARCHER, Michael. Op.Cit. p. 107, 108.
49
Um outro exemplo do uso inovador do recurso tecnológico pode ser encontrado na obra
singular do também artista americano Peter Campus, que realizou a experimentação da
possibilidade plástica do dispositivo técnico, no seu caso, exclusivamente o vídeo.
O experimentalismo de Campus fica claro em obras como: “Three Transitions” de 1973,
onde se pode notar o trabalho pioneiro do artista na manipulação do “chroma-key”,
eliminando o fundo para isolar personagens (no caso, ele mesmo, em três auto-retratos) e
objetos que posteriormente são combinados com outras imagens de fundo, gerando
possibilidades infindas a partir dos novos efeitos visuais, como o apagamento de sua própria
imagem e sua respectiva reconstrução. Abaixo algumas imagens da seqüência em vídeo criada
por Peter Campus:
9. Peter Campus 10. “Three Transitions”, 1973.
“Three Transitions”, 1973.
Lidando com a questão irônica da dualidade presente nas diversas tomadas de seu rosto
filmado, Campus expõe de maneira ilusória elementos psicológicos do “eu”, fazendo com que
o inusitado espaço do vídeo se consolidasse como ferramenta tecnológica.
Exatamente por esses motivos é que o dispositivo tecnológico começou a demonstrar
um grande potencial como veículo metafórico.
Observa-se desta forma, não apenas a possibilidade do deslocamento do espaço físico
almejado pelos artistas da época, como as experimentações tecnológicas gerando novos
ambientes de criação (novos espaços) para as obras.
Em ambos os casos, são recursos alternativos às instituições de arte estabelecidas e
tradicionais que ainda privilegiavam os objetos de arte como principais detentores de valor
simbólico, e a possibilidade de trabalho com novas ferramentas e linguagens juntamente com
a introdução de novos signos com variados significados.
50
Com o recurso do vídeo cada vez mais disponível e sofisticado, as performances
associadas à Body Art ficaram cada vez mais radicais, denotando diversos aspectos da
sociedade como questões identitárias, a violência, a transgressão sexual, o feminismo, a
condição caótica nas cidades e os conflitos nas relações interpessoais, entre outros temas.
Todos esses aspectos se explicitaram em performances radicais que se multiplicaram na
década de 70, e que também refletiram uma imagem distorcida da sociedade pós-moderna,
característica própria de um período confuso em que ocorre a transição do modernismo para o
pós-modernismo, e consequentemente das relações sócio-culturais vigentes.
Sobre esse polêmico período, onde a ambigüidade esquizóide e o paradoxo se
desenvolvem plenamente, e que talvez tenha contribuído para que as ações de alguns artistas
ultrapassassem o limite do bom senso e de seu próprio bem-estar físico, o crítico literário
Terry Eagleton (apud, HARVEY, 2006, p.19) afirma o seguinte:
Talvez haja consenso quanto a dizer que o artefato pós-moderno típico é travesso,
auto-ironizador e até esquizóide; e que ele reage à austera autonomia do alto
modernismo ao abraçar impudentemente a linguagem do comércio e da mercadoria.
Sua relação com a tradição cultural é de pastiche irreverente, e sua falta de
profundidade intencional solapa todas as solenidades metafísicas, por vezes através
de uma brutal estética da sordidez e do choque.28
Estes trabalhos mais chocantes e sob muitos aspectos excessivos e com traços de
pastiche marcaram de forma contundente e de diferentes maneiras as carreiras dos artistas:
Vito Acconci, Chris Burden, Rudolf Schwarzkogler e Marina Abramovic, por exemplo.
Não obstante, todas essas ações só se tornaram possíveis, porquê partindo da “arte como
idéia”, os artistas tinham total liberdade para elaborar toda espécie de espetáculo
performático, e a responsabilidade de suas ações residia apenas sobre seus próprios ombros e
conforme também o quadro da época tenha expandido o campo artístico de tal maneira que
todas as idéias (boas ou ruins) poderiam se converter em linguagem visual, tais artistas
utilizaram o próprio corpo como o espaço físico propício para a manifestação e elaboração
das mensagens embutidas em suas ações.
O artista americano Vito Acconci é um exemplo de artista inserido no contexto
performático da Body art, explorou um terreno de experimentação corporal intensa, onde
costumava, em suas apresentações morder a si mesmo, a se masturbar e a utilizar seu pênis
como se fora um outro indivíduo para além de seu eu.
28 Extraído do livro “Condição Pós-Moderna” de David Harvey.
51
Para justificar tal atitude, com traços obscenos, o artista definiu suas intenções da
seguinte forma: Virar-me sobre mim mesmo – dividindo meu eu em dois – tentando fazer de
meu pênis um ser separado, uma outra pessoa.29
Chris Burden, outro artista americano foi talvez o que tenha ganhado mais notoriedade
ao longo dos anos com suas performances dramáticas e igualmente excessivas. Tinha como
ideal se colocar em situações perigosas como ponto central de sua expressão artística e, com
base nisso, realizou ações extremas como se arrastar ao longo de um piso coberto de vidro
quebrado; pediu para que seu assistente lhe desse um tiro em seu braço esquerdo, na ação
polêmica intitulada “Shoot” de 1971, realizada em Santa Ana, Califórnia. Talvez a mais
conhecida performance de Burden tenha sido a sua crucificação sobre a traseira de um fusca
em 1974. Abaixo imagens de registros das performances comentadas acima de Chris Burden:
11. Chris Burden.
“Trans-fixed”, 1974.
29 ARCHER, Michael. Op.Cit. p. 112.
52
12. Chris Burden.
“Shoot”, 1971.
Já o artista vienense Rudolf Schwarzkogler, desenvolveu um trabalho performático
ritualístico, muito elaborado e denominado na época de “Acionismo”, e como o artista Vito
Acconci, apresentava um aspecto da dissolução e fragmentação do eu. Schwarzkogler em suas
ações costumava criar cenas específicas que deviam ser fotografadas, normalmente enfocando
a dilaceração de animais sobrepostas em órgãos sexuais, sugerindo a estripação dos mesmos.
De forma indiscutivelmente masoquista e como último ato performático, o artista foi
fotografado durante todo o processo em que ele mesmo amputava seu próprio pênis, e que o
conduziu a morte em 1969.
Não menos surpreendentes e radicais foram as performances corporais da artista sérvia
Marina Abramovic, com o discurso de atingir um patamar espiritualizado e pleno, a artista
elaborou performances que levaram seu corpo a situações perigosas e aos limites máximos de
sua resistência, com a finalidade de esvaziá-lo, como condição para uma elevação metafísica.
Iniciou suas performances solo na década de 70, quase todas denominadas “Ritmos”,
comumente a artista completava uma série de atividades, como gritar, dançar, entre outras, até
a total exaustão de seu corpo, além de uma série de experiências com drogas alteradoras da
realidade que a levaram a realizar outros atos perigosos.
Com todos esses exemplos acima de atividades artísticas que se desenvolveram a partir
do final da década de 60, atingindo sua plenitude na década de 70, construiu-se uma
verdadeira expansão no campo das artes plásticas. Antes reduzido ao universo das Belas
Artes.
Essa expansão se deu através dessas novas modalidades como a Land Art, Live Art,
Body Art, performance, entre outras.
53
Estes novos formatos tornarem-se campo de práticas híbridas que possibilitaram a
produção de trabalhos onde várias categorias encontravam-se misturadas, justificando o
hibridismo: por exemplo, no caso de Bruce Nauman algumas de suas performances
continham instalações e também eram vídeo arte e Body art, e assim por diante.
Deve-se verificar que com tal abertura e expansão do campo, apesar de implicar
também em trabalhos exagerados e chocantes como os exemplificados pelos artistas que
foram citados da Body Art, até mesmo essas manifestações contribuíram para a liberdade e o
estado de pluralismo alcançado na Arte Contemporânea dos dias atuais.
Tal contribuição se materializou à medida que a questão do espaço físico (objetivo e
subjetivo) encontrou o seu desenvolvimento pleno. Seja através da linguagem do corpo ou
através da linguagem associada à tecnologia ou ainda através do próprio lugar como
linguagem. Era inegável e irreversível que esses espaços inusitados estivessem sendo
ocupados por uma arte que saía cada vez mais do underground, para se tornar a arte
dominante.
Além do mais, nem todo radicalismo presente nas ações dos artistas levaram
necessariamente a fins trágicos ou mensagens confusas e chocantes.
Muitos artistas utilizaram essas diversas linguagens num sentido mais amplo e
engajado, para fazer sua denúncia em relação à situação sócio-política de seu país,
experimentando através do conceitualismo e criando trabalhos originais, portadores de
mensagens que simbolizaram a insatisfação de toda uma sociedade.
É o caso, por exemplo, da introdução da Arte Conceitual nos países da América Latina e
que será examinado na especificidade desenvolvida pelos artistas no Brasil no próximo
capítulo.
54
2.3 Arte x Política: Aspectos da Arte Conceitual nas grandes capitais brasileiras
De forma generalizada o fenômeno da entrada e desenvolvimento da Arte Conceitual na
América Latina se encontra associado a um reflexo das condições sócio-políticas vigentes no
final da década de 60.
Diferentemente da Arte Conceitual desenvolvida nos países centrais (Estados Unidos,
Inglaterra, entre outros), como foi analisado mais detalhadamente nos tópicos anteriores, os
países periféricos ou de Terceiro Mundo, adotaram o conceitualismo (movimento de
proporções globais), de forma que este se adequasse às contradições geradas pelo processo de
modernização empregado após a Segunda Guerra Mundial.
Sobre este projeto de Modernização, cheio de incoerências, e que influenciou
diretamente os rumos das artes visuais, caracterizando-as pelo discurso social e pelo
hibridismo cultural nos países da América Latina, relata o antropólogo argentino Néstor
Gárcia Canclini:
...Não foi tanto a influência direta, transplantada, das vanguardas européias o que
suscitou a veia modernizadora nas artes plásticas do continente, mas as perguntas
dos próprios latino-americanos sobre como tornar compatível sua experiência
internacional com as tarefas que lhes apresentavam sociedades em
desenvolvimento...30
O que Canclini, nos traz em sua pesquisa presente em “Culturas Híbridas” é justamente
um panorama onde o projeto de modernização social, funcionou menos (em relação à
modernização do Primeiro Mundo) que o processo de modernismo cultural.
Este fato se justifica pela dificuldade do projeto de modernização social em derrubar as
velhas oligarquias e o monopólio estrangeiro.
Já o modernismo cultural se desenvolveu através de seu repertório simbólico, como um
criador de uma identidade nacional para muitos dos países da América latina, sobretudo no
caso do Brasil.
Com a entrada da Arte Conceitual nesses países não foi diferente. Despontava no
cenário cultural latino americano uma vanguarda, importada da mesma maneira que foram
importadas as vanguardas durante o modernismo, porém, diferente em seus objetivos, não
mais representada por uma série de pesquisas estéticas, a arte conceitual teve grande parte de
sua atenção voltada para a tensa relação entre arte e política da época.
30 CANCLINI, Nestor Garcia Culturas Híbridas: estratégias para entrar e sair da modernidade, São Paulo:
EDUSP, 2006, p. 78.
55
As dificuldades por parte da repressão e da censura impostas por esses governos se
tornaram mais evidentes e cruciais a partir do ano de 1968.
Este ano ficou marcado mundialmente pelos protestos estudantis (a começar pelo caso
célebre da ocupação de Sorbonne por estudantes franceses) e pelos massacres promovidos
com o apoio dos governos ditatoriais.
Tanto em países como Argentina, México e Brasil, por exemplo, os anos finais da
década de 60, intensificaram uma postura de insatisfação por parte da população, e dos
artistas que permaneceram em seus respectivos países, visto que muitos deles tiveram que se
exilar em outros países longe da América Latina, por conta da repressão política.
Tais artistas adotaram a Arte Conceitual como linguagem libertária, não somente para
realizar a ruptura com as bases da arte modernista, mas principalmente para realizar trabalhos
que deixassem sua mensagem de choque contra os abusos da ditadura.
Em 1968, cada país citado sofreu um episódio que culminou no extremo engajamento
dos diversos segmentos da sociedade: No México, por exemplo, sob ordem do governo de
Gustavo Díaz Ordaz, os militares e as forças policiais ocuparam a principal universidade do
México, na intenção de repreender os atos “subversivos” dos estudantes que pretendiam
chamar a atenção do mundo por conta da proximidade dos Jogos Olímpicos de 1968, na
Cidade do México.
Este acontecimento só fez aumentar as manifestações estudantis culminando no
episódio conhecido como: Massacre de Tlatelolco31, em 2 de outubro de 1968, com uma
estimativa não-oficial de mais de mil mortos.
Na Argentina as condições hiperbólicas impostas pela censura de informação na
imprensa e pela repressão política, culminou na organização de uma exposição denominada:
“Tucamán Arde”. Realizada por cerca de trinta artistas, com o fito de denunciar publicamente
a miséria presente na província de Tucamán, conseqüência das políticas econômicas
implantadas pelo governo, o evento foi instalado no prédio da Confederácion General del
Trabajo (CGT) em Rosario, e comportava todo tipo de produção artística voltada para o tema.
Como foi analisado à parte o caso da Arte Conceitual na América Latina pelo
historiador Paul Wood, encontra-se a seguinte descrição para a exposição argentina de 68, em
seu livro “Arte Conceitual”: “... os visitantes se viam confrontados com uma instalação
31 Informação retirada da resenha feita pelo jornalista Wladir Dupont do livro: Los Patriotas – de Tlatelolco a la
guerra sucia, de Julio Scherer García e Carlos Monsiváis e publicada no site
http://observatorio.ultimosegundo.ig.com.br/artigos.asp?cod=279AZL001
56
multimídia de informações que tinham como base o texto, na forma de slogans, panfletos e
pôsteres, bem como filmes e fotografias ampliadas em grande escala”.32
Este momento ficou marcado como uma iniciativa dos artistas em romper com os
moldes tradicionais de exposições em galerias, interagindo diretamente com o público,
fazendo ainda, com que a arte refletisse diretamente muitas questões inquietantes presentes na
política e na sociedade, uma das mais marcantes características da arte conceitual: associar
vida e arte.
Já entrando na especificidade do caso brasileiro, a Arte Conceitual, desde o início tem
sua produção pautada no discurso politizado, somado à rebeldia dos artistas e a insatisfação
geral em relação ao governo ditatorial.
É justamente também em 1968, com a implantação do AI 5 (Ato Institucional nº 5), ou
seja, a censura devastadora, e que quase levou ao país a uma total escassez na área cultural e
informativa (campo da comunicação) que se intensificaram as tentativas de resistência por
parte de alguns artistas.
Este fato se justificou pelo simples motivo de que junto com o AI 5, estava previsto
também a censura às exposições, tendo como conseqüência o fechamento da Bienal Nacional
de Artes Plásticas que seria realizada na Bahia e que foi impedida pela Polícia Federal.
Outras atividades culturais importantes também foram impedidas de permanecer na
atividade nas grandes capitais do país, ocorrendo prisões dos organizadores e resultando na
apreensão de várias obras que foram consideradas subversivas, como foi o caso da mostra da
representação brasileira no Museu de Arte Moderna – Rio de Janeiro, em 1969.
Utilizando-se do conceitualismo para desenvolver um caráter ainda mais crítico e
radical em relação ao contexto sociopolítico, os artistas organizaram salões e eventos
alternativos.
Desta forma, mostrando o contrário do que se podia imaginar sobre o período, em vez
da escassez de produção cultural, uma verdadeira profusão experimental ocasionou um
processo criativo cujo hibridismo de linguagens e de poéticas concatenaram certo teor de
engajamento e ironia.
Como exemplo destas manifestações pode-se citar os já emblemáticos: “Salão da
Bússola” (realizado no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, em novembro de 1969) e o
evento “Do corpo à Terra” (realizado em abril de 1970, em espaço público da cidade de Belo
Horizonte) .
32 WOOD, Paul. Op. Cit. P. 61.
57
Sobre esses dois eventos podem ser extraídos da dissertação de Daniela de Andrade
Rocha, as seguintes definições, primeiramente para o “Salão da Bússola”:
De fato, um dos tópicos do regulamento do salão se referia à possibilidade dos
trabalhos serem inscritos em qualquer categoria – desenho, gravura, escultura,
objeto, etc. A ampla liberdade conferida desde o regulamento possibilitou a
inscrição de trabalhos extremamente experimentais que revelaram a intensa
atividade de pesquisa desenvolvida pelos jovens artistas.33
Esta descrição citada acima, mostra a forma com que já na virada da década de 60 para
70, os artistas já começavam a repensar as relações da arte com o espaço físico de
apresentação, e sobre o evento “Do corpo à Terra”, pode-se retirar o seguinte excerto da
mesma dissertação:
...foi uma manifestação que demonstrou todo o potencial rebelde e revolucionário
dos jovens artistas dessa década que se iniciava. Em plena ditadura militar, cerca de
20 artistas realizaram propostas corporais, políticas e ecológicas com caráter de
protesto. Tais propostas agressivas e chocantes, tinha relação com os horrores da
ditadura que se arrastava no Brasil.34
Diferentemente do “Salão da Bússola”, o evento organizado em Belo Horizonte ocorreu
em espaço público, sendo assim mais amplo e chegando a reunir cerca de cinco mil pessoas
no Parque Municipal.
Desse evento, despontam dois artistas que também foram contemplados com
premiações durante o “Salão da Bússola” e que serão também responsáveis por grande parte
da heterogênea e reconhecida produção conceitual desenvolvida no Brasil durante a década de
1970, e, por conseguinte serão tomados como exemplo para ilustrar as formas de
desenvolvimento da Arte Conceitual no Brasil no período da ditadura, são eles: Cildo
Meireles e Artur Barrio.
Cildo Meireles começou a ganhar destaque em sua carreira artística em 1969, a partir do
diálogo com a tradição do readymade de Duchamp, porém não no sentido de se apropriar de
um objeto comum ou do meio industrial, mas, sim invertendo essa noção, ou seja, utilizando
um objeto de arte e introduzindo-o no meio industrial para a livre circulação mercantil.
Para isso o artista elaborou a série intitulada “Inserção em circuitos ideológicos I –
Projeto Coca-Cola” e “Inserção em circuitos ideológicos 2 – Projeto Cédula”, que foram
expostas simultaneamente na Petite Galerie, Rio de Janeiro em 1970, e estiveram presentes
33 ROCHA, Daniela de Andrade. O discurso conceitual nas artes plásticas brasileiras da década de 1970: da
visceralidade ao intelectualismo predominante. Rio de Janeiro, Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais,
UFRJ, 2004 p. 59.
34 Ibid.. p. 60.
58
também na mostra Information no Museum of Modern Art, em Nova York, igualmente em
1970.
Desde o início Cildo Meireles já vinha apresentando um trabalho capaz de dialogar com
a questão da apropriação de objetos e do processo de ressignificação também presentes na
“Arte como idéia”.
A série “Coca-Cola”, de 1970 ganhou notoriedade internacional e era constituída de
uma mensagem política forte e irônica (Yankees Go Home), à medida que esses objetos
também serviriam de metáfora ao capitalismo (voltado para a cultura de massa) imperialista
norte-americano.
O trabalho consistiu em recolher alguns exemplares de garrafas de Coca-Cola, inserindo
juntamente com a propaganda e as informações do produto uma pintura com a técnica de
serigrafia sobre o rótulo, com as mensagens desejadas e posteriormente devolver as garrafas
para que elas entrassem em circulação novamente no “sistema”.
O mesmo foi feito no projeto “Cédula”, que consistia também na retirada de algumas
cédulas de circulação, para serem carimbadas posteriormente com a mesma mensagem
política anti-americana. Constava nessas cédulas a mesma expressão utilizada na séria “Coca-
Cola”: Yankees Go Home, que depois da intervenção também eram normalmente postas de
volta em rápida circulação monetária.
Sobre o conceitualismo presente na obra de Cildo Meireles, pode-se citar a partir da
própria palavra do artista explicitada em texto de abril de 1970, e que foi apresentada em
debate em 1971, com a participação de críticos importantes como Mário Pedrosa, Frederico
Morais, Jorge Romero, entre outros:
... (a colocação de Duchamp teve o grande mérito de forçar a percepção da Arte não
mais como percepção de objetos artíticos mas como um fenômeno do pensamento),
uma vez que o que se faz hoje tende a estar mais próximo da cultura do que da Arte,
é necessariamente uma interferência política. Porque se a Estética fundamenta a
Arte, é a Política que fundamenta a Cultura.35
Fica claro então, que no trabalho desenvolvido por Cildo Meireles, predominavam duas
características fortes e inseparáveis do contexto sócio-político da época.
Uma dizia respeito às constantes mensagens políticas inseridas em seus trabalhos, que
tanto podiam ser vistos de maneira mais séria, como de maneira irônica.
A outra característica, dizia respeito à questão de realizar trabalhos que eram
independentes do meio de arte tradicional, pois as séries de trabalhos foram inseridas num
35 FERREIRA, Gloria, COTRIM Cecília (org.). Op. Cit. p. 265.
59
contexto de circulação livre, e muito embora tenham entrado para as galerias e museus como
“objetos de arte”, esta não foi de início a intenção e o objetivo do artista.
13. Cildo Meireles
“Inserção em circuitos ideológicos I – Projeto Coca-Cola”, 1970.
Sobre as “Inserções” da década de 70 conforme ilustra a imagem acima, descreve o
pesquisador Moacir do Anjos, em texto publicado pela revista “Arte e Ensaios” do Programa
de Pós-Graduação em Artes Visuais da UFRJ:
Em textos escritos na primeira metade da década de 1970, o artista já identificava a
existência de amplos sistemas de circulação nos quais era possível inserir,
individualmente e sem cerceamento algum, informações contrárias aos próprios
interesses que fundamentaram esses sistemas.36
De modo contrário a maior parte dos trabalhos conceituais que se caracterizavam pelo
processo de desmaterialização (muitas vezes uma desmaterialização radical) da forma, no
trabalho de Cildo Meireles, o que o artista parecia privilegiar, era justamente a utilização do
objeto contextual e relativo como arma de conscientização social.
36 FERREIRA, Gloria, VENANCIO FILHO,Paulo (org.). Arte & Ensaio. nº11. Rio de Janeiro, Programa da Pós-
Graduação em Artes Visuais/Escola de Belas Artes, UFRJ, 2004. Excerto extraído do texto “Cildo Meireles: A
Indústria e a poesia” de Moacir dos Anjos. p.74.
60
Para isto, ele se utilizou de várias formas das noções básicas do ready-made, noções
pertencentes ao campo artístico, para inserí-las no campo sócio-cultural, evidenciando um tipo
de “cerebralismo duchampiano”.
Já no caso da obra de Artur Barrio, o processo é inverso ao de Cildo Meireles, isto
significa dizer que na importante obra do artista, a principal arma de choque, contra a situação
sócio-política se encontrava na desconstrução do objeto, muitas vezes uma destruição literal,
que adicionou ao seu trabalho um traço de experimentalismo-marginal.
Citando mais uma vez a dissertação aprofundada do discurso conceitual da década de
70, aplicado à obra de Artur Barrio, escrita por Daniela Mattos, chega-se a seguinte definição
para o artista: A trajetória de Artur Barrio pode ser traduzida em duas palavras: transgressão
e radicalismo. Para esse artista o fazer artístico é um ato de experimentalismo extremo, que
desenvolve com ousadia desafiando as convenções.37
Uma das formas encontradas por Artur Barrio, para adequar o seu trabalho às práticas
do conceitualismo, que na década de 70 já haviam sido amplamente difundidas pelo mundo,
foi investir de maneira radical e agressiva na desmaterialização do objeto.
Desta forma, Barrio ultrapassou os objetivos de translação do sentido por comparação
mental, para uma ação real, efetiva, concreta e que levava a total degradação e destruição do
objeto. Para tal, Barrio não se utilizou, como os artistas americanos e ingleses (através da arte
conceitual analítica, como citada anteriormente, e representada pela influência dos artigos da
Art&Language), da linguagem verbal no lugar do objeto, nem do conceitualismo como mera
sugestão, nem mesmo do trabalho com substâncias imateriais para realizar a
desmaterialização do objeto, mas sim da visceralidade escatológica dos materiais perecíveis.
A “Arte como Idéia” nesse sentido, é representada pelo uso irrestrito de materiais
orgânicos e perecíveis, fazendo com que o artista se projetasse no cenário nacional de maneira
singular, com total distinção dos trabalhos desenvolvidos no campo conceitual internacional.
Dessa forma, Barrio desenvolveu poéticas obscuras e agressivas que se mantém na
visceralidade que o caracteriza até os dias de hoje.
É preciso ressaltar que o artista nunca desprezou o uso da linguagem escrita para
explicitar parte de suas poéticas.
Ao contrário do que se poderia imaginar, embora fosse possuidor de uma
expressividade orgânica sem precedentes, o artista também se manteve intensamente ligado à
escrita.
37 ROCHA, Daniela de Andrade. Op. Cit. p. 68.
61
Tanto na criação de manifestos, quanto de textos críticos tendo como parte de seu
acervo artísticos trabalhos que registram seus processos poéticos, os “cadernos-livros”, que já
são em si trabalhos de arte, pois pertencem a uma etapa desse universo processual elaborado
pelo artista.
Não obstante, a sua associação com os materiais orgânicos, como a carne crua, sangue,
urina, pães, entre outros, fizeram com que o artista ficasse conhecido como um manipulador
de materiais “não-nobres”. Como um artista inserido no contexto da precariedade.
Sobre essa escolha de materiais empregados por Artur Barrio, o próprio artista justifica
em Manifesto publicado em fevereiro de 1970, no Rio de Janeiro, já demonstrando seu
posicionamento político e rebelde contra a elite e o sistema dominante e sua relação íntima
com a escrita:
Portanto por achar que os materiais caros estão sendo impostos por um pensamento
estético de uma elite que pensa em termos de cima para baixo, lanço em confronto
situações momentâneas com o uso de materiais perecíveis, num conceito de baixo
para cima.38
Da mesma forma que, Artur Barrio, também ficou caracterizado por um posicionamento
transgressor e anárquico influenciado não só por uma forte reação contra o mercado de arte
vigente da época, como também pela reação à repressão instaurada no país e exacerbada em
1968. Barrio é um dos artistas (luso) brasileiros que mais refletem o sentido de pósmodernidade
em sua obra. Sentido este que foi extensamente descrito pelo teórico David
Harvey, no que diz respeito às características fragmentárias, caóticas, esquizóides e efêmeras
presentes nas grandes metrópoles pós-modernas e suas respectivas sociedades.
Com participações antológicas em eventos como o “Salão da Bússola” e o “Do corpo à
Terra”, como já foi brevemente mencionado, onde, neste último, o artista espalhou trouxas
ensangüentadas pelo Ribeirão Arrudas conforme ilustra a imagem abaixo e inclusive no
próprio Parque Municipal, criando uma de suas “situações”39, a “situação T/T,1 (2ª parte)”.
Assim como ocorrido com Cildo Meireles, que teve seu trabalho apresentado na Mostra
Information no Museum of Modern Art, os registros dessa situação realizada por Barrio em
Belo Horizonte, também foram expostos na mesma mostra.
38 FERREIRA, Gloria, COTRIM Cecília (org.). Op. Cit. p.263.
39 “situações” consistem numa série de trabalhos de curta duração elaborados pelo artista, e que tanto podem ser
executados em locais públicos quanto dentro de galerias e museus. A finalidade desses trabalhos era a de
interagir diretamente com o público explorando seus sentidos.
62
Desta forma, pode-se afirmar que Barrio possui uma obra efêmera que para existir além
de seu momento de execução, é necessário a criação de um registro que garanta sua
sobrevivência.
Normalmente este registro é feito através da fotografia e do vídeo, muito embora o
próprio artista entenda que o registro (que também pode ser a sua própria escrita sobre o
processo), assim como a poética precária de suas ações, deve ser igualmente precário,
dispensando as possibilidades plásticas de alta definição do dispositivo tecnológico.
14. Artur Barrio
“Trouxas”. Happening com carne, corda sacos de tecido lançados no Ribeirão Arrudas, Belo Horizonte.
Manifestação “Do corpo à Terra”. 1970.
Voltando às “situações” desenvolvidas por Barrio, esta série exemplifica de forma mais
completa as características que foram atribuídas ao artista acima, à medida que reforçam a
questão da fugacidade, transitoriedade, precariedade, visceralidade presentes em sua obra.
Como mostra disso, será descrito mais uma “situação” de Barrio, a chamada “DEL...-
Situação - + S +...Ruas...”, também de 1970, e que consistiu no lançamento por parte do
artista de diversos sacos plásticos contendo todo tipo de substância orgânica e material
perecível, tais como: pedaços de unha, sangue, dejetos, entre outros.
O que importava para o artista a cada lançamento de um saco diante de um transeunte
em várias ruas escolhidas aleatoriamente, era justamente essa relação fenomenológica, e por
este mesmo motivo, única, entre ele e o público que muitas vezes se confundia não sabendo
bem se Barrio era uma espécie de mendigo, artista ou louco.
O objetivo do artista, sob certos aspectos é suscitar o maior número possível de
significados no público, é tirá-lo da inércia, numa época em que se era quase obrigado a
63
aceitá-la, além do que as trouxas também sugeriam uma metáfora dos cadáveres produzidos
pela repressão política.
Para isto, o artista não vai trabalhar com um sistema de códigos herméticos, ao
contrário, as ações de Barrio remete a uma interpretação livre e impossível de se repetir, (pela
condição de sua apresentação), ela não é fixa em sua expectativa, é anárquica, libertária.
É claro que, não se pode deixar de apontar para o fato importante de o artista conceitual
trabalhar com signos que podem remeter a diversos significados, mas esses significados não
são infinitos. Há também uma intencionalidade por parte do artista, que a interpretação
caminhe para uma direção, mesmo que isso não aconteça. Pois, é certo que o trabalho quando
apresentado, sobretudo, no caso de Artur Barrio, exposto às ruas, não se pode prever para qual
lado irá a reação, interpretação e aceitação do público.
Quanto à polêmica dos materiais escolhidos pelo artista, como demonstrado acima, esta
escolha estava diretamente relacionado não só com um posicionamento político
antiinstitucional, mas como também ao posicionamento político diante da brutalidade do
governo ditatorial brasileiro, portanto essa seria umas das razões pelas quais suas “trouxas”
representariam corpos esquartejados na maioria das interpretações do público. O fazer do
artista, o material orgânico utilizado, a disposição das trouxas sujas, realmente sugeriam esse
tipo de interpretação.
O que importa notar e que será amplamente investigado nos próximos capítulos é a
inusitada relação que começou a se estabelecer entre o artista conceitual e o espaço escolhido
para a execução de sua ação, processo, interferência, performance, etc..
Tratando-se ainda da obra de Artur Barrio essa relação inusitada entre o artista e o
espaço de adequação de sua produção, fica bem clara, à medida que o artista realiza suas
“situações” em ruas (via pública), ou seja, num lugar (espaço físico) bem distante dos
hegemônicos: museus e galerias.
Além disso, era uma condição para a própria existência do trabalho que estes fossem
realizados nas ruas, do contrário o artista não conseguiria extrair do público reações tão
diversas, através da experimentação espontânea.
Pois quando a arte encontra-se dentro dos museus e galerias, por mais que o público
tenha um embate em forma de estranhamento com o que é visto as paredes institucionais, os
críticos e curadores, já legitimam de antemão o que é arte, indiscutivelmente.
No geral, Artur Barrio, vai elaborar trabalhos com essa característica de ambientá-los
em locais não-convencionais. Esse posicionamento será verificado (naturalmente em um
contexto sócio-político bem diferente) como umas das principais estratégias alternativas de
64
visibilidade por parte dos artistas das gerações futuras, dentro de um campo artístico tão
saturado.
Com o exemplo desses dois artistas (Artur Barrio e Cildo Meireles) com linguagens tão
distintas e tão poderosas dentro do cenário sociopolítico brasileiro da década de 70,
demonstrou-se a potencialidade criativa através de alguns pressupostos da Arte Conceitual
aplicados a essas individualidades e ao seu contexto.
E, talvez, o mais importante, em como essa arte (original de países estrangeiros),
conseguiu, por meio do hibridismo natural do artista latino-americano se desenvolver de
maneira tão singular e tão rica, antecipando questões como: a escolha de espaços incomuns
para a apresentação da arte, a apropriação de objetos com a finalidade de construir uma
mensagem política (como visto no caso de Cildo Meireles) e a tradição de um discurso
engajado socialmente.
São essas características, sobretudo a do discurso engajado e a prioridade ao contexto
social (refletindo vida e arte), que já se enunciavam na arte conceitual internacional e “suigeneris”
na nacional e que serão analisadas a seguir no coletivo contemporâneo Imaginário
Periférico.
65
3. Imaginário periférico: um coletivo contemporâneo (2002-2006)
A Arte Conceitual foi introduzida no Brasil no final da década de 60, sob forte
influência de um discurso sociopolítico engajado. Refletiu as dificuldades de todas as ordens
impostas pela ditadura, conforme ficou representada anteriormente através da obra de Cildo
Meireles e de Artur Barrio.
O desenvolvimento peculiar da Arte Conceitual se desdobrou em uma tendência
mundial, podendo-se mesmo afirmar que foi o primeiro movimento artístico com
características globalizantes e que posteriormente imprimiu um traço com forte influência em
muitos trabalhos realizados pelos artistas contemporâneos.
Não só apenas no que diz respeito à questão das linguagens que se desenvolveram no
período, e que continuaram sendo amplamente utilizadas e pesquisadas pelos artistas
contemporâneos, mas também em muitos casos verificou-se a presença do discurso capaz de
concatenar arte x vida.
Em outras palavras, uma determinada parte da Arte Contemporânea atual é capaz de
dialogar com as políticas vigentes e com os aspectos sociais diversos, levando em
consideração naturalmente, as diferenças do contexto histórico e se constituindo desta forma
numa ação que permite seu estudo de caso.
Assim, enquadra-se como objeto de pesquisa o coletivo de Arte Contemporânea:
Imaginário Periférico.
Batizado de “Imaginário Periférico” o coletivo de artistas surgido oficialmente no ano
de 2002, é representado originalmente por seis artistas, a maioria deles se conheceram na
Escola de Belas Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro, são eles: Julio Sekiguchi,
Raimundo Rodrigues, Deneir de Souza, Roberto Tavares, Jorge Duarte e Ronald Duarte, onde
o fator comum é o vínculo direto ou indireto com as áreas de periferia do Rio de Janeiro
como: Fragoso, Pau Grande, Nova Iguaçu, Piabetá e Friburgo, entre outras.
Dentre as pesquisas do grupo pode-se encontrar o surgimento de algumas técnicas para
o uso específico de material reciclável. Boa parte desse material é encontrado em sucata ou
em objetos do cotidiano, que são materiais recolhidos nessas áreas da periferia, tornando
visível alguns elementos da vida cotidiana nessas regiões e de onde serão retirados os
elementos tipológicos para a conversão de poéticas que dialogam, sobretudo com a questão da
precariedade e da adversidade.
66
O coletivo Imaginário Periférico segue algumas aberturas no que concerne à junção de
várias linguagens artísticas em um organismo híbrido, obedecendo às tendências
contemporâneas relativas ao estado de pluralismo presente no campo cultural.
Entretanto, cabe fazer um retrospecto até a década de 90 onde será possível
compreender todo o processo anterior à formação oficial do grupo quando os seis artistas
citados realizaram uma série de tentativas de mostrar o “caldeirão cultural” que já era notável
nas áreas de periferia do Rio de Janeiro. Portanto, parte dos artistas que originaram o coletivo
reuniu-se dez anos antes da formação oficial do grupo, em 1992, fomentando o que seria a
“pré-história” do Imaginário Periférico.
Com a direção de Raimundo Rodrigues da Casa de Cultura de Nova Iguaçu houve o
primeiro convite aos demais artistas para a realização de uma exposição de arte
contemporânea. A Casa de Cultura possuía um perfil voltado para a iniciativa privada, e
dependia do apoio de alguns produtores culturais. Através dessa exposição obteve uma
divulgação na mídia local, (Jornal O Globo – Baixada) os artistas foram então convidados a
fazer uma matéria sobre o evento onde foi realizada também uma foto que se tornaria
emblemática. Nela os integrantes da exposição coletiva aparecem deitados na linha do trem,
como pode ser vista na figura abaixo40.
15. Matéria de Periódico. Fotografia.
40 Fotografia da matéria publicada pelo periódico “O Globo – Baixada” do dia 12 de Julho de 1992.
67
A importância desse momento e, sobretudo dessa imagem dos artistas fotografados
como representantes legítimos da periferia, se justifica na própria opinião dos artistas por
caracterizar a primeira exposição de Arte Contemporânea em Nova Iguaçu, e também porque
já seria um embrião do que viria ser o Imaginário Periférico e das suas relações metafóricas
com a malha ferroviária.
Com a criação por Raimundo Rodrigues, ainda na Casa de Cultura de Nova Iguaçu, da
Galeria de Arte Contemporânea Walmir Ayala, (que foi uma homenagem póstuma ao
importante crítico de arte e grande apoiador das questões relativas à Baixada Fluminense),
outras exposições foram organizadas com as mesmas finalidades.
O que representa afirmar que o espaço se tornou um ponto de encontro dos artistas que
possuíam uma ligação direta com as áreas de periferia e, além disso, tinham interesse em
desenvolver em conjunto suas pesquisas em Arte Contemporânea.
A partir desse contato iniciado na década de 90, os artistas formadores do grupo jamais
deixaram de se encontrar, embora cada um tivesse se empenhado, nesse ínterim, em suas
carreiras individualmente.
Dentre outros projetos que se concretizaram antes do Imaginário Periférico e que cabe
ser mencionados estão os projetos “Murais Urbanos” e “Arte na Linha”.
Esses projetos foram na verdade “identidades visuais” criadas por Raimundo Rodrigues
e Júlio Sekiguchi com o objetivo de auxiliar os jovens capacitando-os em pintura artística.
Teve de início o apoio da Coordenadoria da Juventude do Rio de Janeiro (do Município
do Rio) até que os artistas perceberam que os jovens não estavam interessados em
profissionalização e migraram para as questões sociais onde localizaram uma urgência maior.
Com esta finalidade desenvolveram parcerias com os artistas das comunidades e
grafiteiros, atuaram também em Cieps de forma a associar essas linguagens a um tipo de
intervenção urbana.
Através das intensas atividades com os alunos de Cieps, foi publicada uma matéria no
jornal “O Globo - Planeta Globo”, comentando o bem-sucedido projeto (de Raimundo
Rodrigues e Júlio Sekiguchi) de atuar em parceria com os grafiteiros e os alunos da escola
Martin Luther King, situada na Praça da Bandeira, escola que era constantemente pichada e
que conseguiu superar o vandalismo concatenando pichação com arte, como ilustra a foto a
seguir.41
41 Fotografia de matéria publicada em 19 de Abril de 1998 pelo Jornal “O Globo – Planeta Globo”.
68
16. Matéria de Periódico. Fotografia.
No ano seguinte e ainda como resultado dos trabalhos nas escolas os dois artistas
lançaram um livro na Bienal do livro de 1999, descrevendo as etapas do projeto, que foi
finalista do 1° Prêmio Cultura Nota 10, financiado pelo governo do Estado.
Desta maneira, a SuperVia tomou conhecimento do projeto dos artistas Raimundo e
Júlio, que combatiam de maneira eficaz o problema com o vandalismo e com as pichações em
espaços públicos.
Solicitados para ajudar a SuperVia, que tinha acabado de assumir a malha ferroviária e
não conseguia inaugurar suas estações de trem, criou-se então o projeto “Arte na Linha”, em
outras palavras o projeto nasceu da necessidade da empresa em inaugurar as estações que
estavam sendo constantemente pichadas, e que foi desenvolvido plenamente após uma
pesquisa de campo dos artistas juntamente com Ivone Malta que pertencia à comunicação da
instituição.
Com a integração entre os artistas e as comunidades, o Projeto teve dois anos de
duração e inaugurou dezoito estações de trem que deixaram de ser pichadas, pois os extensos
muros foram ocupados com pinturas coletivas realizadas pelos artistas e entregues à
comunidade.
69
Perpassando esses projetos, já se pode notar um claro diálogo entre arte x social,
interação esta que veio a ser plenamente desenvolvida com a fundação do Imaginário
Periférico.
Portanto, nesse sentido específico tais projetos podem ser entendidos como uma noção
de onde alguns artistas que vieram a formar o coletivo puderam desenvolver amplamente o
seu olhar através da observação das comunidades, percorrendo estação por estação.
17 - Fotografia de um dos trabalhos realizados para a SuperVia e conhecido como projeto
“Arte na Linha”
18 - Idem.
Da mesma forma o projeto “Murais Urbanos” também foi criado para atender às
empresas que tivessem algum tipo de problema passível de ser resolvido pela arte. Por outro
lado, sob um determinado aspecto, pode-se dizer que esses projetos em paralelo já
anunciavam o que viria a ser o grupo Imaginário Periférico, tanto em sua formação quanto em
70
sua atuação, voltada para as temáticas sociais e o constante diálogo interligando a linha do
trem com as áreas de periferia.
O ponto de discordância entre esses projetos e o Imaginário Periférico é que o coletivo
acabou se constituindo em um extenso grupo de artistas livres que não visavam atender
instituições, enquanto que os projetos “Murais Urbanos” e “Arte na Linha” foram “marcas”
criadas para atender uma demanda específica de mercado.
Pouco tempo depois, através de alguns encontros corriqueiros entre os artistas: Júlio
Sekiguchi, Raimundo Rodrigues, Deneir de Souza, Roberto Tavares, Jorge Duarte e Ronald
Duarte, que viriam a ocorrer para além do espaço da Galeria Walmir Ayala, como por
exemplo, no Centro Cultural Banco do Brasil, (CCBB) ou no ateliê de alguns deles, foi
desenvolvido um projeto de exposição coletiva que seria em princípio enviado
especificamente para um edital oferecido pela Petrobrás em artes visuais.
No entanto, a Petrobrás recusou esse projeto de exposição assinado pelos artistas, e
como o projeto estivesse pronto e bem elaborado, por iniciativa do artista Roberto Tavares, os
demais artistas concordaram em enviar a mesma proposta para o Serviço social do Comércio,
(SESC) que contemplou a idéia e assim se tornou a primeira instituição a apoiar o então
formado “Imaginário Periférico”.
Desta forma, o Imaginário Periférico iniciou em 2002 uma série de exposições
itinerantes que percorreram diversos SESC localizados nas áreas de periferia, atendendo ao
que já era um discurso concreto do coletivo sobre as relações entre centro x periferia e a
necessidade de mostrar a produção da periferia e para a própria periferia.
Nas palavras do artista Roberto Tavares o contato com o SESC foi feito da seguinte
maneira:
...isso resultou numa idéia minha de que nós poderíamos apresentar esse projeto ao
SESC através da gerência de cultura e pelo conhecimento que a coordenadora de artes
plásticas Stela Costa, tinha do grupo, tinha dos artistas do grupo. Uma vez que ela também
estudou na Escola de Belas Artes, ela tinha todo conhecimento sobre os artistas que estavam
compondo esse grupo, e eu também tinha uma grande experiência em fazer projetos junto
com o SESC.42
Logo na sua primeira exposição o coletivo já estava apresentando também as suas
características multidisciplinares.
42 Roberto Tavares em depoimento gravado à autora. Rio de Janeiro. 31 de outubro de 2007. Em anexo.
71
Este fato pode ser reforçado, segundo relatos dos diversos artistas participantes da
inauguração da primeira exposição do Imaginário Periférico no SESC, em Nova Iguaçu, onde
o grupo recém-formado também convidou o grupo de instrumentistas performáticos HAPAX
para fazer uma intervenção, na qual o público era convidado a interagir diretamente,
conferindo características que fugiam aos moldes tradicionais de exposições.
A série de exposições itinerantes percorreu os seguintes SESC de: Nova Iguaçu, São
João de Meriti, Madureira, Nova Friburgo, entre outros, com a característica importante de
que a partir da exposição em Nova Friburgo o coletivo começou a convidar artistas da própria
localidade para integrar o grupo.
Assim, artistas da região de Nova Friburgo participaram da exposição, além da presença
de dois outros artistas que já haviam se incorporado ao grupo e se mostravam muito influentes
e atuantes no coletivo: Orlando Brasil e Jarbas Lopes.
Posteriormente, o fato de convidar diversos artistas, além dos seis originários, se tornou
fato comum no processo de aglomeração de artistas é uma das características pela qual o
grupo é atualmente conhecido, já tendo sido catalogados mais de quatrocentos artistas que em
algum momento participaram de uma das diversas atividades do grupo.
Seguindo a cronologia proposta pelo tópico fica então resumida da seguinte maneira a
trajetória das principais exposições, eventos e intervenções do Imaginário Periférico, desde
2002 até 2006 e que serão discutidas tanto pelo viés iconográfico (produção) quanto pelo
discursivo (idéia) do grupo:
• Exposição “Imaginário Periférico”, Sesc Nova Iguaçu. Maio 2002.
• Exposição “Imaginário Periférico”, Sesc São João de Meriti. Junho 2002.
• Exposição “Imaginário Periférico”, Sesc Madureira. Setembro 2002.
• Exposição “Imaginário Periférico”, Sesc Nova Friburgo. Novembro 2002.
• Exposição “Imaginário Periférico”, Central do Brasil. Praça Christiano Ottoni,
SuperVia. Setembro de 2003.
• Exposição “Arte Contemporânea em Pau Grande”, Grupo Imaginário Periférico,
Praça de Pau Grande – Magé, Rio de Janeiro. Agosto 2003.
• Exposição “Imaginário Periférico”, Grupo Imaginário Periférico, Galpão do Gil
Espaço Efêmero de Arte Contemporânea, Prefeitura da Cidade de Nova Iguaçu e
72
Associação de Moradores do Bairro Três Corações, Rio de Janeiro. Janeiro
2003.
• Exposição “Primeiro Ato”, Grupo Imaginário Periférico, Galeria de Arte Semcel,
Prefeitura São João de Meriti. Secretaria de Educação, Cultura e Esporte.
Departamento de Artes Visuais, Rio de Janeiro. Outubro 2003.
• Exposição “Salve São Bernardino”, Grupo Imaginário Periférico, Prefeitura da
Cidade de Nova Iguaçu. Secretaria de Cultura e Turismo, Rio de Janeiro. Junho
2003.
• Exposição 6º Aniversário da Galeria do Poste, Grupo Imaginário Periférico,
Secretaria Municipal de Cultura Fundação de Arte de Niterói, Rio de Janeiro.
Janeiro 2004.
• Exposição “Periférico apresenta Periférico”, Grupo Imaginário Periférico,
Instituto Maria Teresa Vieira, Rio de Janeiro. Janeiro 2004.
• Exposição “Imaginário Periférico saúda São Gonçalo”, Grupo Imaginário
Periférico, Prefeitura de São Gonçalo e Semeceltur, Rio de Janeiro. Junho 2005.
• Imaginaire Périphérique, Visages Autoportrait Périphérique Brassage dans L
´art, Paris. 2005.
• Exposição no Museu Bispo do Rosário, Jacarepaguá. 2005.
• Exposição “Rede de Trocas e Pechinchas”, Cinelândia, “Obra 1 Real”, 2005.
• Coletivos “Ocupação do Casarão da Unei”. 2006.
• Exposição “Show de Bola”. São Gonçalo. Junho 2006.
• Exposição “O saco é o limite”, Galeria da Usina Cultural (CENF), Friburgo.
2006.
• Exposição na Galeria 90, Gávea, 2006.
• Exposição “Migrações – Imaginário Periférico”. Sesc Petrópolis. Agosto 2006.
• Exposição “Migrações – Imaginário Periférico”. Sesc Niterói. Novembro 2006.
A partir da coleta de folders e alguns poucos catálogos das exposições que foram
citados acima, além de uma gama numerosa de artigos publicados em periódicos, o coletivo
73
ao longo dos anos foi conquistando espaço e visibilidade no campo cultural já tão saturado,
privilegiando um discurso de inclusão cultural e social.
Através desta listagem também fica claro o movimento ascendente do Imaginário
Periférico que partiu de modestas exposições agendadas pelo Sesc, até projetos grandiosos.
Essas ações ficam exemplificadas com a intervenção, por exemplo, na Central do
Brasil, o convite para participar de uma coletiva na Galeria 90, na Gávea, até mesmo a
participação no ano do Brasil na França em 2005.
Neste evento os artistas do Imaginário Periférico realizaram uma ação conceitual
durante a “Nuit Blanche” que levou o rosto dos artistas do grupo em forma de máscaras que
foram trocadas com os artistas de um coletivo francês simpáticos às idéias do Imaginário
Periférico.
O coletivo consegue demonstrar que o discurso da “periferia” encontra espaço não só
no Brasil como também em outros países. Também fica claro com o número de ações
executadas pelo coletivo ao longo dos seus cinco anos de existência que o Imaginário
Periférico, embora adote um formato não-institucionalizado, consegue através de seus
contatos com diversos órgãos como: instituições públicas e privadas o apoio mínimo e
necessário para a plena execução de seus projetos.
Além das inúmeras intervenções e exposições é importante frisar o conteúdo de
pequenos textos publicados nesses mesmos catálogos e folders que compõe um pequeno, mas
não menos importante acervo documental refletindo a maneira como o grupo se organiza, se
manifesta, se expressa e age no circuito de arte e também em situações aparentemente fora
dele.
Com base nisso, aqui se apresenta uma pequena mostra das matérias conquistadas pelo
grupo. Quase todas as matérias publicadas em periódicos pertencem aos municípios da
Baixada Fluminense, e também algumas matérias foram extraídas de revistas especializadas
em artes plásticas e que mostram a importância de atuar em determinadas localidades, abrindo
espaço para um tipo de manifestação improvável, ou mesmo que beiram o inviável nas áreas
de periferia do Rio de Janeiro. Um exemplo da divulgação conquistada pelo grupo está
presente na Revista Global.
Nesta revista é possível encontrar uma versão publicada do Manifesto “Fome Zero
Cultural”, que até então havia sido distribuído informalmente por meio de panfletos durante
as intervenções do grupo, e que constitui o principal documento assinado pelo coletivo, onde
reivindicações em relação às políticas culturais se tornam explícitas denotando o caráter
político do coletivo e desenvolvendo e consolidando sua identidade.
74
Esse manifesto será analisado de maneira mais aprofundada nos próximos tópicos,
assim como toda a transição física e discursiva do coletivo também serão aprofundados.
Segue abaixo parte do material publicado em periódicos sobre o coletivo e representado
por algumas imagens das fontes de pesquisa que encontram-se listadas nas referências da
pesquisa :
19. Matéria de Rosana Rodrigues, “A Arte pede passagem em Magé”, Jornal O Globo – Baixada,
Rio de Janeiro, 8 fev. 2004.
20. Matéria: “Viagem ao Imaginário com sucata de trem”, Jornal O Dia , Rio de Janeiro, 21 set.
2003.
75
21. Matéria: “Exposição discute a expamsão da arte”, Jornal O Globo – Baixada, Rio de Janeiro. 12
de maio de 2002.
Este material (que se encontra nas referências) denota a importância do crescimento do
coletivo juntamente com o crescimento da visibilidade alcançada através da divulgação feita
por veículos como os periódicos, por exemplo.
Os embates, principais questões e propostas serão expostos de acordo com as
entrevistas e com o material catalogado e apresentado, além da análise de sua produção
imagética e discursiva.
Nos próximos tópicos será apresentada também a análise aprofundada do objeto da
pesquisa com a finalidade de atritar algumas questões que foram estrategicamente
selecionadas no segundo capítulo, com questões contemporâneas às quais o Imaginário
Periférico representa.
76
3.1 A transição discursiva: propostas, impasses, questões
Conforme exposto anteriormente o Imaginário Periférico se estabelece como um
coletivo de artistas a partir do ano de 2002. Em suas primeiras ações e exposições pode-se
notar um deslocamento físico que vai ocupar exclusivamente as áreas de periferia do Rio de
Janeiro.
Este fato se comprova com a simples análise geográfica das primeiras exposições do
grupo e que podem ser resumidas da seguinte forma:
A primeira exposição acontece no Sesc de Nova Iguaçu, depois em São João de Meriti,
Madureira, Nova Friburgo até o coletivo organizar uma intervenção (no ano de 2003) de
grandes proporções e que marcou o grupo por “descentralizar” as noções de centro x periferia.
Essa importante intervenção ocorreu na Central do Brasil e em outras palavras,
representa simbolicamente a retirada do Imaginário Periférico da posição “periférica” para a
posição de “centro”, ou mesmo de um centro que emana cultura feita na periferia ou a partir
da idéia de periferia.
Com a finalidade de esclarecer as propostas do coletivo cabe primeiramente fazer uma
breve definição da idéia de periferia. Que periferia é esta que o Imaginário Periférico toma
como exemplo ideológico e territorial?
No seu primeiro ano de existência do coletivo, as ações se concentraram de fato numa
zona classificada como “periférica”. Um dos motivos que justificam o olhar desses artistas
para esta especificidade está ligado ao seguinte fator: os seis artistas criadores do grupo -
Julio Sekiguchi, Raimundo Rodrigues, Deneir de Souza, Roberto Tavares, Jorge Duarte e
Ronald Duarte possuíam e alguns ainda possuem um vínculo direto com áreas da Baixada
Fluminense. Por exemplo, ou moravam, ou tinham ateliês, fazendo com que cada um deles
tivesse uma vivência, e aqui entende-se por vivência uma experiência cotidiana, que
propiciou a identificação da precariedade local e a conversão da mesma em poéticas.
Destes fatores emerge a construção de um possível “imaginário” que mais se
assemelharia a uma espécie de inventário metafórico da adversidade.
É necessário definir geograficamente que periferia é essa que está sendo abordada pelo
grupo, podendo-se concluir então, que essa refere-se às áreas que se encontram fisicamente
distantes do centro do Rio de Janeiro, geralmente conectadas pela malha ferroviária ou por
linhas de transporte coletivo intermunicipais.
Deste fato localiza-se a importância do diálogo metafórico e por vezes literal do
Imaginário Periférico com a linha do trem, como demonstrado.
77
Em outras palavras, a periferia de origem será aquela área onde a distância do centro e
da zona sul do Rio de Janeiro dificulta o acesso da população à eventos culturais, por
exemplo. Essa será uma das percepções dentro do quadro das precariedades apontadas pelo
discurso dos artistas do grupo.
No entanto é importantíssimo ainda considerar dentro desse quadro geral que o Brasil é
um país periférico em relação ao mapa geopolítico global.
Portanto, o Estado do Rio de Janeiro por completo é um local de periferia, independente
de possuir um centro urbanizado e áreas que ainda preservem certas características rurais ou
não tão urbanizadas, como esses municípios que compreendem a Baixada Fluminense, a
Região dos lagos e a Região serrana.
Pelo viés ideológico e analisando a necessidade de ampliar o circuito da arte, que por
tradição não costuma incluir em sua pauta as áreas mais afastadas do centro, ou “periféricas”,
esses artistas buscam, nesse primeiro momento, chamar atenção das autoridades locais para a
quase total inexistência de eventos culturais. Daí a importância de se estabelecer parcerias
com as Secretarias de Cultura e outras instituições públicas e privadas.
Em seu discurso procuram repensar constantemente a política cultural vigente, além da
integração imediata entre público e artista, eliminando qualquer hierarquia, permitindo a
participação de todos de forma aberta e libertária, revivendo algumas utopias da década de 70.
De onde se pode fazer uma ligação com algumas práticas ideológicas encontradas nos artistas
conceituais.
Este fato fica claro com a idéia que circula no grupo de que “qualquer um pode ser um
artista desde que se considere como tal”. Esta é uma das idéias que remetem tanto à Marcel
Duchamp e aos Dadaístas, quanto aos artistas conceituais “neodadás” como os artistas do
Fluxus, por exemplo, sendo possível verificar uma semelhança (respeitando os devidos
contextos históricos) entre o discurso da vanguarda histórica do início do século XX, dos
artistas conceituais e o do coletivo.
Um posicionamento “antiinstitucional” foi amplamente revisto e desenvolvido em
meados da década de 60 e representado por grupos como o Fluxus, justificando sua
apresentação na dissertação, e localizando o momento em que o Imaginário Periférico
também se posiciona politicamente em relação às instituições de arte, muito embora fique
claro no discurso do grupo, tanto nos textos publicados (manifestos textos de catálogos),
quanto nas entrevistas coletadas, que diferentemente do Fluxus, o Imaginário Periférico não
se insere em nenhuma pesquisa estética, sendo de seu interesse as mudanças nas políticas
culturais, a integração das comunidades com o grupo, e o alargamento do circuito de arte que
78
costuma excluir as áreas de periferia, utilizando para isso a “Arte como idéia”, ou a “Arte
como discurso”.
Contudo, tem-se ainda mais diretamente uma “herança” dos próprios artistas conceituais
da década de 60 e 70, atuantes no Brasil no tenso período da ditadura (como foi visto com o
exemplo das obras de Cildo Meireles e de Arthur Barrio), e que produziram uma arte
extremamente consciente e engajada.
Fato que coincide e influencia à própria geração dos artistas que compõe o Imaginário
Periférico, quase todos nascidos no final da década de 50 e início da década de 60,
vivenciaram também as experiências de um Brasil tolhido por um governo ditatorial.
Para melhor compreender-se o discurso do Imaginário Periférico cabe citar alguns trechos do
Manifesto “Visão Periférica” distribuído pelo grupo que já se definia como um grupo de
pesquisa artística inserida no contexto sócio-cultural contemporâneo, e que reforçam os
parágrafos acima:
O Imaginário Periférico, dentre outras propostas, coloca em questão o “Meio da Arte
no Rio”. Qual a importância de pertencer e estar no “meio” da população artística e,
por conseqüência, se existe geograficamente um local propício para que esta
produção artística aconteça de forma efetiva.43
Com base nesse questionamento o coletivo objetivava aparentemente mostrar que a
Arte Contemporânea brota não só dos grandes centros urbanos, como também das periferias,
sobretudo daquelas que agregam ainda algumas características rurais, como é o caso da
Baixada Fluminense.
A grande questão seria então a busca por visibilidade para que este “caldeirão
cultural” se desenvolvesse e pudesse ser mostrado dignamente tanto nas áreas de periferia
quanto nas áreas de centro.
E conclui com a afirmação de que a proposta do grupo está muito mais ligada à
intenção de reunir diversidades do que de criar nichos com especificidades culturais
segregantes, com o objetivo final de ampliar o circuito de arte contemporânea carioca.
A proposta do Imaginário Periférico não é fazer uma produção regionalista ou outro
perfil específico. O grupo busca com ações efetivas ampliar ainda mais o
sincretismo cultural, aterrando as trincheiras do preconceito, enquanto vai
ampliando o circuito de arte contemporânea.44
43 Trecho retirado do manifesto assinado e distribuído pelo coletivo em forma de panfletos denominado
“Manifesto – Fome Zero Cultural – Visão Periférica”.
44 Idem.
79
Logo as ações e exposições do Imaginário Periférico passam a ocupar não só os espaços
periféricos, como também os espaços centrais e da zona sul do Rio de Janeiro de forma
estratégica.
De outra forma é possível dizer que inicialmente o grupo partira dessas localidades
específicas até expandir-se por toda a área do Rio de Janeiro e ganhar a consciência de que
periferia é qualquer lugar onde se esteja.
O conceito ou a transição discursiva, portanto, variará de acordo com o referencial.
A pretensão do coletivo será nesse segundo momento, a de descentralizar as noções de
centro x periferia, ou seja, posteriormente o que vai se formalizar é a fantasia hierarquizada
através do percurso até o “objeto”, até a “periferia”.
Com isso a trajetória do Imaginário Periférico será marcada por duas fases evidentes e
distintas:
1) A primeira refere-se às ações que foram planejadas e executadas
exclusivamente nas áreas da periferia, ou seja, concentradas na Baixada
Fluminense, Friburgo, etc., e que foram acolhidas pelo Sesc.
2) A segunda irá se iniciar com o emblemático evento de grandes proporções
(comparando-se com as ações passadas) que o coletivo executou na Central do
Brasil, no ano de 2003, e que de forma contundente marcou, como uma
locomotiva que percorre estação por estação, a saída do Imaginário Periférico
da periferia para as outras áreas do Rio de Janeiro. Este movimento continua
acontecendo até os dias de hoje.
Quando o coletivo começa a questionar a importância do “meio” da arte, o que se
percebe na verdade é um questionamento em relação ao mundo da arte45 estabelecido.
Muito mais que um mero questionamento geográfico ou mesmo territorial, esta parte do
discurso denota um questionamento em relação às políticas culturais, às instituições
detentoras do poder simbólico. Porém, tal questionamento se desenvolve de maneira
ambivalente, pois ora, tratar-se apenas de uma série de reivindicações político-sociais (quando
o que está em pauta é a localidade da periferia e o público da periferia), ora uma série de
reivindicações feitas pela classe de artistas que possuem ligações ou que são oriundos desta
mesma periferia.
É esta precisamente a relação entre arte x vida que sugeriram alguns artistas conceituais.
45 A definição do conceito de “mundo da arte” é encontrada no livro de Howard Becker: Art Worlds, Berkeley,
University of California, 1982.
80
Este “impasse”, ou mesmo esta qualidade dicotômica de concatenar arte x social e de
utilizar a arte como ferramenta de transformação é que fica mais claramente representada com
o trecho do manifesto “Fome Zero Cultural” transcrito abaixo:
O Fome Zero Cultural vai mostrar arte. O Fome Zero Cultural quer a engenharia, a
arquitetura, a medicina, as telecomunicações, a televisão, a informática, e a
telemática, para os 100 milhões de famintos culturais.
Cabeça vazia não enche barriga.46
É óbvio que o coletivo, de maneira irônica, faz uma alusão ao Plano “Fome Zero”
implementado pelo Governo Federal no comando do presidente Luís Inácio Lula da Silva.
A crítica utilizada pelos artistas do Imaginário Periférico é a de que o governo deveria
rever não só a questão da “fome” no país, através de um plano que absolutamente não resolve
a questão, apenas a ameniza em doses homeopáticas, como também deveria rever a questão
cultural no país.
Utilizando-se do meio da arte, o coletivo envia a mensagem de que o povo não necessita
só de comida como também de cultura e lazer com qualidade para um desenvolvimento digno.
Esta dicotomia poderia muito bem passar de “Arte como Idéia” estabelecida na Arte
Conceitual para “Arte como discurso (político)” adaptada pelo coletivo de Arte
Contemporânea.
É possível localizar, portanto, no manifesto do grupo as reivindicações dos artistas que
carecem de apoio das instituições públicas e privadas e as reivindicações em relação às
políticas culturais vigentes que também precisam ser revistas com urgência.
Algumas reivindicações do grupo ficam explícitas nesse mesmo Manifesto através das
seguintes frases inflamadas:
Redistribuição urgente do capital intelectual nacional!
Pela criação de canais de circulação da produção cultural marginalizada!
Pelo fim da exclusão digital!
Pela obrigatoriedade do ensino de Artes Visuais, Música, dança, Teatro e
Televisão no Ensino Fundamental!!!47
O que em princípio poderia parecer apenas uma atitude lúdica com o objetivo de
ironizar o governo e a vergonhosa política cultural brasileira faz na verdade com que o
Imaginário Periférico se caracterize sim, por ser um coletivo de artistas de cunho senão
político, politizado e consciente do poder de transformação que a arte (ainda) pode ter.
46 Trecho retirado do Manifesto “Fome Zero Cultural”, publicado pela revista Global número 2,
maio/junho/julho. 2004. p.45.
47 Idem.
81
Sobre o impacto do Manifesto “Fome Zero Cultural” declara o artista plástico e também
fundador do Imaginário Periférico, Jorge Duarte deixando claras as intenções do coletivo:
“Então o que a gente quer? A gente quer que se distribua melhor, que se distribua por
aí, galerias, vamos abrir, bibliotecas, cinematecas, criar acesso. Daí que a gente fez até
aquele Manifesto da “Fome Zero Cultural”, que é uma ironia em cima do “Fome Zero” do
Lula, porque a gente acha que se você também supri essa fome cultural, essa necessidade que
as pessoas têm de mais cultura, a sociedade inteira aprende a se virar melhor”.48
Essas questões envolvendo modificações nas políticas culturais, na realidade refletem a
necessidade e dificuldade do artista contemporâneo em obter maior autonomia perante o
campo cultural saturado e repleto de disputas pelo “capital simbólico.”49
A análise mais aprofundada de tais reivindicações será vista à luz de uma abordagem
sociológica nos próximos tópicos.
A partir da experiência do Imaginário Periférico e da sua atuação no espaço das galerias
do Sesc e do espaço público como o da Central do Brasil, por exemplo, o coletivo passa a se
articular para realizar suas intervenções tanto no espaço público, quanto no espaço privado.
Ao longo dos anos, o Imaginário Periférico ampliou seu foco de atuação para toda
cidade, tendo realizado ações temáticas em Três Corações (em Nova Iguaçu), Central do
Brasil, na Praça da Cinelândia “Feira de Trocas e Pechinchas”, na Galeria 90 “O saco é o
Limite” (na Gávea), na Praia das Pedrinhas em São Gonçalo, e até mesmo fora do Brasil
como foi o caso da participação do coletivo na “Nuit Blanche” em 2005, com a proposta
performática “Imaginaire Périphérique, Visages Autoportrait Périphérique Brassage dans L
´art”, onde o grupo fez um intercâmbio entre os artistas periféricos do Brasil com um coletivo
da França.
A primeira intervenção do Imaginário Periférico citada acima possui a importância de
apresentar uma exposição coletiva em Três Corações, que é um local ainda mais remoto que o
centro de Nova Iguaçu.
Esse tipo de exposição foi possível a partir da parceria dos artistas com a Prefeitura de
Nova Iguaçu e com a Associação de Moradores do Bairro de Três Corações que foi executada
no Galpão do Gil – Espaço Efêmero de Arte Contemporânea e teve como característica
ideológica oferecer ao público de Três Corações um espaço para que esta comunidade
pudesse ter acesso à Arte Contemporânea, fato inédito na região.
48 Jorge Duarte em depoimento gravado à autora. Rio de Janeiro. 17 de Outubro de 2007. Em anexo.
49 “Capital simbólico” termo, ou conceito utilizado pelo sociólogo francês Pierre Bourdieu e que reconduz o
estudo da simbolização às bases sociais através de noções retiradas da economia.
82
Esse tipo de percepção ou discurso nasce a partir da vivência de alguns artistas nessas
localidades específicas como foi dito anteriormente, ou seja, localizam a ausência de eventos
culturais nessas áreas e tem então como finalidade contribuir organizando tais eventos.
A seguir algumas imagens extraídas da organização da exposição no Galpão do Gil, que
mobilizou um verdadeiro mutirão de artistas e da comunidade para preparar o espaço que
seria utilizado pelo coletivo; um galpão e parte de um terreno baldio, lembrando um tipo se
assentamento de “sem-terras”.
22. Exposição realizada no “Galpão do Gil – Espaço Efêmero de Arte Contemporânea”.
Nova Iguaçu, Três Corações, 2003.
Já a apresentação do coletivo no meio da Cinelândia no centro do Rio de Janeiro,
denominada “Feira de Trocas e Pechinchas” foi realizada a partir da organização e produção
do artista Jorge Duarte e do seu contato com o também artista participante do Imaginário
Periférico diretor do Centro de Artes Visuais, Chico Chavez com a Funarte.
83
Teve como tema um peculiar tipo de troca, nas palavras do artista Jorge Duarte: cada
artista deveria levar uma quantidade bem grande de um múltiplo qualquer que ele poderia
vender a R$ 1, um preço simbólico, evidente, e trocar com os amigos50.
Esse evento reuniu um número espetacular de artistas que realizaram suas trocas e
fizeram uma caminhada até a sede da Funarte, numa espécie de “passeata de artistas”.
Mais uma vez pode-se notar um aspecto politizado no grupo que de maneira lúdica
coloca em pauta questões como: Quanto vale uma obra de arte? Quem detém o poder de
avaliá-la? Quem são os colecionadores de arte atualmente? Através do discurso embutido em
diversos trabalhos que foram apresentados durante a “Feira de Trocas”.
Estes exemplos de intervenções mostram o amadurecimento do caráter do grupo e sua
conquista de visibilidade, o que gerou parcerias não só com as instituições privadas como
também com as prefeituras dos municípios onde o grupo se apresentou.
Desta forma, o Imaginário Periférico passou a ser um ponto de emanação cultural
organizado por esses artistas e conquistando visibilidade na mídia e atraindo cada vez mais
outros artistas participantes, seja pelo viés ideológico ou pela oportunidade de se lançar
indiretamente no mercado.
Logo, as noções espaciais de centro x periferia começaram a se transmutar de acordo
com a localidade em que o Imaginário se estabelecia e se apropriava, criando desta forma
sucessivas periferias, com a intenção de disseminar e também de unificar, ao menos durante a
intervenção, o público e os artistas.
Tratando-se de disseminações, é possível ainda afirmar que existe uma preocupação por
parte de alguns artistas que compõe o grupo, em educar o público para melhor receber as
informações visuais e de valor simbólico oferecidas pela Arte Contemporânea, além de
colocar em pauta questões importantes como o cuidado com o meio ambiente, por exemplo.
Essa característica de “educar” o público ficou bem clara em intervenções como a da
Central do Brasil, onde semanalmente os artistas realizavam visitas guiadas juntamente com
alunos de Cieps e explicavam a função ou significado de cada trabalho que ficou espalhado
pela estação por um período aproximadamente de um mês.
Essa iniciativa partiu da SuperVia e teve o apoio dos integrantes do coletivo que
consideraram importante dialogar com o público sobre o processo de elaboração das obras
que lá estavam expostas.
50 Idem.
84
Foi o caso, por exemplo, da escultura denominada “A Engraxadinha” do artista Roberto
Tavares apresentada na Central do Brasil e que continha um significado bem específico.
Como ilustra a fotografia abaixo a visita guiada realizada pelos artistas Jorge Duarte e
Raimundo Rodrigues, no momento em que se debatia e esclarecia o significado da escultura
de Roberto Tavares e o porquê de sua localização, ou seja, sua relação com o entorno.
23. Foto extraída do acervo do artista (Roberto Tavares).
“A engraxadinha”
Central do Brasil. 2003.
Portanto, os artistas explicaram que a escultura “A Engraxadinha” foi na verdade uma
homenagem do artista Roberto Tavares às mulheres que utilizavam aquela parte específica da
estação da Central do Brasil para a prostituição.
De outra forma pode-se dizer que a analogia ironicamente construída remetia-se
também à minissérie exibida pela Rede Globo denominado: “Engraçadinha... seus amores e
seus pecados”, a partir da adaptação da obra de Nélson Rodrigues.
Na versão do artista passou a ser chamada de “Engraxadinha”, pois o busto foi
escurecido com graxa de trem cedida diretamente do galpão da SuperVia.
Logo, os artistas durante a visita guiada explicavam que a obra teve sua base construída
a partir da sucata que também foi oferecida em abundância pela SuperVia a todos os artistas
participantes, e que desse forma o busto da “Engraxadinha” dialogava ainda com mais três
bustos que estavam dispostos no mesmo local, o local conhecido popularmente pela prática da
prostituição.
85
Dessa forma o artista homenageia e ao mesmo tempo denuncia uma circunstância social
que envolve mulheres em práticas degradantes, mas que são completamente integradas ao
senso comum do que é genuinamente “popular”.
A fotografia abaixo ilustra exatamente a importância do entorno (mostram os bustos
“verdadeiros” que pertenciam ao local) para a composição do significado, ou do discurso por
trás da obra.
24. Roberto Tavares.
“A Engraxadinha”.
Central do Brasil. 2003.
Um outro caso em que o coletivo aparentemente preocupou-se em discutir questões
tanto artísticas quanto relativas à Ecologia e ao meio ambiente foi durante a intervenção
realizada na Praia das Pedrinhas no Dia Mundial do Meio Ambiente (5 de junho de 2005),
denominada “Imaginário Periférico saúda São Gonçalo, lá na Praia das Pedrinhas”.
Além das discussões o coletivo ofereceu gratuitamente num espaço público, que era a
Praia das Pedrinhas, um espetáculo de Arte Contemporânea, música, poesia e dança.
Para esta intervenção o coletivo conseguiu angariar verba através da parceria com as
seguintes instituições: Prefeitura de São Gonçalo e Semeceltur.
86
Através dessas parcerias o coletivo conseguiu alugar um ônibus que levou os artistas
participantes até o local remoto do evento, além de ter viabilizado também a compra de
alimentos para os artistas, pois esses eventos costumam durar o dia inteiro.
O coletivo conseguiu também produzir e distribuir um pequeno catálogo contendo um
texto importante com o objetivo de esclarecer o discurso empregado pelo grupo e de divulgar
algumas obras que foram apresentadas na Praia das Pedrinhas.
Muitas delas foram construídas de improviso a partir do próprio lixo recolhido em sacos
plásticos ao longo da extensão de areia da praia, fazendo com que desta maneira, os artistas
contribuíssem promovendo uma faxina que teve como intenção retirar parte dos detritos
depositados pela maré e por visitantes.
Teve também como participantes convidados diversos ambientalistas e estudantes.
Em trechos do texto assinado pelo artista plástico Hélio Branco e presente neste
catálogo mencionado que foi amplamente distribuído, cabe retirar algumas declarações em
relação aos objetivos do Imaginário Periférico e que denotam, mais uma vez, sua preocupação
em relação ao campo sócio-cultural:
O cerne da idéia é demarcar um outro recorte para a atuação.
Não mais o epicentro econômico dos grandes centros urbanos, mas considerar toda a
região metropolitana e sua efervescência produtiva, levando em conta sobretudo o
aspecto humano: reconhecendo anseios e vontades de quem cria e de quem gosta de
arte, para experimentá-la em suas manifestações mais espontâneas e libertárias, seja
onde for o lugar da megacidade que as abrigue, desde que aberto ao público.51
A exclusão social é outro tema levantado no texto distribuído pelo grupo, não apenas
imposta pelo sistema econômico predominante a uma parcela da classe social, como também
uma exclusão a uma parcela da classe de artistas. Logo, mais uma vez o discurso do
Imaginário Periférico se desdobra em dois tipos de reivindicações: uma em relação às
comunidades de periferia, e outra em relação aos artistas que se encontram numa situação de
“periferia das artes”.
Um outro pensamento que circula dentro do coletivo é o de que a arte contemporânea
está sendo oferecida, através do esforço do grupo, com o mesmo nível de qualidade para a
massa popular, da mesma forma que também é oferecida às elites.
Dessa forma é colocado que se a massa popular não será o público comprador, ela tem o
direito de ser ao menos um público apreciador da arte.
Quanto a essa questão de comunicabilidade com o público respondem sob diferentes
aspectos dois dos artistas formadores do coletivo em entrevistas coletadas:
51 Trecho de texto assinado pelo artista Hélio Branco extraído do folder da exposição “Imaginário Periférico
saúda São Gonçalo, lá na Praia das pedrinhas”. 2005.
87
“(...) quando as pessoas vêem que aquilo é uma produção artística, na maioria das
vezes pelo que eu me lembro, todas as exposições que a gente fez nas áreas mais afastadas
mesmo do centro, é que as pessoas viam e traziam até os trabalhos pra gente vê, não existia
por parte deles essa relação do que era considerado estético ainda mais quando a gente
falava que era aberto, até mesmo o que a gente considera como artesões vinham com suas
obras pra poder participar”.52
Já na opinião do artista plástico Roberto Tavares essa preocupação se define da
seguinte maneira: “É, eu acho que nós temos essa preocupação mesmo, até porque eu acho
que é uma questão de visibilidade do grupo.”53
De certa forma, ambas as respostas falam sobre a necessidade de se obter uma
visibilidade dentro do campo cultural; tal visibilidade no caso do Imaginário Periférico
ganhou força justamente pela liberdade de participação dos artistas, fazendo do coletivo uma
espécie de organismo capaz de agregar artistas das mais diversas linguagens e interesses.
Refletindo ainda, uma característica importante inserida no pluralismo contemporâneo
onde o que se nota é uma intensa mistura de linguagens, estilos e conceitos.
Como conseqüência desta questão que cerca o coletivo e que contribuiu de maneira
positiva para a conquista da visibilidade perante o circuito de arte, ou mesmo do mercado,
está a estratégia de aceitar ou renovar os artistas participantes a cada evento.
Esta prática de reunir grandes quantidades de artistas desenvolveu-se através das
chamadas “convocatórias” realizadas por e-mail.
O coletivo conseguiu atingir o número impressionante de quatrocentos artistas que em
algum momento participaram de alguma exposição, intervenção ou evento do Imaginário
Periférico, fato que certamente fez aumentar a rede de contatos do grupo que desde sua
formação jamais parou de crescer.
Muito embora, a maioria das ações parta de uma idéia inicial, que seria o tema, há
relatos de casos em que muito desses artistas que participaram do grupo, ou do tipo de evento
proposto pelo Imaginário Periférico, apresentaram trabalhos completamente desvinculados a
essas temáticas.
De forma que o coletivo não reduz a participação dos artistas interessados de acordo
com os trabalhos enviados. É necessário ainda complementar que desta maneira, nunca houve
uma recusa de trabalhos recebidos pelos artistas que propuseram determinadas intervenções.
52 Júlio Sekiguchi, em depoimento gravado à autora. Rio de Janeiro. 20 de Setembro de 2006. Em anexo.
53 Roberto Tavares em depoimento gravado à autora. Rio de Janeiro. 31 de Outubro de 2007. Em anexo.
88
Além de existir uma “regra” ou “convenção” dentro do coletivo que informa que o
artista que propuser qualquer tipo de intervenção, exposição, ou evento será também
responsável por sua produção, ou seja, conseguir verba, divulgar, organizar, enfim viabilizar o
projeto que normalmente passa por todas essas etapas.
Esse tipo de medida, na opinião dos seis artistas formadores do Imaginário Periférico, e
que foram constatadas nas entrevistas, se justifica exatamente por afastar do coletivo alguns
artistas ou projetos irresponsáveis ou inviáveis para a estrutura do grupo.
No entanto, a livre entrada de artistas no coletivo e o fato curioso de nunca ter havido
uma recusa de trabalhos podem funcionar também como uma estratégia para manter o
discurso do grupo coerente com uma idéia libertária mais fiel aos conceitos da coletividade,
fato que facilitaria o processo de agregação e renovação da participação dos artistas no grupo.
Em entrevista concedida pelo artista plástico e um dos fundadores do Imaginário
Periférico, Raimundo Rodrigues, sobre a questão de o coletivo ser capaz de aglutinar tantos
artistas a resposta foi a seguinte (informação verbal): “Eu acho que é a liberdade. O que
mantém o grupo unido é a liberdade, porque como não tem curadoria basta que a pessoa se
intitule um artista e tenha um trabalho realmente (...) só mesmo conhecendo, quem conhece
sabe como estou falando. Eu acho que a liberdade é que junta essas pessoas, porque muitas
vezes a gente é convidado pra algum evento, algum trabalho, pra participar em algum lugar
e a gente detecta que a proposta não é, que a proposta não tem a ver com nossos propósitos,
que não condiz com nossos procedimentos, e aí acaba que não acontece. Ou ele acontece ou
não acontece, de forma sempre natural.”54
Portanto, partindo de máximas como: “Arte como idéia” ou “Arte como discurso”,
como foi visto na transição discursiva do Imaginário Periférico, o coletivo se torna um
exemplo de como os artistas contemporâneos são capazes de elaborar estratégias criativas,
irônicas, e não menos engajadas de inserção direta e indireta no concorrido circuito de arte.
O desenvolvimento de uma rede de colaboradores também parece ser uma arma, que é
bem utilizada pelo coletivo e que vem viabilizando as ações tanto nas periferias quanto nas
áreas centrais.
Através da sua multiplicidade de elementos humanos agregados o grupo consegue
desenvolver conexões que abarcam tanto as instituições públicas como as instituições
privadas, conseguindo o mínimo de apoio para realizar suas ações e ainda sim, na maioria das
vezes, mantendo uma curadoria própria.
54 Raimundo Rodrigues em depoimento gravado à autora. Rio de Janeiro. 7 de Maio de 2006. Em anexo.
89
Com isso o Imaginário Periférico vem escapando do processo de institucionalização,
que possivelmente faria com que o grupo tivesse que implementar uma série de limitações em
seu formato, e que talvez o conduzisse a sua própria derrocada. Ou, como diria o artista
plástico Raimundo Rodrigues: “...no momento em que nós nos registrarmos passaremos a ser
concreto, então seríamos “Concreto Periférico” não mais “Imaginário Periférico”, eu
defendo muito que a gente não seja absolutamente nada, nós somos uma idéia, que se
materializa, mas não como forma de ONG...”55
Apesar da questão do coletivo se institucionalizar ou virar uma ONG (organização nãogovernamental)
ainda gerar polêmica entre os artistas do grupo, nenhum deles, incluindo o
seis integrantes originais do grupo nunca quiseram ter a responsabilidade de atuar à frente do
grupo ou de transformá-lo numa espécie de firma. E, no entanto o coletivo vem se mantendo
em plena atividade dentro desse formato quase anárquico ao longo dos últimos cinco anos.
Até aqui o que foi possível perceber dentro do quadro ideológico ou discursivo
apresentado pelo Imaginário Periférico foi um posicionamento, que se não pode ser
denominado “político”, deve ser entendido como “politizado”, onde várias reivindicações se
misturam. A relação entre o Imaginário Periférico e a Arte Conceitual se dá quando o coletivo
se apropria da questão da “arte como idéia” para introduzir atividades artísticas num campo
que não é propriamente o da arte, conforme tem sido analisado nos textos e outros
documentos assinados pelo grupo, tais questões pertencem ao campo sociopolítico.
Posteriormente, pretende-se apresentar o Imaginário Periférico pelo prisma de sua
produção imagética. Desta maneira, tornar-se-á possível analisar o conceito e a imagem e
ainda, se ambas dialogam de forma harmônica ou não, para isto uma série de intervenções do
grupo serão selecionadas e confrontadas com sua produção artística.
55Raimundo Rodrigues em depoimento gravado à autora. Rio de Janeiro. 7 de Maio de 2006. Em anexo.
90
3.2 Análise crítica e iconográfica de algumas ações do grupo
Como visto anteriormente o coletivo Imaginário Periférico apresenta uma trajetória de
exposições, intervenções e eventos que se iniciam na Baixada Fluminense, subúrbio e região
serrana e se expandem gradualmente até as áreas centrais e da zona sul do Rio de Janeiro.
Pautando na maioria das vezes suas apresentações a partir de um tema, este tópico
pretende tratar de algumas ações específicas a partir desses temas, das localidades escolhidas
pelo coletivo e, sobretudo, analisar a produção imagética que caracteriza o coletivo.
O que importa frisar neste tópico é a análise muito menos voltada para o discurso, do
que para a produção imagética resultante desse discurso, e em como ela entra em consonância
em alguns momentos com algumas produções realizadas durante a Arte Conceitual, levando
em consideração o contexto cultural pós-moderno.
É, portanto notável no conjunto de ações realizadas pelos artistas que compõe o grupo a
presença de trabalhos que privilegiam a utilização das linguagens como o material do artista,
produzindo um amontoado de signos carregados de significados que muitas vezes substitui a
noção de “objeto artístico” tradicional. Tal prática que foi amplamente desenvolvida pela Arte
Conceitual.
Muito embora o Imaginário Periférico já em sua primeira exposição de Arte
Contemporânea em Nova Iguaçu, ocorrida em 2002, tenha apresentado características
multidisciplinares, como foi visto, é exatamente na intervenção da Central do Brasil que o
coletivo consegue organizar um evento completamente diferente das convenções do meio de
arte estabelecido.
Primeiramente porque era improvável elaborar um projeto que levasse um evento de
Arte Contemporânea para o meio de umas das estações de trem mais movimentadas do Rio de
Janeiro, que é a Central do Brasil.
Um outro motivo que caracteriza essa intervenção por sua ousadia e originalidade está
no espaço físico que a estação de trem oferecia, ou seja, tal espaço teve que ser utilizado de
maneira a comportar todos os artistas participantes e ainda fazer a integração direta com o
incontável público de trabalhadores que utilizam a estação diariamente.
O que marca definitivamente e também simbolicamente a trajetória do Imaginário
Periférico para uma área de convergência, um ponto de encontro com os mais variados tipos
de cidadãos não só do Rio de Janeiro como de todo Brasil, como por exemplo, as
comunidades de nordestinos presentes no Rio de Janeiro.
91
Logo o que se viu naquela intervenção de grandes proporções e de eventos múltiplos,
foi um verdadeiro espetáculo, gratuito, onde o público pôde interagir diretamente com os
artistas.
Em trecho de matéria escrita por Mauro Sá Rego Costa e extraída da Revista Global o
resumo do que foi apresentado pelo Imaginário Periférico fica descrito da seguinte maneira:
A estação ferroviária da Central do Brasil, usada diariamente por milhares de
trabalhadores do Rio de Janeiro, foi tomada de assalto por 40 artistas plástico, uma
banda de rock, outra de funk, e duas de samba, um grupo de Capoeira de Nova
Iguaçu, poetas de Duque de Caxias, dança a 15 metros de altura.56
O cenário geral que se construiu foi o de uma enorme galeria de Arte Contemporânea,
onde se podia encontrar de tudo: artes plásticas, poesia, música, dança, performance entre
outros, lembrando os moldes dadaístas ou os eventos Fluxus, ou mesmo as performances de
alguns artistas conceituais da década de 60 e 70.
Com a vantagem de que esse evento foi todo planejado de forma aberta ao público, que
em sua maioria jamais havia entrado em uma galeria de arte.
A multidisciplinaridade apresentada no Imaginário Periférico além de refletir um
sintoma do pluralismo presente no campo cultural pós-moderno, reflete também uma quebra
com qualquer tentativa de hierarquização das linguagens presentes no campo cultural.
É claro que esse evento só pôde se concretizar através da colaboração da Supervia, que
é a instituição responsável pela administração da malha ferroviária carioca, e que cedeu aos
artistas seu galpão, fazendo com que todo material em forma de uma abundante sucata
pudesse ser utilizado livremente pelos artistas participantes.
Em outras palavras, para que o evento do Imaginário Periférico se tornasse possível
precisava existir um apoio formal ou informal de alguma instituição, pública ou privada, para
que as condições mínimas de apresentação do grupo se tornassem perfeitamente viáveis.
O que o coletivo parece querer mostrar é um verdadeiro vale-tudo na Arte
Contemporânea onde todas as linguagens se encontram e se misturam (sem perder o aspecto
individual de cada artista), mas com a força preservada de um movimento coletivo, como
ilustram as imagens extraídas de três artistas específicos, são eles: Chang Chi Chai, Nivaldo
Carneiro e Hélio Branco, cada um exemplificando a diferença de linguagens empregadas
pelos artistas que participaram do evento na Central do Brasil.
56 COSTA, Mauro Sá Rego. “Imaginário Periférico”.In Revista Global Brasil, n° 2, maio/junho/julho, 2004,
p.45.
92
25. Chang Chi Chai.
Colcha de retalhos “Imaginário Periférico” - Central do Brasil – 2003.
26. Nivaldo Carneiro
Performance – “Objetos estéticos” - Central do Brasil – 2003
27. Hélio Branco.
“Escultura de Biscoito Globo” – Central do Brasil – 2003.
93
Através do acervo de imagens coletadas sobre a intervenção na Central do Brasil tornase
possível perceber a predominância de materiais baratos ou recicláveis como matéria-prima
utilizada pelos artistas plásticos, que poderiam trabalhar isoladamente ou em parceria, além
do acesso direto ao material em sucata cedido pela Supervia.
Muitos trabalhos foram criados a partir de materiais como: plásticos, trapos, sacos de
biscoitos, garrafas pet, entre outros, como ilustra a imagem do trabalho da artista plástica
Chang Chi Chai, que costurou uma colcha com a inscrição “Imaginário Periférico” a partir de
sacos plásticos, colocando em evidência a costura como elemento do universo feminino.
Já na performance do artista e professor de escultura da Escola de Belas Artes da UFRJ,
Nivaldo Carneiro, o que se apresentou foi um ato performático repleto de humor e ironia,
onde o artista mimetizava o discurso de um vendedor ambulante (camelô), remetendo ao
universo popular urbano, que se constitui, sobretudo a partir de imagens retiradas dos
mercados informais. Nivaldo pretendia vender à maneira de um camelô (desses que são
encontrados diariamente nos ônibus) iniciando seu discurso com o seguinte chavão: “Amigos
passageiros desculpe interromper o silêncio de sua viagem...” e assim ele distribuiu suas
pequenas esculturas que eram chamadas de “objetos estéticos ontológicos e fenomênicos”
pelo preço de R$ 1,00. Com o fato curioso de que no final da performance o artista explicou
que dentre os “objetos estéticos” alguns deles (os coloridos) valiam mais que R$ 1,00.
Nivaldo explicou também que esses objetos que estavam representados com cores, eram
na realidade objetos estéticos mais caros, pois já haviam passado pelo Museu de Arte
Contemporânea de Niterói, (MAC), e que, portanto tinham sido devidamente “maquiados”
fazendo um sarcástico trocadilho.
Há entre muitos artistas do Imaginário Periférico uma crítica mordaz em relação às
instituições de arte como os museus e galerias, mesmo quando o coletivo se encontra cercado
das paredes de um deles.
Por esses e outros motivos é possível afirmar que a tipologia empregada pelos artistas
do coletivo envolve elementos encontrados na cultura popular (arte popular) e na cultura de
massa. Portanto, representa muito menos um conceito de uma determinada localidade
(regionalismo), do que uma tentativa de apreender abstratamente a realidade específica de
uma classe social e que, muitas das vezes também reflete alguns aspectos de seu entorno.
Aspectos folclóricos também são transmitidos, sejam eles localizados nos subúrbios,
nas comunidades de favelas ou nas periferias rurais.
Essa tipologia fica mais evidente quando percebemos em uma grande quantidade de
trabalhos dos inúmeros artistas que participam freqüentemente ou que participaram do grupo,
94
a presença de materiais como: chapas de ferro (geralmente aproveitadas de ferros-velhos),
imagens de santos, embalagens plásticas de diversos produtos do consumo de massa, como os
famigerados “biscoito Globo” que na intervenção da Central ganhou a forma de gigantesca
escultura elaborada pelo artista plástico Hélio Branco, mostrado anteriormente, e que foi
literalmente devorada pelo público que era convidado a interagir com o trabalho.
Além da presença notável de materiais que se repetiam como: moedas, chapinhas de
refrigerantes, mídias usadas CD, entre outros.
Um outro exemplo para a gama de trabalhos produzidos está localizado na intervenção
realizada na Cinelândia (Rio de Janeiro, 2005) denominada de “Rede de Trocas e
Pechinchas”, que também agregou centenas de artistas de diversas linguagens, realizando uma
verdadeira feira de trocas ao ar livre, como foi analisada pelo prisma discursivo no tópico
anterior. A troca era feita tanto entre os artistas participantes quanto com o público passante
que também poderia oferecer qualquer objeto consolidando as “trocas simbólicas”, ou a
brincadeira lúdica de ser um colecionador de arte.
É possível perceber dentre os trabalhos apresentados e que foram selecionados nas
imagens apresentadas abaixo, uma gama de objetos que foram retirados da cultura popular e
da cultura de massa (como foi dito acima) e que dialogam, através de metáforas visuais, com
alguns assuntos do cotidiano carioca, neste caso: a violência, o tráfico de drogas, entre outros.
Conforme ilustram os trabalhos: “Bala perdida” e “Amuleto do C.V.” de autoria
desconhecida.
28. Artista desconhecido. (trabalho não assinado)
“Bala Perdida”.
Feira de Trocas e Pechinchas. 2005.
95
29. Artista desconhecido. (trabalho não assinado)
“Amuleto do C.V.”
“Feira de Trocas e Pechinchas. 2005”.
Novamente a figura do vendedor ambulante e do trabalho informal é colocada em
evidência, através de poéticas que expressam questões muito sérias em relação ao campo
social.
Também precisa ser colocado o poder da ressignificação dos objetos, que são retirados
de um contexto banal do dia-a-dia e transformados em poéticas capazes de abarcar tanto um
conteúdo humorístico quanto um conteúdo mais sério ou sombrio da dinâmica da periferia ou
do que é considerado “periferia social”.
Um dos trabalhos desenvolvido pelo artista Raimundo Rodrigues tem um forte apelo
irônico à medida que apresenta uma série de cédulas falsas, (como as cédulas do jogo “Banco
Imobiliário”), produzidas com as perguntas inquietantes: “O que é uma obra de Arte? Quanto
vale uma obra de Arte? Quanto custa uma Obra de Arte? Pague por esta Obra de Arte o valor
que achar que deve”. Esse trabalho lembra a série “Cédulas” produzida por Cildo Meireles,
citada anteriormente. O artista também se utiliza de cédulas (no caso do artista do Periférico
as cédulas são falsas, diferente das de Cildo Meireles), mas com o objetivo de “carimbar”
também sua mensagem.
Esse tipo de situação mais uma vez esbarra com as questões que foram levantadas desde
o Dadaísmo até os questionamentos implementados pela Arte Conceitual, que é a prática de
questionar a função da própria arte e seu valor literal e simbólico.
Este é mais uma vez o momento onde se pode localizar através da produção imagética
do Imaginário Periférico uma apropriação das questões que se estabeleceram juntamente com
96
a Arte Conceitual e que continuam reverberando no campo cultural até os dias de hoje, sob os
mais distintos aspectos.
Outro trabalho escolhido pelo artista Raimundo Rodrigues e que tem um forte apelo à
cultura popular, se deu durante a distribuição de fitinhas (que normalmente são
confeccionadas em igrejas, com nomes de santos, para dar sorte), onde se nota a presença do
nome do coletivo como um “agente” alternativo aos santos católicos e fornecedor de sorte.
Esse tipo de processo de construção de objetos de arte carimbados com o nome do
coletivo também encontra parentesco nos objetos Fluxus, que também se constituíram em
diversos tipos de objetos cuja relação em comum era a marca “Fluxus” repetida em todos eles.
Essa atitude de “carimbar os objetos” coloca em pauta o poder do artista como agente
legitimador do que é arte ou não, através de seu “carimbo” ou assinatura.
30. Raimundo Rodrigues
“O que é uma Obra de Arte?
Quanto vale uma Obra de Arte?
Quanto custa uma Obra de Arte?
Pague por essa Obra de Arte o valor que achar que deve.”
Feira de Trocas e Pechinchas. 2005.
97
31. Raimundo Rodrigues.
“Da sorte. Imaginário Periférico”.
Feira de Trocas e Pechinchas. 2005
Tanto no trabalho de Júlio Sekiguchi, que também foi apresentado e “trocado” com
outros artistas na intervenção na Cinelândia, quanto no trabalho da artista Chang Chi Chai
partem do mesmo material: a caixa de fósforo. E ilustram outros exemplos de como o artista
ora utiliza o “carimbo” com a marca: “Imaginário Periférico”, ora “carimba” com sua própria
assinatura ou caligrafia, conferindo legitimidade aos objetos que são retirados do plano do
banal e do meramente utilitário.
32. Júlio Sekiguchi. “Fósforos Performáticos”.
Feira de Trocas e Pechinchas. 2005.
98
33. Chang Chi Chai
Feira de Trocas e Pechinchas. 2005.
Em outras palavras, define muito bem o filósofo da arte Arthur C. Danto, ao afirmar que
a obra de arte corporifica significados. É a partir dessa idéia que os artistas têm a liberdade
criativa (isso desde os readymades de Duchamp às performances de Joseph Beuys) de
manipular os objetos reais ou funcionais, conferindo aos mesmos novos significados. No
presente caso, seja através de uma “marca carimbada” com instruções de uso metaforizadas,
seja através de uma peculiar “assinatura”. Muitos são os artifícios utilizados pelos artistas
para “transfigurar os objetos do lugar-comum”57.
Outros artistas abordaram temas que apontam, com refinada ironia, para discussões
relativas às vanguardas Modernistas, em forma de papéis que foram distribuídos por alguns
artistas contendo trechos de manifestos da vanguarda. Como na imagem mostrada a seguir,
reproduzida e distribuída, pelo artista Alexandre Sá com a parte da frente ilustrada com uma
frase de Walter Benjamim: “não há olhar que não se espere uma resposta do ser ao qual se
dirije”, e com a parte de trás do papel escrita com uma espécie de manifesto pessoal do
artista, relatando como se fosse um discurso da Pós-Modernidade para a Modernidade a falta
de fé nas vanguardas Modernistas, de forma a fazer quase um protesto, como fica claro nesse
trecho extraído do trabalho: “Diga à Minimal que eu mandei dizer que eu não tô. È está
imagem vil que te merece? Eu também sei ser galeria apesar da solidão inerente deste
legado...”58
57 Clara referência ao livro “A transfiguração do lugar-comum” de Arthur C. Danto, onde o autor procura
demonstrar através de uma proposição filosófica que a diferença entre os objetos comuns e as obras de artes
desde a Pop Art, está na contextualização e no sistema de ressignificação dos objetos.
58 Trecho extraído de fotografia do trabalho presente no acervo cedido pelo artista Júlio Sekiguchi, com
inúmeros trabalhos apresentados na “Feira de Trocas e Pechinchas”.
99
34. Alexandre Sá
“Lembrança de uma estética ultrapassada”
Feira de Trocas e Pechinchas. 2005.
Caberia neste contexto a seguinte pergunta: Que olhar é esse que busca o Imaginário
Periférico? O olhar curioso da população ou o olhar meticuloso de quem está por trás do
circuito de arte estabelecido (críticos, curadores, colecionadores, historiadores, entre outros)?
Provavelmente se busca chamar a atenção de todos esses olhares.
Este fato pode ser analisado também através da prática contemporânea que reflete o
historicismo eclético, próprio da pós-modernidade e observado por Hal Foster no livro
“Recodificação” de forma caótica, confusa e fragmentada.
Outra observação encontra-se no fato de que os movimentos artísticos anteriores ao que
comumente foi definido como arte pós-moderna, são constantemente atacados, tanto pelo fato
de na atualidade não haver mais uma busca inserida exclusivamente nas pesquisas estéticas,
quanto pelo fato de atualmente ser improvável também a formação de um movimento de
100
vanguarda que aponte para um “novo” caminho. A própria questão do “novo” ficou
relacionada diretamente com a Modernidade e não é acolhida pela Pós-Modernidade.
Portanto no Imaginário Periférico, muitas questões são abordadas; o pluralismo de
linguagens e de temas se materializa de acordo com a individualidade sempre preservada de
cada artista. Pode-se dizer que em relação à produção imagética, o coletivo se fortalece
justamente por não fazer uma obra coletiva e sim um coletivo de individualidades.
Um outro artista colocou a questão das “Belas Artes” em evidência distribuindo
esculturas em miniatura, como o caso do irônico trocadilho empregado no trabalho do artista
plástico Jorge Duarte intitulado “Colosso”.
Consiste basicamente numa pequena escultura de gesso que lembra uma coluna grega e
ao mesmo tempo um osso estilizado, daqueles que apetece os cães nos desenhos animados.
Mais uma vez o “passado” das artes é evocado de maneira debochada, como se fosse
possível colocar toda a tradição da escultura num saquinho plástico.
35. Jorge Duarte. “Colosso”.
Feira de Trocas e Pechinchas. 2005.
Mais uma vez outros questionamentos em relação às Belas Artes foram colocados em
forma de trabalhos conceituais e distribuídos durante a “Feira de Trocas e Pechinchas” na
Cinelândia, desta vez o alvo foi a pintura abstrata, que foi engenhosamente medida e colocada
101
em envelope com a seguinte pergunta no verso: “Qual o tamanho da pintura abstrata?” de
autoria do artista Caíque Corrêa.
36. Caíque Corrêa.
“Qual o tamanho da pintura abstrata?”
Feira de Trocas e Pechinchas. 2005.
O trabalho consiste em uma carta onde a pergunta é feita e ao abrir o envelope, o artista
descreve o significado retirado do dicionário para as palavras: tamanho, pintura e abstrata,
respectivamente.
O texto segue e após as definições introdutórias extraídas do dicionário pode-se notar
que o artista passa a escrever de maneira mais pessoal, quase poética, relatando as suas
sensações em relação à pintura abstrata de forma consideravelmente dramática. Logo, o
conceito é representado pelo texto e o objeto de troca é representado pela carta intimista e
confessional. Esse tipo de trabalho conceitual lembra as práticas do artista Joseph Kosuth, ao
recorrer ao dicionário para compor seus trabalhos com signo, significantes e significados.
É preciso advertir, pois, que o trabalho do artista Caíque Corrêa não chega a se
aprofundar nas questões semiológicas, mas sem dúvida o conceitualismo utilizado tem parte
de sua raiz em trabalhos desenvolvidos durante o estabelecimento mundial da Arte
Conceitual.
No caso do artista do Imaginário Periférico, a carta acaba ganhando em conteúdo
sentimental (como normalmente são as cartas) e perdendo em conteúdo cerebral (como foi
grande parte da Arte Conceitual, sobretudo a de Kosuth).
Como fica claro no excerto extraído da carta: “Esta é uma pergunta que me assola no
meu dia-a-dia, é como se eu batesse na porta da explicação e ela não se abrisse dos adjetivos
102
tão grande e tão distinto, não me conforta ter que ocupar um espaço definido como grande
para que possa caber meus sentimentos...”59
Em outro produtivo evento organizado pelo Imaginário Periférico, na área de mangue
que separa o litoral da Rodovia Niterói-Manilha, mais precisamente na Praia das Pedrinhas
em São Gonçalo, como foi visto pelo viés ideológico no tópico anterior, os artistas tiveram
também como objetivo promover uma “faxina” nessa área.
Desta forma, os artistas recolheram com sacos de lixo os detritos que se avolumavam
pela entrada da maré ou que eram constantemente descartados pelos próprios visitantes,
contribuindo com o Dia Mundial do Meio Ambiente.
A multidisciplinaridade apresentada pelo coletivo foi mais uma vez um fator positivo
para a realização de diversos trabalhos com diversas linguagens, conforme ilustra a imagem
abaixo no início da montagem da obra do artista Deneir de Souza. O trabalho se constituiu
basicamente de uma série de “vassouras” feitas a partir do material descartado como: garrafas
pet, encartes de supermercado, sacos plásticos, entre outros.
O trabalho foi colocado no chão da praia de forma a lembrar uma mandala de intenso
colorido (formato circular), como será visto nas fotografias em seqüência.
37. Deneir de Souza
“Imaginário Periférico saúda São Gonçalo, lá na Praia das Pedrinhas”.
2005.
59 Trecho extraído de fotografia do trabalho presente no acervo cedido pelo artista Júlio Sekiguchi, com
inúmeros trabalhos apresentados na “Feira de Trocas e Pechinchas”.
103
38. Deneir de Souza
“Imaginário Periférico saúda São Gonçalo, lá na Praia das Pedrinhas”.
2005.
39. Deneir de Souza
“Imaginário Periférico saúda São Gonçalo, lá na Praia das Pedrinhas”.
2005. (Detalhe)
No entanto nem sempre a quantidade de trabalhos apresentados consegue manter o
mesmo nível de qualidade, fato normal para um grupo que agrega sem nenhum tipo de
processo seletivo os mais variados artistas e trabalhos, o que acaba sendo um custo a ser pago
pela filosofia de não recusar nenhum trabalho recebido.
Um exemplo disso foi o da performance executada e que fazia alusão ao famigerado
livro do poeta francês Charles Baudelaire chamado “As Flores do Mal”. Essa performance
beirou o nonsense à medida que apresentava um grupo de mulheres trajando vestes brancas.
Uma delas mantinha o livro nas mãos, em silêncio, enquanto as outras tinham a função de
despetalar rosas vermelhas ao longo da praia, numa espécie de ritual confuso e deslocado,
104
principalmente em contraste com as outras atividades que aconteciam simultaneamente no
entorno. Não houve relação direta com as propostas sugeridas para a ação no Dia do Meio
Ambiente.
40. Artistas desconhecidas.
Performance.
“Imaginário Periférico saúda São Gonçalo, lá na Praia das Pedrinhas”.
2005.
O clima de descontração do evento ocorrido na Praia das Pedrinhas acabou funcionando
como uma interferência negativa nas intenções das artistas que executaram a performance.
Era possível notar a necessidade de um silêncio como parte do “ritual” que estava sendo
encenado, fato que se tornou impossível já que ao fundo ouvia-se em alto volume grupos
105
musicais se apresentando simultaneamente o que de forma inevitável tornou a ação um tanto
quanto gratuita e sem sentido.
Na opinião do artista Júlio Sekiguchi quando perguntado se haveria algum tipo de
convenção para os trabalhos que são mandados para o coletivo, ele responde que não, e
comentou a questão da qualidade em um grupo tão grande, ou seja, o fato de haver trabalhos
de alta qualidade e trabalhos não tão bons:
“...eu posso fazer um trabalho brilhante, excelente, fantástico e fazer dez trabalhos bem
fraquinhos, então todo mundo faz isso, de repente eu mando, dentro do meu critério e achei
que o trabalho estava bom e estava ruim, todo mundo reconhece que estava ruim, mas aí a
gente tenta compensar também essa qualidade que a gente reconhece não estar muito boa
diluindo no conjunto...”60
Um outro fato também constatado é o de que grande parte das ações do Imaginário
Periférico se transformou em algo distinto de um evento apenas de Arte Contemporânea. O
que significa dizer que além do evento em si, o que pôde se notar muitas vezes, foi a
passagem das ações para a categoria de confraternização e festa entre os artistas, o que não
diminuiu a seriedade do grupo, apenas conferiu a ele uma característica mais lúdica, diferente
da maioria dos movimentos históricos ou das vanguardas.
De qualquer maneira a análise iconográfica aponta para uma variedade de conceitos que
são amplamente explorados e que perpassam desde a História da Arte até os acontecimentos
mais corriqueiros do dia-a-dia e que encontram uma riqueza heterogênea representada por
objetos, atos performáticos, obras conceituais, entre outros, justamente pelo fato do coletivo
ser um grande catalisador de individualidades.
Justamente por ser um coletivo capaz de agregar artistas com tamanha facilidade é que
posteriormente iniciar-se-á uma discussão com abordagem sociológica para melhor esclarecer
como são desenvolvidos os elos cooperativos entre os artistas e os diversos atores sociais
envolvidos e como se estabelece os jogos e as disputas pelo poder simbólico dentro do campo
cultural pós-moderno.
60 Entrevista concedida à autora por Júlio Sekiguchi no dia 20 de Setembro de 2006. Em anexo.
106
3.3 Imaginário Periférico: uma abordagem sociológica
Concatenando conceito e imagem, este tópico sugere uma análise dos dois aspectos do
coletivo pelo prisma de uma abordagem sociológica, de onde serão retiradas questões
contraditórias no grupo tais como: a constante crítica às instituições feita dentro das próprias
instituições. Nota-se também que há uma necessidade do coletivo em criar uma identidade
periférica sem criar um nicho à parte, e sim uma busca bem-sucedida por visibilidade dentro
do campo cultural. Além da análise direcionada para a estrutura organizacional do grupo, suas
redes sociais (relacionais) e seus elos cooperativos.
Através desse tipo de abordagem também cabe fazer uma análise de como funciona os
jogos e disputas pelo “capital simbólico” dentro do campo cultural pós-moderno em que o
Imaginário Periférico está inserido.
Como alicerce teórico, serão utilizados alguns autores da sociologia para compor este
tópico, como por exemplo: Pierre Bourdieu e Howard Becker.
A primeira entrada desse estudo, situa-se a partir da análise de textos de Howard
Becker, presente no livro “Uma teoria da ação coletiva”, mais precisamente no capítulo “Arte
como ação coletiva”, neste trabalho o autor procura lançar a idéia de que a arte se torna
concreta a partir de uma ação coletiva.
Nas próprias palavras do autor, que teve uma experiência pessoal no mundo das artes,
mais precisamente na música, ficam transcritas as seguintes observações para o
desenvolvimento da teoria da ação coletiva nas artes:
...Minha leitura confessadamente dispersa de materiais sobre as artes, a literatura
sociológica disponível, (especialmente Blumer, 1966, e Strauss e outros, 1964) e a
participação e experiência pessoal em vários mundos artísticos levaram-me a uma
concepção da arte como uma forma de ação coletiva.61
A ação coletiva se desenvolve à medida que diversos tipos de atores sociais se unem
numa forma de rede ou elo cooperativo para que a obra de arte ou evento se viabilize. Essa
forma de investigação faz com que exista uma necessidade de se pesquisar mais
minuciosamente os aspectos da coletividade tanto dentro do objeto de pesquisa, o Imaginário
Periférico quanto fora, criando assim categorias para se identificar os artistas, o público e o
elenco de apoio.
Não obstante exista também a possibilidade de tais categorias se apresentarem de
maneira mais flexível do que as expostas no texto em questão, neste caso, tais peculiaridades
61 BECKER, Howard. Arte como ação coletiva. In Uma teoria da ação coletiva. Rio de Janeiro, Zahar. 1977. p.
205, 206.
107
serão devidamente apontadas, visto que se trata de um coletivo de arte contemporânea, onde
muitas vezes essas categorias se mesclam simultaneamente.
Esta forma de análise através da ação coletiva, ou seja, levando em consideração
absolutamente todo o conjunto humano participativo, direta e indiretamente do processo
artístico, derruba o olhar costumeiro dos estudos sociológicos e humanistas, que atribuíam
somente ao artista todo processo de criação e execução do objeto de arte.
No livro Culturas Híbridas, de Néstor García Canclini, observa-se a seguinte definição
para alguns conceitos de H.Becker e que reiteram o que foi dito acima:
...Ainda que Becker sustente que o artista pode ser definido como “a pessoa que
desempenha a atividade central sem a qual o trabalho não seria arte”, dedica o maior
espaço de sua obra a examinar como o sentido dos fenômenos artísticos são
construídos num “mundo de arte” relativamente autônomo, não pela singularidade
de criadores excepcionais, mas sim pelos acordos gerados entre muitos
participantes62.
Ao aplicar tal idéia em uma intervenção realizada pelo Imaginário Periférico, fica
bastante claro que o coletivo também carece de uma base organizacional, com específicos
elos cooperativos que viabilizam suas ações.
Tal organização dar-se-á através dos elos cooperativos mantidos entre os próprios
membros do grupo, ou seja, através da partilha de idéias, o que também poderia ser chamado
de “consenso” ou “convenção coletiva” e ainda, do elo entre os membros do grupo e os
“colaboradores” ou “elenco de apoio”, que são formados por diversos “atores sociais” tais
como: instituições privadas, apoio do poder público e de voluntários, o próprio público que
participa e interage durante os happenings e performances, os responsáveis pela divulgação,
entre outros, que podem ser ou não integrantes do Imaginário Periférico.
Esses então, seriam alguns exemplos de como se articulam dentro do próprio Imaginário
Periférico uma complexa rede de elaboradas relações cooperativas e de como essa rede reflete
em outras redes elaboradas de cooperação nas diversas atividades sociais existentes.
Fato que será brevemente demonstrado através da entrevista concedida pelo professor
de pintura da Escola de Belas Artes da UFRJ e artista do coletivo Júlio Sekiguchi, quando
perguntado especificamente sobre as redes de cooperação dentro do grupo, respondeu citando
a intervenção na Central do Brasil:
“...Eu acho que o que chamou atenção lá, foi a própria instituição da Supervia que
abriu o depósito deles, pra gente pegar o que queria e a partir daquela sucata construir as
62 CANCLINI, Nestor Garcia. Culturas Híbridas: estratégias para entrar e sair da modernidade. São Paulo:
EDUSP, 2000. p.38/ 39.
108
obras que estariam sendo expostas. Teve uma colaboração muito grande deles, o próprio
espaço, e aì , sempre retorna aquela coisa, é interessante a gente ver aquela mobilização, o
cara que tomava conta do depósito, o pessoal dos guichês, todo mundo ia se integrando
naquilo e até se justificavam, eles se integravam à obra, porque eles reconheciam naqueles
objetos, no fazer também, davam idéias, iam lá ajudavam na participação. Então quando ele
vai lá ver a obra o interesse dele é diferente, a gente via as pessoas falando: “olha lá
participei disso aqui, fui eu que dei a idéia.”63
Quando o artista dá esse depoimento “o cara que tomava conta do depósito, o pessoal
dos guichês, todo mundo ia se integrando naquilo”, fica claro que se trata dos componentes
do pessoal de apoio. Esse seria um olhar apropriado para as classificações de H. Becker. De
maneira curiosa esse “pessoal de apoio” apontado na intervenção da Central do Brasil acabou
em meados do processo, se identificando com as obras que estavam em andamento e
conseqüentemente com os próprios artistas.
Na mesma entrevista conclui com importante declaração o artista plástico Júlio
Sekiguchi:
“...Dentro do que você coloca aqui nessa questão sociológica de haver essa
integração, então eu acho que essa colaboração dentro do processo construtivo é
importantíssima porque é também uma questão educacional, questão dele poder se
reconhecer também nesse processo criativo”64.
É neste sentido que as categorias são mais flexíveis, porque para os próprios artistas do
Imaginário Periférico, quem se propor a levar um trabalho, mesmo sendo considerado um
“artesão” ou apenas a participar propondo um evento ou auxiliando em sua montagem e se
sentir como um artista será recebido como tal.
Em outras palavras dentro do Imaginário Periférico os elos cooperativos nem sempre
são definidos separadamente, cada um com uma função social distinta, podendo mesmo haver
exemplo de atores sociais que também são artistas e pessoal de apoio, todas as categorias
encontradas em um só membro.
Além de que o coletivo procura exaltar a função educativa ao integrar o público ou o
elenco de apoio às atividades específicas do “mundo das artes” apresentadas pelo coletivo
como ferramenta de transformação cultural e social.
Um exemplo claro da própria manifestação do público como um membro circunstancial
de um evento do Imaginário Periférico ocorreu no evento da Central do Brasil, onde o público
63Entrevista concedida à autora por Júlio Sekiguchi no dia 20 de Setembro de 2006. Em anexo.
64 Idem.
109
deixou de ter o distanciamento de um apreciador da arte, ou de mero curioso, para uma
posição de participante, de elemento que constitui e dá a sua colaboração à obra coletiva.
Como fica ilustrado com a fotografia abaixo:
41. Artista desconhecido.
Central do Brasil. 2003.
Essa fotografia apreendeu a imagem de um “artista” anônimo ou participante
circunstancial, como foi colocado acima, que durante o evento do Imaginário Periférico, levou
o seu trabalho construído também a partir da sucata e de outros materiais descartáveis,
comprovando a abertura encontrada no coletivo, que permite que todos: pessoal de apoio,
atores sociais, artistas e público participem de forma extremamente democrática.
Pode-se dizer também que este tipo de interação, no caso do Imaginário Periférico, é
favorecida pelas diversas linguagens artísticas que são apresentadas simultaneamente, ou seja,
o público participa de um evento variado de arte contemporânea, mas também encontra
música (forró, reggae, etc.), espetáculo de dança, poesia, entre outros, o que facilita a sua
aceitação e convida a sua participação, por vezes, literal.
Tratando-se especificamente da questão das artes visuais, a aceitação do público pode se
encontrar no fato de que ele reconhece uma “identidade” através dos elementos da arte
popular e da cultura de massa que são explorados por muitos artistas do Imaginário Periférico,
como exposto anteriormente através da análise iconográfica da produção do coletivo.
110
Outras considerações também devem ser feitas em relação ao viés discursivo sustentado
pelo coletivo, nos indicando que existe uma divisão de tarefas e um esforço coletivo que é o
que irá viabilizar as intervenções propostas pelos artistas.
E, sobretudo que tais propostas também obedecem a certas “convenções” que foram
criadas, pelos próprios artistas que compõem o grupo.
Tais “convenções” estariam presentes no manifesto “Visão Periférica”, como pode ser
verificado abaixo:
...É importante salientar que alguns artistas dessas exposições desenvolvem a
carreira artística com grande reconhecimento profissional nos “meios tradicionais” e
sua presença contribui para referendar esses espaços embora, as mostras do
Imaginário Periférico dispensem uma curadoria “institucional”. A participação é
aberta e todos que, segundo seus próprios critérios, se consideram artistas.65
Esta é uma convenção para aqueles que almejam participar do coletivo. Ter em mente
que são efetivamente artistas, sem que com isso necessitem obrigatoriamente de um diploma
em artes que institucionalmente os licenciem, conforme será visto na prática com o exemplo
da participação do artista anônimo na intervenção da Central do Brasil.
Essa convenção é muito importante porque de certa forma nos transmite a mensagem de
que o coletivo pretende “quebrar” com o sistema seletivo de curadoria imposto pelas
instituições culturais, à medida que pretende tomar para si a autonomia do campo. Ou seja, o
coletivo possui, na maioria das vezes uma curadoria própria, que é conhecida por aceitar a
todos, de forma ideologicamente libertária.
Uma outra “convenção” importante que é colocada pelo coletivo é a de que o artista que
propuser um evento, ou exposição, automaticamente deverá arcar com a viabilização do
projeto, em termos de: angariar verbas, espaço, divulgação, montagem, etc.. Portanto, dentro
do coletivo costuma-se dizer que “quem propõe produz”, como fica claro nas palavras do
artista plástico Raimundo Rodrigues:
“... Quem propõe produz e se responsabiliza por absolutamente tudo, junto com uma
equipe que ele mesmo monta, também dos Periféricos, então com a relação com transporte,
os ônibus que vão levar, a divulgação, o convite, a alimentação, normalmente tem um
almoço, então quem propõe produz, então tem que se ter muita responsabilidade quando se
propõe alguma coisa.”66
65 Trecho retirado do manifesto assinado e distribuído pelo coletivo em forma de panfletos denominado
“Manifesto – Fome Zero Cultural – Visão Periférica”.
66 Entrevista concedida por Raimundo Rodrigues à autora no dia 7 de Maio de 2006. Em anexo.
111
Sobre a inevitabilidade das convenções afirma Howard Becker: “Em caso algum o
caráter da arte impõe uma divisão natural de trabalho; a divisão sempre resulta de uma
definição consensual de uma situação.”67
Conclui-se ainda que essas convenções sejam definições de um senso comum entre os
integrantes do grupo, fato que também os mantém unidos, como foi visto no testemunho do
artista Raimundo Rodrigues, essa convenção “quem propõe produz” se tornou necessária e
acabou por constituir uma opinião comum (senso comum) entre os integrantes do coletivo.
Tornou-se necessária, como bem colocou o autor Howard Becker, por uma definição
consensual de uma situação específica que era a de evitar que alguns artistas propusessem
eventos ou exposições e não arcassem com o trabalho de produzí-los, deixando toda “mão-deobra”,
ou a “divisão do trabalho” para os outros artistas.
Vê-se ainda no capítulo “Mundos Artísticos e Tipos Sociais” do livro “Arte e
sociedade: ensaios de sociologia da arte” um aprofundamento do autor nas questões relativas
à idéia de arte como ação coletiva, mundos artísticos e a classificação dos tipos de artistas em
quatro categorias, são elas: os profissionais integrados, os inconformistas, os artistas ingênuos
e arte popular.
É, sobretudo neste enfoque de categorização dos artistas que se torna imprescindível
uma observação sobre as características idiossincrásicas do Imaginário Periférico.
Não seria possível simplificar a questão de um grupo que comporta tantas
individualidades artísticas distintas em algumas categorias de classificação. Pode-se
identificar com algum esforço uma semelhança entre a definição do autor de artistas
inconformistas e alguns posicionamentos do grupo em relação ao sistema de arte vigente, as
constantes críticas às políticas culturais e a denúncia, muitas vezes bem humorada das
condições socioeconômicas da população que reside nas áreas de periferia.
Esse tipo de inquietação por parte do grupo encontra respaldo no seguinte excerto do
texto:
...Os inconformistas são artistas que, tendo pertencido ao mundo artístico
convencional próprio de sua época, lugar e meio social, acharam-no tão
inaceitavelmente restrito que acabaram por não querer mais conformar-se com as
suas convenções.68
67 BECKER, Howard. Op. Cit. p. 207.
68 BECKER, Howard. “Mundos artísticos e tipos sociais”. In Velho, G (org.) Arte e sociedade: ensaios de
sociologia da arte. Rio de Janeiro, Zahar. 1977.p.14.
112
Desta maneira pode-se dizer que o Imaginário Periférico possui uma gama de artistas
“inconformistas”, que seriam aqueles que possuem suas carreiras individuais integradas ao
sistema de arte (circuito de arte estabelecido), no entanto quando estão atuando pelo coletivo
manifestam a insatisfação com as convenções desse sistema.
Mais que isso, pode-se afirmar também que o Imaginário Periférico, sobretudo em seu
início optou muitas vezes em realizar suas intervenções em espaços alternativos, saindo das
convenções estabelecidas pelo “mundo das artes” como, por exemplo: uma fazenda
abandonada na Baixada Fluminense, a Praia das Pedrinhas em São Gonçalo, um campo de
futebol em São Gonçalo, uma feira de trocas na Cinelândia, entre outros, onde foi possível
também encontrar um público distinto do especializado em arte, e desta forma criando como
já foi visto uma rede própria de colaboradores.
Outro excerto que deve ser destacado do texto de Howard Becker e que será
posteriormente reforçado com um trecho da entrevista cedida por Júlio Sekiguchi:
...A intenção do inconformista parece ser a de forçar o seu mundo artístico de
origem a reconhece-lo, exigindo que, em vez de ele se adaptar às convenções
impostas por esse mundo, seja este que se adapte às convenções por ele próprio
estabelecidas para servir de base ao seu trabalho. Isso porque os inconformistas não
renunciam a todas e nem mesmo a muitas das convenções de sua arte.69
A partir desta definição comportamental de “artista inconformista” pode-se fazer uma
relação direta segundo o próprio depoimento do artista plástico Julio Sekiguchi quando ele
afirma que: “... E o que eu acho que é pior é que se busca uma institucionalização pra poder
fazer com que ela tenha um determinado apoio então seria praticamente o fim dela, só não é
um fim porque você sempre tem gente trabalhando a margem desse sistema e graças a Deus
essas pessoas têm essa idéia de que não pode se institucionalizar porque vai virar uma outra
coisa, vai se transformar num segundo ou terceiro elemento, agora quem tem que entender
isso e que tem que fomentar porque senão é a derrocada do Estado e não da produção
cultural, uma coisa popular, então eu acho é que o Estado é quem tem que perceber já esse
tipo de situação e tentar fazer com que ele se adapte a esses processos e não o meio que tem
que se adaptar a ele, ao Estado, então o Estado ele está para servir o cidadão e não o
cidadão ao Estado, então se ele não consegue servir o cidadão é porque ele é que está
errado, tem que se renovar, eu acho que esse é um ponto crítico também interessante, um dos
motivos que a gente pode acabar é simplesmente pela falta dessa percepção.” 70
69 Idem. p. 15.
70 Júlio Sekiguchi em depoimento gravado à autora. Rio de Janeiro. 20 de Setembro de 2006. Em anexo.
113
É neste momento, que se percebe a demanda por parte do grupo de uma mudança no
mundo artístico convencional, e nesse sentido se poderia classificar o grupo como um coletivo
de artistas inconformistas.
No entanto é necessário ressaltar que somente esse aspecto não seria condizente com a
total realidade do grupo. Pois, sabe-se que todos os artistas que compõe o Imaginário
Periférico, quando fora da coletividade têm suas respectivas carreiras plenamente adequadas
ao mesmo mundo artístico estabelecido que só é posto em questionamento quando assumem a
identidade do grupo.
De outra forma não poderiam, contando apenas com o grupo, angariar fundos para as
suas próprias necessidades artísticas e pessoais. Fato que fica claro também em outro trecho
da entrevista:
“... ninguém ali do periférico, ou de algum grupo, pelo que eu saiba se dedica
exclusivamente àquilo, todo mundo é artista também independente, mas sabe que naquele
momento é interessante participar daquele conjunto, é como se fosse uma orquestra, todo
mundo pode ser solista, mas quando você está na orquestra, a potência da música é diferente
e só pode acontecer no conjunto, tem expressões que só acontecem no conjunto, e na
individualidade não dá, é um trabalho que a pessoa faz e que ele convida um monte de artista
pra participar de um trabalho que é dele, ali não é uma massa do grupo que é discutida de
possibilidades que só acontecem dentro daquela estrutura de coletivo.”71
Conclui-se que, tais categorizações separadamente não seriam suficientes para dar cabo
à gama de exceções dentro do Imaginário Periférico, ou poderíamos ter um paradoxo. Como
considerar o grupo como um coletivo de “profissionais integrados” (que são aqueles artistas
que estão atuando dentro do sistema de arte estabelecido de acordo com todas as suas
convenções) e que assume um discurso inconformista apenas naquela situação excepcional.
E ainda, teriam que ser analisados todos os artistas individualmente. Pois é certo que se
encontrariam dentro dessa massa de diversidade, outros artistas que se encaixassem nas
categorias de “artistas ingênuos” e “arte popular”. Como é o caso do artista plástico Timbuca,
que ganhou espaço e reconhecimento no meio de arte somente depois de ser convidado a
participar de algumas exposições e/ou eventos do Imaginário Periférico, o que nos permite
concluir que o coletivo possui uma identidade própria e capaz de legitimar seus integrantes
com o status de artistas. Com mais de 80 anos e falecido recentemente, Timbuca foi o artista
com mais idade a se integrar ao coletivo. Foi morador de Fragoso, sexto distrito municipal
71Júlio Sekiguchi em depoimento gravado à autora. Rio de Janeiro. 20 de Setembro de 2006. Em anexo.
114
próximo de Piabetá, e também foi convidado pelo artista Periférico Fiúza, além de Deneir de
Souza e Jorge Duarte (todos vizinhos) a mostrar seus trabalhos e a partir das exposições
coletivas do Imaginário Periférico ganhou reconhecimento no circuito de arte, o que em
princípio poderia soar como uma contradição.
Timbuca poderia perfeitamente se encaixar na definição de artista ingênuo, pois
apresenta um tipo de arte primitiva, ou naif, sem nunca antes ter gozado da consciência de ser
ou do fazer artístico, como ilustra a imagem de sua obra abaixo:
42. Timbuca.
“Milhe e uma noite do Timbuca”.
Coleção particular do artista Raimundo Rodrigues.
É preciso também deixar claro que, nos conceitos de Becker é possível que os vários
mundos também se misturem que essas categorias de tipos de artistas, existam não apenas
separadamente, mas circunstancialmente justapostas, como é o caso do coletivo em questão.
Portanto uma das contradições do coletivo fica caracterizada pelo grupo criticar as
políticas culturais implementadas pelas instituições e, no entanto ser um agente capaz de
legitimar para o próprio sistema institucionalizado das artes alguns de seus integrantes.
Este fato se dá possivelmente porque o Imaginário Periférico ao longo dos anos
conseguiu espaço não só na mídia como também no próprio circuito de arte estabelecido,
mesmo que o grupo para isto tenha partido de estratégias alternativas de inserção no mercado,
o que lhe rendeu ainda mais visibilidade, e também conferiu ainda mais identidade.
115
O que se segue é uma reflexão a partir da noção de campo e da arte como poder
simbólico segundo os conceitos do sociólogo francês Pierre Bourdieu.
Em outras palavras, relacionar a noção de campo (que se assemelha à noção de mundos
das artes de H.Becker e de Arthur Danto), à medida que também analisa os elos cooperativos,
as convenções, divisão de tarefas, a biografia do artista etc.. Sendo que para Bourdieu a noção
de campo permitirá também se fazer notar as diferentes maneiras de se conceber a arte.
Dentro dessa noção o autor procura focalizar os interesses de determinados atores
sociais, interesses que também são chamados de “ganho simbólico” ou “capital simbólico”
armazenado, no sentido de se estabelecer o que é arte ou porque determinado bem simbólico
se torna arte e quais são as disputas, os jogos presentes nesses campos específicos.
Para deixar mais clara a idéia de campo empregada por Bourdieu, cabe citar, as
definições de Canclini retiradas do livro “Culturas Híbridas”:
... Para Bourdieu, cada campo cultural é essencialmente um espaço de luta pela
apropriação do capital simbólico, e em função das posições que se têm em relação a
esse capital – proprietários ou pretendentes – são organizados as tendências –
conservadoras ou heréticas.72
Em se tratando de “lutas” dentro de um coletivo como o Imaginário Periférico, deve-se
considerar, através de uma reflexão das intervenções empregadas pelo grupo, qual o tipo de
reivindicação que está em jogo, e principalmente quais e para quê são as estratégias
elaboradas por esses artistas. A partir disso, poder-se-á concluir que o coletivo em certos
momentos, assume a posição de “pretendente” ou de “dominado”, ou seja, da parcela que
pretende organizar as tendências heréticas.
Para tentar definir o campo artístico de atuação do Imaginário Periférico será cabível
fazer também as seguintes perguntas: Com que outros atores sociais o Imaginário Periférico
está dialogando, concordando ou desaprovando? e: Quais seriam os ganhos simbólicos?
Para responder a essas perguntas cabe descrever umas das últimas intervenções do
Imaginário Periférico e que não se encontra inserida na cronologia proposta pela dissertação,
mas que será colocada em anexo, pela importância de seu significado.
Essa intervenção foi denominada de “MAC Vazio”, e foi realizada no dia 29 de Abril de
2007, se caracterizou pela ocupação durante um dia no Museu de Arte Contemporânea de
Niterói. A convocatória foi feita por e-mail atraindo dezenas de artistas que transformaram o
lado de fora, que foi o espaço cedido pela instituição, para que os artistas desenvolvessem
72 CANCLINI, Nestor Garcia. op. cit. p. 41.
116
seus trabalhos, performances, happenings, instalações, entre outros. A ocupação da parte de
fora do Museu fica ilustrada com as fotografias abaixo:
43. Artistas (Ronald Duarte e Nivaldo Carneiro, respectivamente) ocupando as paredes do Museu de Arte
Contemporânea de Niterói no evento “Mac Vazio”.
Imaginário Periférico. 2007.
Além disso, houve também o planejamento por parte dos artistas do coletivo de
transformar o evento realizado no Mac numa espécie de mostra de trabalho do grupo, que
seria fotografada e filmada para ser posteriormente catalogada e também dentro do
planejamento houve uma proposta de se filmar cada artista participante do grupo respondendo
a seguinte pergunta: “O que é ser “periférico” para você?”.
117
44. Ocupação do Mac durante o evento “Mac Vazio”.
Imaginário Periférico. 2007.
Então, para responder a pergunta verificamos com quem o Imaginário Periférico está
dialogando nesse caso? Com o MAC (Museu de Arte Contemporânea de Niterói), ou seja,
com uma instituição cultural.
O mais irônico é que a ação se dá do lado de fora do Museu, portanto, é do lado de fora
que a crítica sutilmente é feita, à medida que o evento acabou por se transformar muito mais
numa confraternização entre os artistas do que em um sério evento de Arte Contemporânea.
Os fatores que ironizaram as convenções do sistema de arte “dominante” ou “estabelecido”
foram variados, entre eles a própria recepção elaborada pelo grupo. Como ilustra a fotografia
abaixo:
45. “Mac Vazio” – Imaginário Periférico. 2007.
118
Em vez de um coquetel nos moldes tradicionais das exposições, o que foi oferecido ao
público e aos próprios artistas como “coquetel de inauguração” foi justamente artigos mais
que populares como: latas de cervejas e bananas.
Na opinião do artista Deneir de Souza a ocupação do Mac, funcionou muito mais como
uma estratégia de visibilidade do que como uma reivindicação. Discorre o artista:
“Olha.... (hesitante) não existe bem uma reivindicação, acho que o próprio fato de
ocupar o Mac hoje, por exemplo, com várias ações é uma forma de visibilidade do grupo e de
mostrar né, tudo bem.. (pensando). O Mac vazio né? Tudo bem (...) a gente não está lá
dentro, mas está aqui fora, né? O importante é você está fazendo alguma coisa, e é uma
forma de você reivindicar.”73
E quando foi questionado durante o andamento do próprio evento se realmente o
Imaginário Periférico pretendia fazer uma crítica às instituições, no caso, dentro da própria
instituição respondeu ironicamente da seguinte forma:
“Pode ser né? Quem sabe? (muitos risos) quando se come banana assim no Mac, já é
uma forma de protestar um pouquinho, ou (...) (pausa) (risos) na cara!.”74
Muito além da opinião do artista e que pode ser compreendido a partir de uma visão
embasada nos conceitos de Bourdieu, é a atitude de expor como coletivo do lado de fora de
uma instituição sugerindo que o Imaginário Periférico é de fato um coletivo de artista
contemporâneos independente de suas obras estarem situadas dentro das paredes
legitimadoras da instituição. Ou seja, o grupo indica que tem o “poder” de legitimar por meio
da sua identidade que é um produtor de bens simbólicos e culturais.
Nas palavras de Bourdieu este tipo de manifestação, ou mesmo de produção de bens
simbólicos fica muito clara: “Todo ato de produção cultural implica na afirmação de sua
pretensão à legitimidade cultural.”75
Portanto a questão é muito menos em relação a uma reivindicação por inclusão no
sistema de produção cultural do que uma afirmação de que se circula literalmente fora do
sistema, mas com a legitimidade que em princípio só caberia ser conferida por ele (o sistema
de arte) e isso inclui, o “corpo de produtores” especializados, como: críticos, historiadores,
colecionadores e experts, por exemplo.
Analisando pelo viés iconográfico da produção do coletivo esses artigos populares
acabam acumulando um forte significado metafórico. Portanto, segundo uma abordagem que
73 Entrevista concedida pelo artista Deneir de Souza no dia 29 de Abril de 2007 à autora. Em anexo.
74 Idem.
75 BOURDIEU, Pierre, “A economia das trocas simbólicas”. Editora Perspectiva. São Paulo. 2005. p. 108.
119
pretende apontar para algumas contradições, verifica-se que o coletivo é capaz sim de
implementar uma crítica às instituições, mesmo quando estão apoiados por elas. O objetivo
talvez de intervenções como esta seja o de conseguir aumentar através do fator – visibilidade -
a autonomia relativa e a legitimidade artística do coletivo no campo das artes (campo
cultural).
De qualquer maneira essa autonomia será sempre relativa, e segundo o próprio
Bourdieu, autonomia relativa significa dependência:
Evidentemente, autonomia relativa implica em dependência, sendo preciso examinar
adiante a forma de que se reveste a relação do campo intelectual aos demais campos
e, em particular, ao campo do poder, bem como os efeitos propriamente culturais
que esta relação de dependência estrutural engendra.76
Em outras palavras, por mais que o coletivo busque uma autonomia dentro do campo
cultural (campo intelectual), este campo está subordinado a outros campos de poder, assim
como o Imaginário Periférico também está.
Mesmo quando o grupo faz uma intervenção pretensamente irônica num Museu como
foi no caso do “Mac Vazio”, antes de mais nada, tem que pedir autorização ao Museu para
efetuar sua ação. O mesmo aconteceu em todos os outros eventos do Imaginário Periférico,
incluindo aqueles que ocorreram em espaço público (urbano ou remoto). Esses eventos só
vieram a se concretizar porque obteve a autorização de outros campos de poder, como é, por
exemplo, uma licença ou autorização concedida pelo Estado ou pelas prefeituras das áreas
periféricas.
Resumindo, por mais que o Imaginário Periférico almeje essa autonomia, o coletivo
sempre dependerá de parcerias com instituições públicas ou privadas, o que significa dizer
que é um elo de dependência, no entanto esse elo não anula o discurso implementado pelo
grupo. Verifica-se desta maneira uma insistente e sarcástica demanda pela inclusão no campo
artístico. Uma tentativa de se infiltrar de forma alternativa, no caso do Imaginário Periférico
essa entrada alternativa seria a opção de não se institucionalizar e mesmo assim manter-se
legítimo como um agente produtor de bem simbólico, ou seja, viabilizar a livre concorrência
entre um campo de arte estabelecido com um campo de arte alternativo.
O Imaginário Periférico ganha força justamente por adquirir certa visibilidade e
presença na mídia, já que as possibilidades dentro de um coletivo de se fazer notar são bem
maiores que a de um indivíduo apenas. Em um amplo campo cultural onde as competições, as
disputas e os jogos, são enormes, existe a tentativa de modificar ou apenas de se inserir num
76 BOURDIEU, Pierre. op. cit p. 99.
120
sistema de arte já determinado com as suas lógicas de mercado, isso significa dizer com sua
estrutura de troca de capital simbólico bem definido.
É possível levantar a hipótese de que o Imaginário Periférico se aproprie de certas
características do que seria considerada uma “Visão Periférica” como estratégia para dar
fomento ao seu discurso contestador em relação ao circuito de arte carioca, (atuando como
uma força subversiva que visa lutar por transformações).
Muito embora como expostos, paralelamente, estes mesmos artistas possuem uma vida
profissional perfeitamente integrada às normas sistemáticas desse tipo de troca simbólica,
(neste momento não existe a luta, nem as relações de forças, são adequados ao quadro
estabelecido de dominantes e dominados).
A hipótese, portanto é de que dentro do grupo se viabilizariam as condições necessárias
para que certas reivindicações, que não poderiam ser feitas fora dele, tomem forma.
Não apenas é claro, predomina as preocupações com a população da periferia, o que
constituiria parte da dialética empregada pelo grupo, mas, sobretudo as preocupações de
conseguir uma visibilidade, ou seja, uma reivindicação legítima dos artistas em relação aos
jogos desenvolvidos em seu campo de atuação, que é o campo artístico, cultural ou
intelectual.
Observando especificamente por esse viés cabe a consideração de que a participação em
um grupo possa ser entendida como uma estratégia alternativa de inserção no mercado e de
obtenção de reconhecimento e status. E que essa relação é na verdade uma via de mão dupla,
posto que possa ser compreendida tanto como uma forma do artista conseguir seu espaço no
campo das artes, como do próprio sistema ou campo das artes neutralizarem certas tentativas
de resistência às regras do mercado de capital simbólico. Em outras palavras, afinal, tudo é
absorvido pelo sistema.
Dentro de um grupo com tantos interesses convergindo e divergindo existe espaço para
múltiplas formas de análise, quando se tem um objeto multifacetado como o Imaginário
Periférico, se torna tarefa árdua apontar apenas algumas poucas características que dêem
respaldo unívoco ao jogo de interesses que o grupo tem apontado.
Por outro lado cabe ainda salientar que de maneira geral, o grupo se mantém longe de
um processo de institucionalização, ou por falta de organização dentro do grupo ou por falta
de interesse de alguns de seus integrantes. E apesar desse fato, continuam recebendo algum
apoio das instituições públicas e privadas, ou seja, continuam mantendo uma ligação com
alguns agentes do campo da produção cultural que representam a posição dos dominantes, ou
“conservadores” que atuam na Arte Contemporânea e que são representados concretamente
121
pelas galerias, museus, centros culturais, entre outros. O flerte entre ambos ocorre, mas não se
tornou em momento algum, pelo menos até agora, uma relação simbiótica.
Até o momento tais relações foram amplamente exploradas entre o campo do poder e o
campo cultural, por exemplo, vão se intensificar em discussões direcionadas para o espaço
físico de acomodação da Arte Contemporânea no próximo e último capítulo da dissertação.
Além do que serão também apresentados elementos que demonstram como o
Imaginário Periférico pode construir uma “identidade periférica” e quais seriam as vantagens
dessa construção para o coletivo.
122
4. Uma breve discussão sobre o espaço físico contemporâneo
A partir desse momento pretende-se levantar os debates propostos pelo Imaginário
Periférico sobre o espaço físico de acomodação da Arte Contemporânea, como ficou
exemplificado através da especificidade de suas propostas em relação ao “meio da arte”, ou
seja, das relações entre centro x periferia.
Para compor esse espaço físico contemporâneo foi necessário compreender como esse
espaço físico se constituiu a partir do desenvolvimento e ampliação de espaços subjetivos e
objetivos como foi anteriormente demonstrado.
Movimentos como a Pop Art e o Minimalismo até as experiências diversas
implementadas pela Arte Conceitual, a Land Art, processos como a performance e a
instalação, e a Body Art, durante as décadas de 50, 60 e 70, respectivamente, contribuíram de
forma positiva para a sensação de liberdade atual encontrada na produção de grande parte dos
artistas contemporâneos.
A partir de alguns conceitos retirados do filósofo da arte Arthur C. Danto no livro Após
o fim da arte, pode-se trabalhar as noções de moderno, pós-moderno e contemporâneo. Além
de utilizar também algumas respostas sobre esse espaço de acomodação para a arte
contemporânea, classificada como “pós-histórica”, como conceitua o autor ou mesmo após o
“fim das narrativas mestras”, o que vai se chocar contra as argumentações de pureza e
maturidade alcançadas pela arte moderna, segundo uma crítica Greenberguiana, e conduzir a
discussão até os espaços “extramuseológicos”.
Desta forma, serão inseridas questões encontradas no Imaginário Periférico, tais como:
o estado de pluralismo e hibridismo de linguagens, certo historicismo nas obras produzidas, a
posição do artista contemporâneo como um produtor de signos pertencentes a um sistema de
códigos especializados, entre outros. E então situar a atuação do Imaginário periférico dentro
desse contexto cultural pós-moderno.
Em princípio a impressão mais comum que se tem a respeito da produção artística
contemporânea mundial é a de certo estranhamento e desconfiança.
Essa impressão parece ecoar em vários autores do campo intelectual, como o crítico Hal
Foster, os teóricos Michael Archer e David Harvey, por exemplo, posto que, a arte
contemporânea se apresenta desprovida de qualquer critério material que possa utilizar para
uma identificação imediata do objeto ou ação como formas de arte irrefutáveis.
123
Na visão do teórico Michael Archer essa impressão fica ainda mais clara quando é
extraído o seguinte excerto do livro Arte contemporânea: Uma história concisa:
Por um lado, não parece haver mais nenhum material particular que desfrute do
privilégio de ser imediatamente reconhecível como material de arte: a arte recente
tem utilizado não apenas tinta, metal e pedra, mas também ar, luz, som, palavras,
pessoas, comidas e muitas outras coisas. Hoje existem poucas técnicas e métodos de
trabalho, se é que existem, que podem garantir ao objeto acabado a sua aceitação
como arte.77
O “vale-tudo” que se instaurou na Arte Contemporânea, e que fica representando acima
através das inúmeras práticas desenvolvidas pelos artistas contemporâneos, marca o período
atual ou como se diria, o “pós-modernismo”, com um formato permissivo e pouco criterioso,
onde se estabelece o pluralismo de estilos e o impulso historicista.
Esse “vale-tudo” longe de ser uma novidade ou característica idiossincrásica dos artistas
contemporâneos vem se estabelecendo como forte tendência nas artes visuais desde o advento
da Arte Conceitual, como visto anteriormente.
O crítico americano Hal Foster revela certas características aparentemente libertárias em
boa parte da Arte Contemporânea, como na verdade sendo reflexos de um modo de produção
(incentivado pela indústria cultural) voltado para a sociedade de consumo, onde o que se
consome também é a própria “história” como artigo, através desse estado pluralista ao
afirmar, em seu livro Recodificação: “Tida como liberdade a ser escolhida, a posição
pluralista faz parte do “livre mercado”; também concebe a arte como natural, quando a arte
assim como a liberdade consistem inteiramente de convenções. ”78
Indo até mais além em suas assertivas o crítico parece mesmo concordar que esse estado
pluralista, por permitir a total liberdade de estilos que são reutilizados e contextualizados
sucessivamente e incessantemente de acordo com a vontade do artista livre de uma crítica
contundente, faz com que muitas vezes o pastiche se instale.
Segundo o raciocínio do autor, boa parte da produção realizada pelos artistas
contemporâneos se baseia na prática das reapropriações e das releituras, que acaba por
adquirir uma característica entrópica, pois avivam um momento anistórico ao se
77 ARCHER, Michael. Arte contemporânea: Uma história concisa. São Paulo: Martins Fontes. 2001. Prefácio
IX.
78 FOSTER, Hal. Recodificação: Arte, Espetáculo, Política Cultural. São Paulo: Casa Editorial Paulista. 1996. p.
36.
124
descomprometer com as especificidades do passado. Ao contrário do que se poderia pensar,
como fica claro no excerto extraído abaixo:
A Arte moderna engajava formas históricas, em geral para desconstruí-las. Nossa
nova arte tende a assumir formas históricas – fora de contexto e reificadas.
Paródicas ou literais, essas citações postulam a importância, até mesmo o status
tradicional, da nova arte. Em certos redutos isto é visto como um “retorno à
história”; mas de fato é um empreendimento profundamente anistórico, e o resultado
em geral é o “prazer estético como falsa consciência, ou vice-versa.”79
É claro que toda essa sensação de estranhamento e desconfiança aplicados à Arte
Contemporânea, tem um parâmetro comparativo que não se pode deixar de discutir que foi o
próprio desenvolvimento e estabelecimento da Arte Moderna.
Sabe-se também que o momento atual pode carregar características anistóricas, como
ficou exposto no excerto citado pelo crítico Hal Foster, mas somente quando esse momento é
compreendido de forma comparativa em relação à Arte Moderna (que compreende o período
do Modernismo). Cabe ainda observar que enquanto o crítico de arte Hal Foster utiliza uma
lente pessimista em relação à Pós-Modernidade, sobretudo, quando classifica como
“anistórica” a produção de boa parte da Arte Contemporânea, esse pessimismo se comprova
com a definição do próprio neologismo criado – anistórico – que já parte através de seu
prefixo de uma negação da histórica, ou ausência dela. Enquanto que o filósofo da arte Arthur
Danto, mais flexível, admite que a Arte Contemporânea esteja inserida em um contexto “póshistórico”,
em relação naturalmente, ao fim de uma narrativa histórica (a Greenbergiana).
Ambos, no entanto discursam sobre o mesmo fato de que a prática mais concebida pelas
vanguardas Modernistas foi a da eliminação gradual dos movimentos artísticos numa busca
obsessiva pelo novo. E, talvez tenha sido daí, que justapondo as ambições das práticas da arte
moderna com as das práticas pós-modernas, que não inserem suas pesquisas numa busca pelo
“novo”, já bem até desacreditado é que tenham desenvolvido a percepção para teorias
distintas em relação ao fluxo histórico.
Por esses motivos é que se deve fazer um esforço para compreender a migração do
espaço físico ocupado pela Arte Contemporânea.
O espaço da arte institucionalizada era então composto geralmente pelos Museus e
galerias, anteriormente reservado e demarcado para abarcar a arte de cada período específico
e se encerrava nele mesmo.
79 Idem. p. 37.
125
A migração dos espaços físicos contemporâneos é acompanhada pela modificação no
circuito de arte, de forma que o espaço físico contemporâneo passa a comportar qualquer
estilo de arte e pode se materializar em absolutamente qualquer lugar, dentro ou fora das
instituições culturais.
Com base nisso faz-se necessário investigar a ruptura ocorrida durante o Modernismo
para o Pós-Modernismo.
Para isso deve-se apontar brevemente qual tipo de ruptura também foi desenvolvida
durante o Modernismo. Portanto, pode-se afirmar que a arte pertencente ao Modernismo não
seguiu a estrutura artística anterior a ele, ou seja, a do Romantismo.
Há um fator inovador que deve ser enaltecido, que foi o fator “descontinuidade”,
sobretudo, na pintura.
Em outras palavras isso representa afirmar que a arte modernista ascendeu a um nível de
consciência impensável nos períodos artísticos que a antecederam (o período pré-modernista).
Sintetizando a questão, a descontinuidade se deu porque houve uma quebra com os
valores da mimese, ou com a arte de representação mimética, caracterizando a arte modernista
por ser uma arte autoreferencial e autocrítica, muito mais preocupada com os métodos de
representação e seus diversos meios, deixando em segundo plano as pretensões
representativas da pintura.
Mas, é importante ressaltar também que um sintoma de que se a arte muda, o mercado
de arte também muda, para absolvê-la, foi o sucesso estrondoso feito pela vanguarda
modernista e que de certa forma liquidou com suas próprias pretensões enquanto vanguarda.
Voltando aos conceitos disseminados por Clement Greenberg, considerado o grande
crítico e narrador do Modernismo, a arte modernista atingiu o grau máximo de maturidade
através da “abstração pura”, exatamente quando a arte se aplicou à arte.
Novamente utilizando o conceito de Arthur Danto, essa maneira formal de atribuir
virtudes ou padrão de qualidade à pintura, sugerida por Greenberg, constitui o que o autor
convencionou chamar “narrativas mestras” e que pode ser encontrada na obra do teórico
David Harvey com o nome de “metanarrativas”, ambas com a mesma definição conceitual:
“... interpretações teóricas de larga escala pretensamente de aplicação universal”80.
80 HARVEY, David. Condição Pós-Moderna. São Paulo. Edições Loyola. 2006. p.19.
126
Tais narrativas teriam supostamente a finalidade de funcionar como um sistema
universal e de progressão evolutiva, fato que causou a própria derrocada da crítica formalista
com o desenvolvimento de movimentos como a Pop Art o Minimalismo, a Arte Conceitual, a
Land Art, entre outras.
Esse fato pode ser esclarecido da seguinte forma: a arte (contemporânea ou pósmoderna)
não se desenvolveu de maneira a privilegiar os métodos da autocrítica ou de forma
autoreferencial, ao contrário, ela se voltou para as questões sociais, políticas, econômicas,
identitárias, etc.. Novamente reaparece a dicotomia “arte x vida”, antes personificado pela arte
de representação, posteriormente pela arte de conceito ou de contextualização.
O que implica afirmar que muitos artistas a partir desse período que compreende a
década de 60 até a década de 70, deixaram as questões formais de lado e se voltaram para as
questões das linguagens, do cotidiano, questões políticas e sociais, o estabelecimento do
feminismo, entre outras.
Fato que inevitavelmente retirou a possibilidade de uma análise formal de sua produção,
pois não cabiam mais nos parâmetros formalista ou nos ideais de “pureza”, tão vastamente
conceituados por Greenberg. O que se segue é uma arte cada vez mais híbrida, mais impura,
mais distante da arte modernista, que agora sim, podia ser identificável pela contraposição de
idéias como “pós-modernista”.
Aplicando esses conceitos para uma realidade brasileira, ou seja, para dentro de uma
especificidade que se desdobra como uma verdadeira casca de cebola tem-se o seguinte
quadro: o Brasil é um país latino-americano onde a Arte Conceitual, (que para esta dissertação
é o grande divisor de águas nas práticas artísticas), se desenvolveu de maneira peculiar com a
questão do contexto histórico, justificando a sua posição mais engajada político e socialmente.
Em outras palavras, diferentemente da sociedade americana mencionada pelo crítico
Hal Foster como referência para sua obra, no Brasil o desenvolvimento da Arte
Contemporânea vai se dar menos como um reflexo de uma situação econômica do que um
reflexo de uma situação política, cuja raiz se encontra exatamente nas obras dos artistas
conceituais brasileiros durante o período da ditadura.
Tratando-se ainda da questão da especificidade, no Imaginário Periférico, o quadro que
se desenha é o de um coletivo brasileiro, que se estabelece na cidade do Rio de Janeiro, a
partir dos anos 2000, cujo principal objetivo é questionar as relações do “meio da arte” e se
existe um meio propício que privilegie seu desenvolvimento.
127
Logo, a principal proposição do objeto de pesquisa está também diretamente
relacionada com esse espaço físico de apresentação da Arte Contemporânea, por ele
denominado de “meio da arte”.
O viés histórico nos fornece a informação de como esse espaço, que foi classificado no
capítulo de abertura desta dissertação de “espaços inusitados”, se estabeleceu como uma
tendência artística, que ganhou roupagens tais como: intervenções urbanas, instalações,
performances, ações, entre outras.
O artista contemporâneo desfruta da possibilidade de atuar em qualquer espaço físico,
como ficou bem exemplificado através das ações realizadas pelo Imaginário Periférico desde
que esse espaço tenha sido concedido através de algum tipo de autorização emitida pelo poder
público ou privado.
É nesse tocante que se constrói a diversidade de trabalhos, de ações e de artistas que vão
participar intensamente do coletivo, cada um com uma intenção diferente. O “vale-tudo” que
foi mencionado anteriormente retorna e reaparece exemplificado através da produção
imagética do Imaginário Periférico.
Isto implica em afirmar que boa parte da produção do grupo é perfeitamente coerente
com as intenções discursivas e que foram representadas pela análise dos textos produzidos em
folders e dos manifestos “Fome Zero Cultural” e “Visão Periférica”.
No entanto, essa produção não respeita uma homogeneidade, fazendo com que a outra
parte de sua vasta produção se caracterize por esse sentido de entropia como foi sugerido por
Hal Foster. Ou seja, existe também a parte que vai se utilizar incessantemente de práticas de
reapropriações e releituras, produzindo signos, muitas vezes dispersos de significados ou de
seu contexto, conforme foi exemplificado com a análise iconográfica do grupo.
O que importa ressaltar para esta discussão é que o espaço físico contemporâneo se
estabeleceu em função do desenvolvimento dos artistas e práticas que operaram a ruptura com
o Modernismo a partir de meados da década de 60. E, levando apenas em consideração o caso
brasileiro, essa afirmação pode concluir também que tal espaço físico também é resultado do
processo de adequação do mercado de arte ou mesmo da indústria cultural brasileira, que está
longe de ser uma indústria tão forte quanto à americana citada por Hal Foster. Mas, que
tiveram suas paredes legitimadoras institucionais ultrapassadas e ao mesmo tempo abriram
suas portas para que elas fossem ultrapassadas e para que o artista retornasse pela porta da
frente em um dado momento.
128
Em outras palavras, o espaço físico contemporâneo em princípio se parece com um
espaço libertário e quase anárquico onde qualquer manifestação é cabível, entretanto, tais
manifestações só serão cabíveis depois que o artista obtiver uma “licença” ou autorização para
a execução de seus projetos. É o que se poderia chamar de liberdade vigiada.
No entanto o aspecto positivo encontrado na contemporaneidade se compararmos,
sobretudo com as dificuldades dos artistas para desenvolver e contribuir com a cultura do país
durante os anos de ditadura, por exemplo, é que ao menos atualmente é possível além de uma
liberdade no discurso, uma liberdade de produção e execução de projetos com temas mais do
que variados.
Dentro do Imaginário Periférico as discussões estão abertas e oscilam entre o campo
cultural pós-moderno e o campo social pós-moderno, mas relativamente, sem censuras ou
proibições.
O termo “relativamente” foi empregado como exemplo de uma ocasião específica em
que um dos artistas que estava participando de uma exposição dentro de um espaço
institucional teve o seu trabalho cortado ou mesmo “censurado”, por ter sido considerado
pornográfico pelos representantes da instituição, durante sua montagem. Este fato foi relatado
como a única vez em que um trabalho enviado não pôde ter sido apresentado.
Sobre esse episódio que foi descrito durante a entrevista do artista plástico e professor
da Escola de Belas Artes da UFRJ, Júlio Sekiguchi comentou-se o seguinte: “... o que a gente
viu também é que as instituições em que a gente expôs os trabalhos, que o Periférico utilizou
às vezes de uma prefeitura, é que faziam uma censura, às vezes porque achavam que aquilo
era pornográfico ou que achavam que tinha uma raiz política muito forte (...) a população
sempre ficou do lado da gente, como teve um trabalho que teve que ser retirado por questões
até morais, diziam que eram coisas obscenas e a sociedade sempre defendeu, nunca teve
problema, muita gente nem via, o censor é que via uma imoralidade e tal, às vezes nem
explícita, está mais na cabeça dele.”81
Um outro exemplo de censura na Arte Contemporânea ou dessa “liberdade vigiada”
presente na pós-modernidade aconteceu recentemente com o trabalho póstumo da artista
Márcia X “Desenhando em terços” de 2002, que foi cortado da exposição coletiva
denominada “Erótica: Os sentidos na Arte”, no Centro Cultural Banco do Brasil no Rio de
81 Júlio Sekiguchi em depoimento gravado à autora. Em anexo.
129
Janeiro em 2006. Fato que causou inúmeros protestos entre os artistas, críticos de artes,
historiadores, curadores, entre outros.
Contudo, pode-se protestar contra esse tipo de autoritarismo das instituições, sem
retaliações pessoais, como acontecia durante o período da ditadura. Infelizmente a censura a
algumas obras ainda ocorre nos dias de hoje. Em vez de ser praticada por governos ditatoriais
ocorre por incompreensão dos membros não-especializados em arte que atuam por trás das
instituições culturais ou do poder público, como ilustraram os exemplos acima.
Para a lógica do Imaginário Periférico a crítica à instituição é feita, mesmo quando se
está dentro dela ou atuando com o apoio dela, e o paradoxo é admitido.
E tais características perpassam o próprio Imaginário Periférico e são atribuídas à Pósmodernidade.
O que prevalece é um determinado sentido de esquizofrenia, de fragmentação,
de caos e paradoxo conforme enumera o teórico David Harvey.
A própria denominação do grupo já levanta as questões conflitantes relativas a esse
desenvolvimento caótico urbano, constatando áreas de periferia que transitam em torno das
áreas centrais.
A criação de uma identidade (periférica) para essas áreas através da reunião de artistas
de diversas linguagens, reflete tal estado pluralista e orgânico, à medida que o resultado das
ações acaba por mobilizar coletivamente um grande número de expressões artísticas
individuais, todas reunidas ainda sob a perspectiva de um mesmo discurso periférico.
Mesmo que os artistas do Imaginário Periférico sejam obrigados a atuar sob a
autorização de um campo de poder que está acima do campo cultural, ainda é pertinente que
suas discussões se concentrem em torno de questões que procuram investigar, o “caldo
cultural” produzido nas áreas de periferia do Rio de Janeiro.
Além é claro das inúmeras reivindicações que já foram apontadas anteriormente e que
de um modo geral refletem as situações não apenas de uma classe econômica, como também
de uma classe de artistas contemporâneos brasileiros. Argumentação que assenta a questão do
contexto, tornando a produção do Imaginário Periférico fundamentalmente contextual e
indissociável do quadro sócio-político e cultural carioca.
Assim como na maior parte da Arte Contemporânea, a produção artística oferecida pelo
Imaginário Periférico não tem uma finalidade estética ou de contemplação de um público
passivo e especializado em arte, que é o público dos Museus, por exemplo. Boa parte dos
130
eventos organizados pelo Imaginário Periférico foi apresentada ao ar livre como, por
exemplo, a “Performance Plástico-Sonora”, a “Feira de Trocas e Pechinchas”, o “Imaginário
Periférico saúda São Gonçalo lá na praia das pedrinhas”, “Antifutebol, Antiarte”, entre muitas
outras. Abaixo imagens ilustram a ocupação do campo de futebol realizada em São Gonçalo
através do trabalho dos artistas Luciana Ribeiro e Cláudio Cambra respectivamente:
46. Luciana Ribeiro. “Bola”.
“Antifutebol e Antiarte”. 2006.
47. Cláudio Cambra.
“Antifutebol e Antiarte”. 2006.
131
Tal intervenção transformou, durante o período de uma partida de futebol, o espaço
físico do campo de futebol (Campo do Gradim Futebol Clube), num espaço para instalações,
performace e happenings, entre outras manifestações, como ilustra a fotografia acima, do
artista montando seu trabalho a partir das traves do gol.
Portanto, existe também grande influência do entorno para que um evento do
Imaginário Periférico fique perfeitamente integrado às suas intenções e apresentação como
coletivo artístico. No caso da intervenção num campo de futebol, o que estava realmente em
pauta era dessacralizar o campo de futebol, pois a ação se deu nas vésperas do início da Copa
do Mundo de 2006, e já se vivia o clima alienador da euforia brasileira arrebatadora e
apaixonada pelo futebol “arte”.
Os artistas procuravam exatamente fazer uma crítica irônica e bem humorada à
instituição, dessa vez a do futebol e também à realidade social brasileira, que fica sempre em
segundo plano, em épocas de Copa do Mundo.
Cabe salientar também que dentro do Imaginário Periférico existe um desejo de oferecer
uma arte para o público, no sentido literal de uma arte mais democrática ou de livre acesso,
livre das mediatizações feitas por curadores em Museus e galerias, nesses espaços públicos
que foram situadas as ações citadas acima.
Não que o coletivo planeje suas ações de maneira a desenvolver uma situação que só
poderia ser interpretada a partir da concepção de um “site specific”, mas o entorno,
principalmente quando representado pelo espaço urbano de acesso público e irrestrito,
contribuiu sim para que o coletivo alcançasse esse contato direto com o público.
Isso reflete um interesse contemporâneo dos artistas em interagir a partir das formas
mais variadas com o público. Principalmente, como no caso do Imaginário Periférico, com o
público não acostumado com eventos culturais, obtendo respostas surpreendentes, leituras
extraordinárias por parte desse público, que é justamente o que vai interessar aos artistas do
coletivo de forma estratégica.
Essa estratégia desenvolvida pelo Imaginário Periférico fica mais evidente em eventos
em que o coletivo manteve sua curadoria própria, ou seja, a mediação feita entre arte e
público foi elaborada pelos próprios artistas e não por curadores, ou críticos, como acontece
geralmente em eventos acolhidos pelas instituições culturais. Um bom exemplo de como a
curadoria própria do Imaginário Periférico facilitou na aproximação com o público ficou claro
no evento elaborado na praia das pedrinhas em São Gonçalo.
132
Na época houve uma consulta por parte dos artistas à população local, para que os
artistas pudessem enfim saber qual tipo de evento o público gostaria de assistir. Então, podese
dizer que em casos como esse, o público acabou tendo voz na escolha do que gostaria de
ver ou não, mesmo sendo um público não acostumado com eventos de Arte Contemporânea.
Em trecho do texto presente no catálogo da intervenção na praia das pedrinhas e
assinado pelo artista Hélio Branco este fato fica ainda mais claro, como uma estratégia que se
consolida, talvez com a finalidade de além de conseguir uma popularidade, alcançar cada vez
mais a visibilidade no campo cultural. Segue o trecho abaixo: “A consulta à população, ao
poder público e à iniciativa privada locais são imprescindíveis no sentido de se encontrar a
melhor solução possível para tornar o evento amplamente satisfatório a todos os seguimentos
envolvidos.”82
Portanto, pode-se perceber com esse excerto que a pesquisa foi feita, além do público,
também ao poder público e a iniciativa privada, o que retorna à questão levantada
anteriormente sobre uma análise sociológica que demonstra que a busca por autonomia no
Imaginário Periférico é relativa. Por mais que o grupo tenha uma curadoria própria, o que já é
uma característica peculiar que o diferencia de outros grupos, o coletivo não pode organizar
todo um evento sem em algum momento esbarrar na máquina burocrática, ou em outras
palavras, sem fazer política com os demais segmentos envolvidos.
O que importa para as proposições desta etapa da dissertação é compreender como um
coletivo de artista como o Imaginário Periférico consegue se deslocar entre as diversas regiões
do Rio de Janeiro, estendendo esse movimento até a intervenção em Paris, na Nuit Blanche,
(ou seja, fora do Brasil) e ainda retornando frequentemente à periferia de origem.
Portanto, o espaço físico contemporâneo fica caracterizado através do deslocamento
(também físico) do Imaginário Periférico como um movimento constante, sem direção fixa, e
capaz de abarcar tanto o apoio das instituições públicas, quanto das instituições privadas,
reunindo dessa forma meios para viabilizar as práticas desenvolvidas pelo grupo tais como: a
intervenção urbana, a performance coletiva, happenings, entre outros.
Ao se retornar à questão do “meio de arte”, primeiro questionamento levantado pelo
coletivo, chegar-se-á à conclusão que: é lógico que existe um “meio de arte” que está
privilegiado por sua localização geográfica e proximidade com o circuito de arte. O que
82 Trecho extraído do folder escrito pelo artista Hélio Branco presente na intervenção “Imaginário Periférico
saúda São Gonçalo na Praia das Pedrinhas”. Rio de Janeiro. 2005.
133
implica dizer, que quanto mais distante do circuito de arte, mais distante será o acesso à
própria arte que circula no sistema ou que é apresentada pelo mercado como tendência.
No entanto, o fato de haver um verdadeiro caldeirão cultural em regiões remotas e com
difícil acesso às áreas centrais e da zona sul do Rio de Janeiro, sugere fortemente que mesmo
com o fator da improbabilidade agindo contra, é possível sim, retirar essa riqueza cultural do
anonimato, através de intervenções como as organizadas pelo Imaginário Periférico.
Por esses motivos é que o grupo cresce em importância, além de ser atualmente um
agente que emana cultura, o coletivo também funciona como um agente que revela uma
cultura que de outra forma ficaria confinada a essas áreas econômica e socialmente
desprivilegiadas.
De outra forma, pode-se dizer que o espaço físico de acomodação da arte
contemporânea exemplificado com o espaço físico de atuação do Imaginário Periférico
encontra uma variedade de ambientes que contribuem de forma positiva para o fortalecimento
do coletivo, à medida que implica no fortalecimento dos elos cooperativos que viabilizam as
ações nessas diversas localidades. Um evento do coletivo pode ocorrer em qualquer parte da
cidade, desde que exista uma pré-organização concatenando os poderes público e privado.
Boa parte da produção do grupo ganha em termos de identidade, ou seja, o Imaginário
Periférico dialoga com do público não-especializado em arte, ao se aproximar, através de uma
taxionomia encontrada em sua produção imagética, dos signos que são consumidos
diariamente e que impregnam o imaginário desse público.
Portanto, o espaço físico contemporâneo, fica caracterizado também em relação à
questão de sua acomodação e ampliação por abrigar diversos espaços “extramuseológicos.” 83
São exatamente nesses espaços extramuseológicos e alternativos que vão se desenvolver
as condições necessárias para o estabelecimento de uma identidade, representada pelo
Imaginário Periférico, como uma identidade legítima da “periferia”.
Tal processo será analisado com mais detalhes no último tópico deste capítulo. A seguir
serão apresentadas as relações possíveis entre o espaço institucional (público e privado) e o
espaço não-institucional que delineiam as grandes cidades.
83 Definição retirada da obra de Arthur Danto encontrada no livro “Após o fim da arte: A Arte contemporânea e
os limites da História”. O autor vai definir espaços extramuseológicos da seguinte forma: “os espaços
extramuseológicos são, durante a existência da arte, recintos apartados dos museus, e o público recebe
informações principalmente como corpo consultivo...”
DANTO, Arthur C. Após o fim da arte: A arte contemporânea e os limites da história. São Paulo. Odysseus
Editora. 2006. p.203
134
4.1. O espaço institucional público e privado x o espaço não-institucional
Intensificando as discussões abertas sobre o espaço físico de acomodação da Arte
Contemporânea e utilizando o espaço físico de atuação do Imaginário Periférico como estudo
de caso, divide-se uma categoria de espaços que serão aqui denominados: espaços
institucionais (público e privado) e espaços não-institucionais.
Portanto cabe definir as noções relativas a espaços institucionais e a espaços nãoinstitucionais.
Os espaços institucionais tanto o público quanto o privado são aqueles espaços
destinados a acolher a produção cultural do país de acordo com uma seleção que é feita por
membros que podem ou não estar diretamente ligados ao campo intelectual ou mundo das
artes. Geralmente essa função de selecionar, organizar e apresentar as obras de arte para o
público em forma de exposições, mostras, coletivas, entre outras é exercida por curadores,
colecionadores, críticos ou a figura do marchand, que fazem a mediação entre arte, artista e
público e estabelecem dessa forma o que é arte e o que não é.
Como exemplo de espaços institucionais privados pode-se citar o SESC, que cabe
lembrar, foi a primeira instituição a apoiar o Imaginário Periférico dando início a série de
exposições itinerantes do grupo.
Para compreender melhor como se caracterizam esses espaços é preciso definir o que é
o SESC e como ele funciona e para qual público está direcionado.
O SESC, portanto é uma instituição que se mantém com o apoio da iniciativa privada
constituída por empresários do comércio de bens e serviços. Tem a finalidade de atender a
demanda relacionada ao bem-estar social de seus associados. Desta maneira vem atuando em
diversas áreas como: lazer, saúde, educação, entre outras. Mas, o que interessa é a área da
cultura que vai interagir diretamente com o Imaginário Periférico.
No tocante à cultura, a iniciativa do SESC tem conseguido enfocar um público que vai
muito além do público formado pelos trabalhadores do comércio de bens e serviços, atingindo
também o público das periferias de cidades de grande, médio e pequeno porte.
E, apesar do SESC ser uma instituição privada, também necessita de parcerias com o
poder público, com as empresas privadas, com os sindicatos e também com algumas
associações de moradores.
Portanto, o alvo do SESC, ou seja, o público ao qual a instituições dialoga diretamente é
o mesmo público que o Imaginário Periférico também objetivava dialogar, este é um dos
135
motivos pelo qual o apoio da instituição não comprometeu a intenção discursiva dos artistas,
que se manteve a mesma ao longo de todas as itinerâncias.
As primeiras exposições do Imaginário Periférico ficaram então marcadas pelo apoio da
instituição do comércio, que é voltada para atender a população, sobretudo da periferia,
portanto, dentro de seu planejamento cultural, nada mais coerente que apresentar um coletivo
que possuía uma linguagem também voltada para a periferia.
Em suma, se o SESC ganhou com a inclusão do Imaginário Periférico em sua pauta de
eventos culturais, o Imaginário Periférico também ganhou em visibilidade, conseguindo
percorrer justamente as áreas onde os artistas localizavam a enorme defasagem de eventos
culturais, como foi a caso das exposições nas galerias dos diversos SESC: em Nova Iguaçu,
Friburgo, Madureira, São João de Meriti, entre outros.
Além do caso do SESC, outros espaços institucionais privados também são
representados por Centros Culturais como, por exemplo, o Centro Cultural Banco do Brasil,
as Casas de Cultura (geralmente dependentes de uma iniciativa privada), as Galerias de Arte,
e se poderia citar o convite feito pela Galeria 90, ao Imaginário Periférico no ano de 2006.
Essa exposição dentro de uma galeria situada na Gávea (zona sul do Rio de Janeiro)
mostra uma vez mais o deslocamento do coletivo capaz de ocupar realmente qualquer espaço.
Até mesmo o espaço de uma galeria, que em princípio poderia ser considerada um
espaço meramente elitista, e, portanto incapaz de acolher sem um teor hipócrita o discurso
periférico. Mas a maneira com que o coletivo organizou a exposição acabou por eliminar essa
possibilidade fazendo com que as noções de centro x periferia de fato se descentralizassem.
Com isso o Imaginário Periférico conseguiu deslocar a noção de “nicho periférico” que
seria uma especificidade limitante, para uma noção relativa e assim se apresentar em qualquer
área que desejasse, ou seja, o discurso não deixou de ser “periférico” ou de carregar uma
identidade “periférica” porque a intervenção foi executada numa área não-periférica.
Mais do que isso, adequaram os inúmeros trabalhos que foram mandados para a
exposição, aproximadamente 180 obras, que deveriam ser acomodadas de maneira
equivalente em relação ao pequeno espaço oferecido pela galeria.
Dessa condição foram elaborados os varais nos quais os trabalhos foram pendurados em
sacos plásticos e poderiam ser manipulados pelo público, constituindo uma verdadeira
instalação com o corpo geral dos trabalhos dispostos ao longo da galeria.
Em depoimento recolhido sobre a exposição na Galeria 90 e sua execução afirma o
artista plástico Jorge Duarte: “É, a Galeria 90, não tinha um tema, tinha uma escala e uma
questão física das obras, porque a gente precisava ter segurança de poder colocar todas as
136
obras lá dentro. Então se criou um limite, que seriam obras planas de um tamanho x que
fossem caber numa sacola, que seria pendurada como num varal, que era uma maneira de
viabilizar uma montagem, que a gente não sabia em princípio quantas pessoas gostariam de
participar.”84
Para melhor visualização da forma de acomodação dos trabalhos exibidos na Galeria 90,
fica abaixo ilustrado com uma fotografia retirada da coleção particular do artista plástico
Raimundo Rodrigues:
48. “O saco é o limite”. Galeria 90. 2006.
Esses exemplos citados acima são importantes para a análise das relações entre o
Imaginário Periférico e os espaços de acomodação cedidos pelas instituições privadas, o que
muda e o que não muda quando o grupo se apresenta nesses espaços, e se existe alguma
incoerência com o discurso. Essas são as questões que devem ser confrontadas quando o
ponto de vista se desloca para as ações do grupo a partir dos espaços em que eles se
apresentam. Até porque o coletivo carrega em seu nome a denominação de um espaço que
está totalmente inserido em um contexto de especificidade, mas sem que com isso, como foi
dito, ele crie um nicho à parte.
Já os espaços institucionais públicos, (tratando-se apenas do Rio de Janeiro), são
aqueles espaços também destinados ao acolhimento da produção cultural, como foi
mencionado acima, e histórica do país.
São comumente representados por entidades como Museus, tais como: O Museu
Nacional de Belas Artes (MNBA), o Museu de Arte Moderna (MAM), o Museu de Arte
Contemporânea (MAC), o Museu da Imagem e do Som (MIS), entre outros.
84 Jorge Duarte em depoimento gravado à autora. Rio de Janeiro. 17 de Outubro de 2007. Em anexo.
137
Nesses espaços institucionais públicos encontram-se a figura do profissional de Museu,
o administrador cultural e o agente cultural.
Portanto, a idéia de um espaço institucional público está diretamente relacionada à idéia
de um poder público, que é quem vai financiar esses espaços. Daí a precariedade encontrada
em muitos dos Museus citados, o descaso das autoridades em relação a necessidade de se
rever uma política cultural que de fato funcione, a falta de verbas para a manutenção e
conservação dos acervos artísticos históricos, são alguns dos inúmeros problemas encontrados
nesses espaços.
Na visão do professor da Escola de Comunicações e Artes e também diretor do Museu
de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo, Teixeira Coelho o espaço público
como uma construção, a priori, é definido da seguinte forma:
O espaço público é a construção social de processo de elaboração mais próxima do
processo de elaboração da arte que se pode imaginar – e não é por nada que o espaço
público qualificado é aquele que se faz com a obra de arte.
...Um país sem um sistema artístico minimamente estruturado dificilmente pode
contar com uma rede de espaços públicos que valham o nome. 85
É claro que o que está em foco nesse capítulo não é o conceito de “espaço público”, que
em princípio abarca os espaços tanto institucional, como os não-institucionais destinados ao
lazer ou a usos utilitários da população, entre outros. No entanto é interessante observar qual é
a relação ideal entre esse espaço público conceituado por Teixeira Coelho, um sistema de arte
bem estruturado e o tecido social que o habita ou experimenta.
Voltando ao objeto da pesquisa, pode-se afirmar que o Imaginário Periférico se
organizou de forma a fazer críticas bem irônicas em relação não só às condições dos Museus
atualmente, como também em relação às políticas culturais ineficientes obedecidas por essas
instituições e implantadas nos últimos governos, sobretudo o atual. Basta recordarmos do caso
da intervenção “MAC Vazio” de abril de 2007 e do próprio manifesto “Fome Zero Cultural”.
Embora o Museu (MAC) tenha aberto suas portas (mesmo que só o lado de fora), para
que os artistas fizessem suas intervenções no espaço concedido, em nenhum momento o
Museu foi poupado das críticas e reivindicações pela revisão das políticas culturais.
O que na realidade importou para a maioria dos artistas que participaram do evento foi o
processo de ocupação do espaço institucional público, e em como essa ocupação inserida num
contexto bem humorado de protesto resultou numa experiência de troca e confraternização
entre as artistas. Fato que vai de encontro com uma outra visão de espaços públicos dada por
Teixeira Coelho no mesmo livro citado acima: “Espaços públicos são aqueles onde há uma
85 COELHO, Teixeira. Guerras Culturais. São Paulo. Editora Iluminuras. 2000. p. 114. p. 115.
138
troca, uma experiência vivida em comum. Esses são os espaços que por natureza favorecem o
desenvolvimento de uma cultura política.” 86
Segundo a visão de Teixeira Coelho quando esses espaços promovem um tipo de troca
entre os membros da sociedade, se estabelecem as condições necessárias para o amplo
desenvolvimento de uma sociedade pacífica e consciente de seu papel na coletividade e
principalmente da sua própria individualidade.
É o que o autor vai nos sugerir com o conceito de “cultura política”, ou seja, uma
cultura que se desenvolve na sociedade e que, posteriormente, vai garantir uma boa
convivência dentro das cidades.
E ainda, em termos voltados para uma administração pública, implica em uma garantia
de que o regime político é capaz de manter uma unidade do governo como país ou bloco.
Portanto, o desenvolvimento de uma “cultura política” seria imprescindível para
contribuir com um bom desenvolvimento de uma política cultural, que é a principal
reivindicação feita pelo Imaginário Periférico, apontada como uma política excludente e
ineficaz quando planejada para atender a qualquer área, seja ela central ou periférica e que
fica ainda mais clara com o depoimento do artista Júlio Sekiguchi: “Eu acho que o descaso
pra cultura é independente. Existe um fomento maior nessas áreas centrais, mas esse fomento
não é direcionado a nada. Então, no fundo é tão vazio quanto o outro também (...) Porque
afinal de contas se a pessoa quando exerce a criatividade dela, ela está se colocando ali
como um ser humano produtor, em relação a tudo que o cerca ele é que faz aquilo, então isso
é uma proposição política e até certo ponto revolucionária. Então, o que a gente quer é que
isso seja pra todo mundo e não especificamente pra uma área, isso é uma coisa que todo ser
humano deve ter direito, então dessa forma ela é sim uma questão política.”87
Entretanto, nem sempre o Imaginário Periférico está em posição de confronto com o
poder público, muitas vezes, como foi amplamente analisado, o coletivo conseguiu crescer
justamente por desenvolver em sua base organizacional um diálogo aberto com as prefeituras
e secretarias de cultura dos municípios das áreas periféricas.
A partir desse apoio do poder público representando pelos órgãos citados é que o
Imaginário Periférico conseguiu viabilizar a maior parte de suas intervenções que ocorreram
no que aqui está classificado como “espaço não-institucional” em oposição aos espaços
institucionais público e privado.
86 Obra citada. p. 134.
87 Júlio Sekiguchi em depoimento gravado à autora. Rio de Janeiro. 20 de Setembro de 2006. Em anexo.
139
Em outras palavras, a denominação desenvolvida para o espaço não-institucional
consiste em espaços inusitados espalhados pela cidade (seja área periférica ou central) e que
em princípio não possuem nenhuma característica específica para o acolhimento de uma
apresentação artística ou de cunho cultural, diferentemente dos outros espaços institucionais
que foram conceituados anteriormente.
Ou seja, os espaços não-institucionais são aqueles espaços que em nada lembram as
paredes institucionais de Museus e galerias de arte. Por este mesmo motivo também são
chamados de espaços “incomuns” e remetem ao termo que também foi utilizado
anteriormente nesta dissertação, quando os artistas conceituais começaram a explorar alguns
espaços inusitados de apresentação da Arte Conceitual. Esses espaços foram exemplificados
com o desenvolvimento dos processos de performance, happenings, instalações e
intervenções urbanas.
No caso do Imaginário Periférico, comparando-se o número de intervenções urbanas
realizadas pelo grupo desde 2002 até 2006, como foi visto na cronologia proposta, chegar-se-á
a conclusão de que boa parte dos eventos do Imaginário Periférico aconteceu nesse espaço
incomum e ultrapassou a noção de grande epicentro urbano das áreas centrais do Rio de
Janeiro.
Antes mesmo de citar alguns dos eventos executados no espaço não-institucional, é
preciso reiterar o fato de que todas as intervenções nesses espaços passaram pelo apoio,
mesmo que mínimo, do poder público e muitas vezes também da iniciativa privada.
Uma das mais interessantes intervenções e que foi comentada na análise da produção
imagética do grupo foi a “Feira de Trocas e Pechinchas” ocorrida em 2005 e que se
concentrou na Praça da Cinelândia, no centro do Rio de Janeiro.
Essa intervenção urbana ganhou proporções que nem mesmo os idealizadores da ação
poderiam ter previsto, se transformando posteriormente numa espécie de passeata que
agregou centenas de artistas que fizeram uma caminhada até a sede da FUNARTE situada à
Rua da Imprensa.
Outra intervenção que também pode se inserir na categoria de espaço não-institucional
foi a “Performance Plástico-Sonora”, pós-caranaval realizada em Pau Grande.
A idéia de executar esse tipo de intervenção nasceu da vontade lúdica do artista Jorge
Duarte (que também foi o idealizador da “Feira de Trocas e Pechinchas”), em associar Arte
Contemporânea a um bloco de carnaval.
Com isso o Imaginário Periférico foi convidado e desta iniciativa aparentemente
despojada foram apresentados trabalhos bem elaborados, cuja temática era a da construção de
140
trabalhos que tivessem além de um apelo visual, um aspecto funcional que se relacionariam
como instrumentos de carnaval. Daí, o nome “Performance Plástico-Sonora”.
Nas próprias palavras do artista idealizador da Performance, Jorge Duarte, a ação fica
definida da seguinte forma: “...foi um evento que surgiu assim, de um bloco nascente de
carnaval em que eu resolvi dar uma força pra esse bloco e fui me envolvendo, e num dado
momento eu percebi que eu podia contar com o Periférico para apoiar um evento do bloco,
somar ao bloco, criar uma performance coletiva de obras individuais, onde o bloco, que teria
uma bateria e tudo mais e que tinha uma relação com os antigos blocos de sujo que batiam
lata, daí eu formulei uma proposta de que as obras seriam todas Plástico-Sonoras. Todas
teriam que ter então além de um apelo visual, alguma coisa sonora de formar um
instrumento, alguma coisa que você poderia arrastar pelo chão, enfim...”88
A “Performance Plástico-Sonora” foi tão bem sucedida que acabou sendo repetida
posteriormente pelos artistas do Imaginário Periférico em outros espaços tais como: uma
galeria na UFF, e no MAC - Museu de Arte Contemporânea de Niterói (espaços
institucionais).
Abaixo encontra-se o registro fotográfico como referência visual de um dos muitos
trabalhos produzidos durante a “Performance Plástico-Sonoro” executada em Pau Grande, de
autoria do artista plástico Mário Barata, a “Bolata” era um objeto esférico moldado por
vergalhões e que quando arrastado produzia um som peculiar, em seu interior foram inseridas
inúmeras latas de cerveja vazias na estrutura de ferro em formato de bola que podia ser
manipulada pelo público, sendo deslocada e manejada de um lado para o outro de forma
lúdica.
49. Mário Barata.
“Bolata”.
“Performance Plástico Sonora”. 2003.
88 Jorge Duarte em depoimento gravado à autora. Rio de Janeiro. 17 de Outubro de 2007. Em anexo.
141
Outra intervenção que pode também ser citada como um exemplo de ocupação de um
espaço incomum foi a ação intitulada “Salve São Bernardino” de 2003, que também teve o
apoio e a licença da Prefeitura da Cidade de Nova Iguaçu e da Secretaria de Cultura e
Turismo. Realizada em um espaço remoto e não tão urbanizado quanto o centro de Nova
Iguaçu, essa intervenção é um exemplo radical, posto que foi planejada para ocupar um
espaço bastante improvável para este tipo de evento, e que teve participação intensa da
comunidade local, através da própria divulgação do coletivo.
Uma das frases mais interessantes e que define parte do pensamento nômade do
Imaginário Periférico, e que permite com isso que o grupo consiga se manifestar de maneira
criativa em lugares diversos, fica representda pela declaração do artista Roberto Tavares: “As
praças, as lonas de circo ou as ruínas de prédios históricos são as nossas galerias, por isso
que eu acho que as poéticas são bastante livres.”89
Nessa ocupação realizada em Nova Iguaçu, o Imaginário Periférico através de seu
folder de divulgação já convidava de imediato a população a uma reflexão artístico-social.
Com a participação de aproximadamente vinte e sete artistas que ocuparam toda a
extensão da fazenda abandonada, e que possuía um casarão histórico que foi brutalmente
depredado ao longo dos anos pela própria população, e por conseqüência do descaso do poder
público, o que o coletivo procurou evidenciar nessa intervenção foi justamente a necessidade
de se preservar um patrimônio histórico.
Mais uma vez o coletivo atua com a preocupação social de disseminar entre a população
local o hábito de preservação executando uma intervenção de “site specific”.
A ocupação do local promoveu o desenvolvimento de diversos trabalhos conceituais
que ficam ilustrados com as fotografias abaixo:
50. Mirela Luz.
“Salve São Bernardino”. 2003.
89 Roberto Tavares em depoimento gravado à autora. Rio de Janeiro. 31 de Outubro de 2007. Em anexo.
142
51. Roberto Tavares.
“Presente para São Bernardino”.
“Salve São Bernardino”,2003.
O principal evento realizado pelo Imaginário Periférico que foi a intervenção na Central
do Brasil em 2003, e que já foi amplamente analisado, também é um exemplo de ação
planejada em um espaço inusitado de acomodação da Arte Contemporânea, que foi o espaço
da estação da Central do Brasil.
Embora esta ação tenha sido viabilizada com o total apoio da SuperVia, que é uma
instituição privada, é evidente que o espaço escolhido para os artistas executarem as ações,
não foi em hipótese alguma um espaço criado para essa finalidade.
Este fato classifica a intervenção na Central, como uma intervenção em um espaço nãoinstitucional,
ou seja, um espaço que não foi construído por uma instituição com a finalidade
de acomodar a produção cultural, portanto, um espaço neutro nesse sentido.
A instituição por trás do coletivo acaba sendo caracterizada muito mais por sua
colaboração, por pertencer ao elo cooperativo com a função principal de viabilizar o evento
fornecendo o espaço, material, entre outros, do que pelo peso da instituição em si.
É possível afirmar que nunca antes a estação tivesse apresentado um evento como foi o
“Imaginário Periférico na Central do Brasil”. Assim como é bem provável que grande parte
do público, ou seja, dos usuários de trem, os trabalhadores em geral, tivessem visto pela
143
primeira vez um grupo de artistas plásticos, músicos, poetas, dançarinos, entre outros, em
plena atividade (da montagem dos trabalhos, às performances individuais e coletivas).
Resumidamente, o que pode ser inferido da relação entre o Imaginário Periférico e os
espaços institucionais público e privado é que para o coletivo acomodar a sua produção e
todos os seus integrantes, muitas vezes houve a necessidade de um planejamento mais
detalhado com a finalidade de não excluir a participação de nenhum integrante, devido às
limitações impostas pelos espaços institucionais.
Por outro lado é possível também afirmar que em algumas situações houve um aumento
do número de artistas interessados em participar do evento proposto pelo coletivo por conta
da visibilidade conquistada pelo grupo que se tornou capaz de entrar e sair dos meios de arte
institucionalizados.
Essa “mão-dupla” de entrada e saída dos meios institucionais de arte, para muitos
artistas que passaram pelo grupo, poderia se converter em uma estratégia alternativa de
inserção no mercado de arte.
Já as intervenções que ocorreram nos espaços não-institucionais, (ou em espaços
inusitados), em sua grande parte acabaram por se caracterizar como ações ainda mais abertas
ou mesmo, ainda mais democráticas. Visto que o próprio público foi convidado a interagir e
participar com o coletivo. Tais ações obtiveram ainda mais visibilidade e acompanhamento da
mídia, o que também só fortaleceu o processo de construção de uma narrativa identitária
iniciada no coletivo já a partir de suas primeiras exposições.
Desta visibilidade conquistada e da aproximação entre artistas e público é que podem
ser localizados os pontos de convergência onde serão construídas as noções de uma
“identidade periférica”.
Partindo dessas noções de identidade é que se levanta a hipótese do último tópico deste
capítulo e que será investigada a seguir: É possível a construção de uma linguagem periférica?
144
4.2 Noções de identidade: é possível a construção de uma linguagem periférica?
Neste último tópico, que se abre com uma pergunta inserida no quadro de hipóteses
desta dissertação, temos o questionamento acerca da construção de uma linguagem periférica.
Essa linguagem desenvolvida por boa parte dos artistas do Imaginário Periférico se
caracteriza por utilizar elementos, como foi visto na análise iconográfica da produção do
grupo, que pertencem à cultura de massa e a cultura popular.
Tal tipologia é uma construção que vai dialogar diretamente com a idéia sugerida pelo
grupo de um “Imaginário Periférico”, fazendo com que o grupo crie uma identificação através
de seu discurso e imagem com os elementos próprios da periferia carioca.
Para auxiliar nos conceitos básicos da formação de uma identidade cultural pósmoderna
é necessário investigar a noção de identidade estruturada no livro: “A identidade
cultural na pós-modernidade” de Stuart Hall.
Para isso o autor em questão, introduz três concepções de identidade bem distintas, são
elas: o sujeito do Iluminismo, o sujeito sociológico e o sujeito pós-moderno, este último é o
que interessa para a presente pesquisa.
A partir da transição dessas três concepções chega-se ao sujeito pós-moderno, que é
considerado como desprovido de uma identidade fixa, essencial ou permanente.
São esses aspectos da identidade pós-moderna, e sua capacidade de se deslocar para
diversos discursos, que vão caracterizar a construção de uma identidade cultural em relação
ao Imaginário Periférico.
Nas palavras do autor, tem-se a importante asserção: “A identidade torna-se uma
“celebração móvel”: formada e transformada continuamente em relação às formas pelas
quais somos representados ou interpelados nos sistemas culturais que nos rodeiam”.90
Ao se aplicar tal concepção ao Imaginário Periférico, percebe-se que o grupo é capaz de
agregar diversos artistas de diversas linguagens, mostrando as características de uma
identidade pós-moderna, que é fragmentada e flexível, de acordo com as construções
narrativas.
Este fato fica mais claramente ilustrado quando se têm no Imaginário Periférico artistas
que possuem uma carreira fora do grupo onde apresentam linguagens e processos poéticos
que em nada lembram uma tipologia apresentada pelo Imaginário Periférico.
90 HALL, Stuart. A identidade Cultural na Pós-Modernidade .Rio de Janeiro: DP&A Editora, 1998. p. 12, p. 13.
145
Em outras palavras, a identificação com a idéia de periferia ocorre para muitos artistas
que participam do coletivo apenas durante as intervenções do grupo.
Essa característica circunstancial é que torna possível pertencer a um tipo de identidade
que é capaz de se deslocar continuamente.
Através das entrevistas concedidas pelos artistas este fato fica ainda mais evidenciado,
fazendo chegar à resposta para a pergunta de que não só é possível a construção de uma
linguagem periférica como necessária para o alcance de uma identidade periférica.
Na visão do artista plástico Roberto Tavares quando indagado sobre a construção de
uma identidade elaborada pelo Imaginário Periférico ficou constatada a seguinte análise: “É
claro, estamos vendo uma avalanche de produções na mídia enfocando os diversos mundos
culturais e sociais das nossas periferias. E ter a atitude periférica representa sim a
contemporaneidade.”91
A construção de uma “linguagem periférica” tem também uma função estratégica que
tanto serviria para agregar mais artistas ao coletivo, como para que alguns deles pudessem
penetrar indiretamente, sob a temática forte de uma linguagem própria da periferia, no
mercado de arte.
De outra forma, pode-se afirmar que boa parte dos artistas que compõem o grupo está
de acordo com uma construção narrativa que é representada pelo conteúdo discursivo que foi
analisado anteriormente. Mas, que no momento em que estão atuando no circuito das artes
fora do grupo, suas construções narrativas e/ou identitárias são outras.
É essa possibilidade de constante mutação que torna possível as identidades culturais na
pós-modernidade abarcar diversas linguagens em diversas situações e direções.
O fato de um artista participar de um evento do Imaginário Periférico pode conferir a
ele um status de artista, que será tão efêmero ou tão condicionado àquele momento específico
em que o evento está acontecendo, quanto o fato desse mesmo artista manipular uma
linguagem periférica.
Em outras palavras isso significa que os artistas que participam do Imaginário Periférico
não ficam estigmatizados por apresentar nos eventos do grupo uma linguagem periférica, ou
mesmo, por sustentarem durante o evento uma identidade periférica, pois como foi visto, esta
identidade é móvel e mutável.
91 Roberto Tavares em depoimento gravado à autora. Rio de Janeiro. 31 de Outubro de 2007. Em anexo.
146
O que fica bem claro no tocante a questão das linguagens e de uma construção
identitária é que os seis fundadores do Imaginário Periférico desenvolveram essa “linguagem
periférica” a partir de vivências em localidades consideradas periféricas, portanto legítimas.
Em entrevista concedida pelo artista plástico e professor de pintura da Escola de Belas
Artes da UFRJ, Júlio Sekiguchi, quando perguntado sobre a influência da observação do
entorno da Baixada Fluminense na construção do seu trabalho apresentado junto ao coletivo, a
resposta obtida foi: “(...) agora essa vivência que a gente tem lá é que influencia no trabalho,
não como uma forma de contestação também, mas pela facilidade daquilo passar a fazer
parte de uma forma integrante mesmo na construção do personagem do artista, personagem
que está sendo influenciado por tudo aquilo e que ele vai se refletir naturalmente, eu acho
que pra quem tem a vivência lá, aquilo não é uma fachada, aquilo faz parte da realidade, não
é no sentido de fazer nenhum alerta nem nada, por que é mais fácil da gente trabalhar.”92
Portanto, pode-se dizer que para alguns integrantes do Imaginário Periférico o que se
ambiciona é apresentar alguns elementos identitários, capturados através da vivência pessoal
de cada artista, em cada periferia, respectivamente. E, também um sentimento de valorização
à idéia construída de “identidade periférica” (visto que todo discurso sobre identidade e
também caberia dizer, sobre a idéia de “nação”, é um discurso construído, inventado).
Com um exemplo prático de uma importante intervenção realizada pelo Imaginário
Periférico, e que colocava justamente a questão da identidade no centro da ação coletiva, o
grupo foi convidado pelo também coletivo Chave Mestra de Santa Teresa a participar da
ocupação do casarão da Unei, em novembro de 2006.
Este evento chegou a aglomerar 63 artistas, entre os integrantes do Imaginário
Periférico e os integrantes da Chave Mestra. O objetivo do evento era o de realizar uma troca
de máscaras com o rosto em tamanho natural de alguns participantes do Imaginário Periférico
com os outros artistas que por lá estivessem.
Na convocatória que é realizada através do envio de e-mail eletrônico, o contexto da
ação foi descrito da seguinte maneira: “A sua participação é muito simples: apenas leve uma
máscara em técnica livre que melhor representa o seu rosto. O tema da ação é [Como você se
sente periférico]”.
AÇÃO:
Estaremos circulando pela casa com as máscaras, podendo vestir, pintar e intervir na
máscara do outro. Se quiser pode levar máscaras extras para a intervenção entre periféricos.
92 Júlio Sekiguchi em depoimento gravado à autora. Em anexo.
147
A cada fim de dia, estas máscaras ficarão expostas em uma sala aguardando o seu dono para
entrar em ação.”93
Numa intervenção em um espaço livre e inusitado, como um casarão construído no final
do século XIX, e uma vista privilegiada do centro do Rio de Janeiro, dentre o leque aberto de
opções para um tema, o coletivo escolheu repetir o mesmo tema que usou na ação feita
durante a Nuit Blanche na França, no ano de 2005, batizada de “Caras – Miscigenação”.
Da mesma forma, os artistas também enviaram seus rostos, em formato de máscaras a
serem trocadas com os artistas franceses ou passantes que estivessem porventura no evento.
Contudo no evento em Santa Teresa adicionaram ainda a seguinte pergunta: Como você
se sente periférico?
52. Periféricos no casarão da Unei, 2006.
É esse tipo de pergunta que vai fortalecer ainda mais e reiterar a construção de uma
identidade, que nesse momento de maturidade do grupo, já está até bastante consolidada.
Essa forma lúdica de tratar as questões de identidade cultural acaba pretendendo
reafirmar uma identidade “periférica”, ou que melhor dizendo, os artistas do coletivo
consideram “periférica”, própria de uma “periferia das artes”.
Em outras palavras, daquela área que não está integrada ao mundo das artes ou que
ainda não se institucionalizou ou como diria o sociólogo Pierre Bourdieu94, ao campo das
artes (campo cultural) estabelecido.
93 Meio eletrônico. 2006.
94 Ver BOURDIEU, Pierre. Coisas Ditas. In O campo intelectual: um mundo à parte. Brasiliense.
148
Este tipo de ação pretendeu promover encontros entre os coletivos das várias áreas do
Rio de Janeiro, na tentativa de realizar experiências em conjunto a partir de um local em
comum entre os artistas e também com o público participante, de maneira lúdica e
espontânea, com o intuito de deixar em aberto qualquer experiência sensorial e interpretativa.
Este é mais um reflexo da questão da identidade cultural pós-moderna conceituada pelo
teórico Stuart Hall ou o que poderia ser chamado de “jogo de identidades”.
No caso da ação comentada o que o Imaginário Periférico propõe é justamente um jogo
de identidades, onde diversos artistas, de outras linguagens, pertencentes a outros coletivos,
poderiam naquele momento em que a ação estava sendo executada trocar de “identidade”, e
assumir, naquele instante, a “identidade periférica”.
Esse questionamento foi repetido na ação que foi descrita anteriormente, e que ocorreu
no Museu de Arte Contemporânea de Niterói (MAC), em 2007. Além da ocupação na parte
externa do Museu, os artistas tiveram como objetivo fazer uma filmagem de vários integrantes
do grupo respondendo a mesma pergunta.
Portanto, já é notável a importância que uma construção identitária tem para a solidez
de um grupo, que através da visibilidade, sobretudo da visibilidade adquirida através da
mídia, tenta se estabelecer no meio de arte como um agente legitimador do “caldeirão
cultural” encontrado na periferia.
À medida que os artistas respondiam à pergunta: O que é ser periférico para você? Mais
respostas eram obtidas, de forma que a questão de uma definição de identidade “periférica” se
tornou cada vez mais elástica e capaz de abarcar as mais diversas experiências e definições.
Essas experiências variadas ficaram representadas pelas linguagens artísticas
empregadas por cada um, e por suas respostas individuais à pergunta proposta pelo grupo, ou
seja, mais uma vez o coletivo se estabelece ou mesmo se reinventou a partir da dicotomia
imagem x conceito.
Em uma outra exposição realizada pelo grupo, desta vez em Nova Friburgo, e com uma
produção muito bem executada, que teve como tema principal a questão da vestimenta como
elemento identitário, o coletivo colocou em pauta mais uma vez a questão da identidade
cultural e social. Organizada no Centro de Arte de Nova Friburgo, no ano de 2004, essa
exposição teve o apoio da Prefeitura de Nova Friburgo e apresentou uma série de trabalhos
altamente elaborados pelos artistas participantes.
A partir do texto escrito por Mauro Sá Rego Costa e que constava no panfleto
distribuído pelos artistas do coletivo pode-se definir a exposição:
149
“Os movimentos sociais atuais, principalmente nas camadas jovens, tem no vestir
um dos seus modos de expressão habituais (...) Mesmo no aparentemente mais
anódino, da dona de casa vestida para ir ao supermercado, a criança de uniforme da
escola pública, a massa dos sem-camisa, de bermuda e sandália japonesa, nas ruas
dos subúrbios cariocas e da Baixada. Ali tem o recado, ali está a política.”95
Desta forma, o Imaginário Periférico realizou uma exposição na qual a vestimenta
funcionava como elemento identitário que caracterizava hierarquicamente as classes sociais e
suas expressões variadas representadas por obras que remetiam ao universo dos jovens e suas
“tribos”, das donas de casa de classe média, dos menos privilegiados ou “descamisados”,
entre muito outros.
Mais uma vez, se utilizando da versatilidade de uma identidade cultural pós-moderna, o
coletivo investiga uma gama de signos que vão representar os mais variados atores sociais se
posicionando de maneira política quando lança o seu olhar diretamente para as questões
relativas às diferentes classes sociais. Este fato fica ainda mais claro com a assertiva feita no
mesmo texto por Mauro Sá Rego Costa: “O Imaginário Periférico Vestível aponta e abre
para o pensamento crítico essa superfície visual de nossa expressão coletiva e pessoal.”96. As
fotografias abaixo ilustram alguns trabalhos apresentados durante a exposição.
53. Artista desconhecido.
“Vestível”. 2004.
95 COSTA, Mauro Sá Rego. “Vestível”. Texto presente em panfleto distribuído pelo Imaginário Periférico
durante a exposição “Vestível” ocorrida em 26 de junho de 2004 no Centro de Arte de Nova Friburgo.
96 Idem.
150
54. Artista desconhecido.
“Vestível”. 2004.
55. Carlos Contente.
“Vestível”. 2004.
151
Portanto fica claro que a construção de uma “linguagem periférica”, ou seja, uma
linguagem artística multidisciplinar que se utiliza de signos que vão se desdobrar em
significados próprios de uma “periferia”, é imprescindível para a construção posterior de uma
narrativa, na qual o Imaginário Periférico se tornará um dos representantes legítimos, através
da noção de “identidade periférica”. Levanta-se então a hipótese de que criar uma “tipologia”
e assumir um “imaginário” que se classifica como periférico, acaba desta forma funcionando
também, conforme exposto, como uma estratégia com o objetivo de agregar mais artistas e de
promover uma identificação com o público.
Afinal, o coletivo já chegou a agregar mais de quatrocentos artistas em seus cinco anos
de existência. Esse número elástico de participantes representa muito mais que uma
estatística, chegando mesmo a ser considerado como um dos fatores responsáveis pelo grupo
se transformar, durante alguns eventos, em uma massa de artistas ou em quase um movimento
político, por possuir uma postura identitária fragmentada e móvel, capaz de acolher diversas
individualidades.
Em outras palavras, o Imaginário Periférico oferece um tipo de discurso e de produção
imagética que já contêm em si um universo bem amplo e relativo, capaz de abarcar inúmeras
manifestações artísticas.
Então, esse “sujeito pós-moderno”, (e aqui se entende por sujeito pós-moderno, tanto os
artistas quanto o próprio público), como não tem a necessidade de se fixar de maneira
hermética em um único discurso, ou em uma única identidade, acaba fomentando a
possibilidade de assumir identidades diversas em momentos diversos e efêmeros.
O que se oferece é um leque de identidades possíveis dentro do contexto da “periferia”,
um contexto variante e retórico, onde os próprios artistas do grupo criaram estratégias de
entrada e saída, pois como foi visto, alguns deles possuem um tipo de trabalho quando
atuando no coletivo e outro trabalho diferente quando atuando individualmente.
Essas questões refletem as características peculiares descritas no livro: “Identidade
cultural na pós-modernidade”, no qual se torna possível a compreensão de como o conceito de
identidade se fragmentou e em como essa própria fragmentação pode funcionar como um
aspecto positivo e estratégico dentro do processo de construção das identidades culturais pósmodernas.
E neste sentido, o Imaginário Periférico constitui um exemplo desse tipo de identidade
criada através de uma imagem e de um conceito, e com características multifacetadas e
flexíveis, capazes de atingir um grande número de pessoas, sejam eles artistas ou público,
periféricos ou não-periféricos.
152
Por outro lado, tem-se ainda o complemento teórico a partir do livro: “Não-lugares:
introdução a uma antropologia da supermodernidade” de Marc Augé, sobretudo no capítulo
“Dos lugares aos não-lugares”, de onde será possível compreender mais precisamente como o
autor conceitua o “não-lugar”, e como o Imaginário Periférico pôde ocupar um exemplo de
“não-lugar” estabelecendo fortes relações com o público e o espaço.
Diferentemente do tópico anterior que se aprofundava nas questões do espaço
institucional e não-institucional (espaço físico), neste tópico o que está em questão também, é
a construção de um espaço subjetivo a partir da construção narrativa de um lugar de
especificidade, ou seja, a periferia.
De acordo com os conceitos do antropólogo Marc Augé, ter-se-ía então o lugar da
identidade periférica como sendo a própria periferia (o lugar antropológico), e o “não-lugar”
da periferia se situaria justamente em locais onde as relações e os jogos de identidade se
reinventam incessantemente.
Essas características do “não-lugar” de possuir símbolos que saturam os indivíduos com
diversos significados e que ao mesmo tempo estabelecem relações impessoais são produzidas
pela “supermodernidade” de que fala o autor, e que fica exemplificada através de locais como:
as estações de trem, os aeroportos, os supermercados, as cadeias de hotéis, entre outros.
De outra forma pode-se dizer que o antropólogo coloca em evidência o conceito de
“lugar antropológico”, que seria o lugar onde o indivíduo forma sua identidade, a história do
lugar, e que carrega consigo através de um sentido inscrito e simbólico, com sua contraparte,
sendo chamada de “não-lugar”, que Augé vai definir como:
... Se um lugar pode se definir como identitário, relacional e histórico, um espaço
que não pode se definir nem como identitário, nem como relacional, nem como
histórico definirá um não-lugar. A hipótese aqui defendida é a de que a
supermodernidade é produtora de não-lugares, isto é, de espaços que não são em si
lugares antropológicos.97
O lugar do que poderia ser considerada uma identidade periférica, é a própria periferia,
ou seja, é um lugar construído, assim como os lugares antropológicos, e que se evidenciam
quando o indivíduo se desloca e reconhece, através de um estranhamento, outras partes da
cidade, outras realidades.
Nesse momento ele consolida a diferença, ou seja, sua própria realidade, e se estabelece
uma idéia de pertencimento que irá gerar a noção de identidade.
97 AUGÉ, Marc. Não-Lugares: introdução a uma antropologia da supermodernidade. São Paulo, 5ª edição:
Papirus, 2005. p. 73.
153
O que existe de fato é uma taxionomia que caracteriza a periferia, ou seja, uma série de
elementos da vida cotidiana nessas áreas que corporificam os trabalhos apresentados por
grande parte dos artistas que compõem o grupo.
O exemplo que mais se enquadra dentro das definições dos “não-lugares” produzidos
pela pós-modernidade começa exatamente no mesmo local onde o Imaginário Periférico
iniciou seu deslocamento para as áreas além da periferia, que foi através da importante
intervenção na Central do Brasil em 2003.
O local de acomodação dos trabalhos produzidos pelos artistas do coletivo foi em uma
estação de trem, que segundo Augé pode ser considerado um “não-lugar”, no sentido de que a
Central do Brasil representa um lugar de rápida circulação (trânsito), um espaço público onde
serão travadas relações impessoais e efêmeras.
Esse conceito fica mais claro quando o autor define o lugar e os não-lugares da seguinte
maneira:
O lugar e o não-lugar são, antes, polaridades fugidias: o primeiro nunca é
completamente apagado e o segundo nunca se realiza totalmente – palimpsestos em
que se reinscreve, sem cessar, o jogo embaralhado da identidade e da relação. Os
não-lugares, contudo, são a medida da época; medida quantificável e que se poderia
tomar somando, mediante algumas convenções entre superfície, volume e
distância...98
Alguns símbolos serão compartilhados entre os usuários da estação de trem (como o
passe de trem, por exemplo), esses símbolos da pós-modernidade, ou “supermodernidade” é
que vão juntamente com os símbolos (taxionomia) apresentados nos trabalhos dos artistas do
coletivo traçar durante um momento rápido, efêmero e fugidio uma unidade entre os usuários
da estação, o espaço e os artistas.
Também é necessário destacar que o “não-lugar” que a Central do Brasil constitui,
funciona como um grande espaço para anúncios e propagandas dos mais diversos produtos,
pois é visto por milhares de pessoas por dia. Um “não-lugar” que se caracteriza por agregar e
dispersar incessantemente uma grande quantidade de pessoas, ou seja, um lugar de passagem,
de circulação contínua, é um espaço que favorece a inserção e saturação de imagens que são
representadas por esses anúncios e propagandas.
Não por acaso o crescimento do Imaginário Periférico se deu após essa intervenção na
Central do Brasil, é bem verdade que muitos foram os fatores que auxiliaram na crescente
visibilidade conquistada pelo grupo, mas, entre eles está a exposição do grupo na mídia,
devido à atuação na Central do Brasil. Fato que fica mais evidente com a declaração em
entrevista do artista Jorge Duarte:
98 Idem. p. 74.
154
“É, eu acho que aquele evento teve uma grande visibilidade e principalmente foi um
evento que teve um grande público que é o público que nos interessa, que é o publico que vai
para ali pegar o trem, pegar o ônibus, e vai voltar pra Baixada, pro entorno do grande Rio.
Nesse sentido acho que talvez tenha sido o evento que o Periférico mais pode realizar
assim a sua vocação e claro foi um evento também que teve uma certa mídia, e tudo mais que
tornou o Periférico também mais visível.”99
Entre outras interpretações é possível dizer que a consolidação de uma identidade, ou de
uma linguagem que se paute no contexto específico da periferia certamente auxiliou o
coletivo a ter um reconhecimento no meio de arte.
Também é possível lançar um olhar pelo prisma da ocupação de um “não-lugar” como
espaço de apresentação utilizado pelo grupo, que reflete em vários momentos as
peculiaridades da pós-modernidade.
Assim como a estação de trem da Central do Brasil, que percorre inúmeras estações até
seu ponto de convergência, o coletivo vai percorrer imaginários diversos da população de
maneira rápida, efêmera e mantendo seu deslocamento constante alcançado lugares
(antropológicos) e “não-lugares”.
No entanto, cabe observar também que toda rotulação dada e essa prática de inserir o
contexto periférico na Arte Contemporânea é uma criação da cultura erudita e não uma
criação do “mundo” periférico.
A própria idéia de “tipologia” está ligada diretamente a uma idéia de adaptação por
conta da adversidade presente nessas áreas específicas, portanto a adversidade define a
própria existência do grupo. Logo, o Imaginário Periférico só pode existir enquanto houver
adversidade.
99 Jorge Duarte em depoimento gravado à autora. Rio de Janeiro. 17 de Outubro de 2007. Em anexo.
155
5. Conclusão
Considerando-se que a Arte Contemporânea apresenta várias características peculiares
relativas ao contexto histórico atual, algumas delas foram localizadas a partir do estudo de
caso do coletivo Imaginário Periférico. Tais características selecionadas para este estudo se
resumiram no desenvolvimento do debate sobre as estratégias alternativas de inserção no
circuito de arte, na utilização dos espaços institucionais e não-institucionais, e também no
processo de reapropriação de um discurso conceitual, localizado a priori na década de 60.
Como prática comum e dominante da pós-modernidade, o processo de reapropriação, no
caso específico da “Arte como idéia”, foi transportado para o momento atual com a finalidade
de produzir uma arte de livre acesso e participação, tanto para o público quanto para os
artistas, lançando uma série de mensagens engajadas sociopoliticamente.
Portanto, conclui-se que o Imaginário Periférico privilegiou em sua produção e
discurso, o “conceitualismo” que historicamente ficou caraterizado por uma série de
mudanças importantes dentro do campo cultural pós-moderno.
É plausível afirmar que este “conceitualismo” reapropriado não se inseriu nas mesmas
pesquisas estéticas desenvolvidas por alguns artistas da Arte Conceitual que marcaram a
década de 60.
Trata-se possivelmente de mais uma estratégia desenvolvida pelos artistas formadores
do coletivo com a finalidade de resgatar a relativa liberdade e a sensação de anarquia
implementada durante esse período histórico, e que ficaram explícitas nesta pesquisa com o
exemplo do grupo Fluxus.
Através da análise das entrevistas autorizadas por cinco dos seis artistas formadores do
Imaginário Periférico, foi possível perceber a reivindicação por detrás do comportamento
aparentemente descomprometido e irônico apresentado pelo grupo durante seus eventos ou
ações. Como vimos, essas reivindicações também foram explicitadas com o estudo
aprofundado do manifesto assinado pelo grupo.
O posicionamento lúdico do coletivo demonstrado em alguns eventos tem como
finalidade revelar um engajamento e lucidez do discurso implementado pelo grupo em relação
à ineficácia das políticas culturais vigentes.
Com base na pesquisa de campo realizada durante a apresentação de algumas ações do
coletivo, pode-se afirmar que embora o grupo seja conhecido por agregar um número
extraordinário de artistas por evento, este mesmo fato faz com que muitas vezes o grupo se
156
confunda nas suas atitudes e principais objetivos, diluindo-se e dispersando-se dentro da sua
própria coletividade.
Outras observações a partir do tipo de manifestação coletiva desenvolvida pelo
Imaginário Periférico estão ligadas ao conceito por trás da idéia de “coletivo”.
Foi visto que o grupo sofreu influências na sua forma de organização a partir do grupo
Fluxus, que por sua vez foi influenciado pelo modelo de coletivo extraído do Construtivismo
Russo. Tal influência foi confirmada através das entrevistas dos artistas fundadores do grupo.
No entanto, quando questionados diretamente sobre um possível posicionamento
político à esquerda ou mais precisamente relacionado a um certo socialismo, todas as
respostas obtidas negaram a existência de qualquer engajamento político presente nas ações
do grupo.
Entretanto, o Imaginário Periférico pode ser considerado como um coletivo que se
organizou através de algumas utopias que também se encontraram presentes no Fluxus e que
foram responsáveis pelo processo de agregação livre de artistas sem nenhum tipo de préseleção.
Máximas como: "qualquer um pode ser um artista" ou como no caso do Imaginário
Periférico: "nunca houve uma recusa de trabalhos ou artistas", foram amplamente
desenvolvidas e aplicadas pelo grupo.
Partindo dessa idéia, o Imaginário Periférico conseguiu agregar um número expressivo
de artistas conhecidos no meio de arte e de anônimos, além de legitimar em alguns casos,
genuínos artistas que antes ficavam isolados nas periferias do Rio de Janeiro, revelando o
"caldeirão cultural" que existe nessas áreas, como foi o caso do artista “naif” Timbuca.
Um outro fator importante que deve ser constado é que o Imaginário Periférico pareceu
realmente inovar quando levou seu repertório cultural para dentro das periferias, revelando
novos talentos e oferecendo uma mostra de Arte Contemporânea para uma parcela da
população que carece de tal informação.
Diferentemente de quando o grupo levou seus eventos para as áreas centrais, onde se
pode notar uma utilização da identidade "periférica", como estratégia de inserção no meio de
arte estabelecido. Em ambos os casos o grupo ganhou em visibilidade através da constante
presença da mídia local.
Um dos méritos que podem ser destacados e que justificam também a longevidade do
Imaginário Periférico encontra-se na recusa da maioria dos integrantes do grupo em ceder a
favor do processo de institucionalização.
Portanto, cabe ressaltar que o Imaginário Periférico se conserva longe do processo de
institucionalização, ou seja, apesar do grupo sobreviver com o apoio das doações dos poderes
157
público e privado (Secretaria de Cultura, Prefeituras, entre outros) e do trabalho voluntário,
ele não opera em moldes de uma ONG.
Desta forma, a cronologia do grupo foi reavaliada podendo-se traçar um percurso onde
o Imaginário Periférico se apresentou a partir das três categorias de espaços que foram
conceituadas. São elas: os espaços institucionais privados, que foram representados por
entidades como o Sesc ou pela Galeria 90, por exemplo. Os espaços institucionais públicos
que foram representando pelos Museus, (voltando-se ao caso da intervenção no MAC). E os
espaços não-institucionais, que foram representados por espaços de utilização pública, mas
sem relação com um projeto cultural, como as intervenções numa praia em São Gonçalo ou
pela ocupação de uma fazenda abandonada em Nova Iguaçu.
Por outro lado, a característica de se renovar a cada exibição agregando e acolhendo os
mais diversos artistas e linguagens, também contribui para o sucesso e visibilidade do grupo,
pois ao longo dos anos o Imaginário Periférico atingiu o status de um grupo capaz de
legitimar seus participantes como artistas.
Esse status conquistado foi analisado na dissertação e compreendido como resultado de
um bem-sucedido desenvolvimento de uma identidade especificada através do conceito de
“periferia”, amplamente explorado pelo grupo.
No entanto, a especificidade da “periferia” carioca, estandarte maior do Imaginário
Periférico, jamais poderia refletir em uma noção real da situação encontrada nas periferias
existentes no Rio de Janeiro. Isso ocorre porque, a partir do momento em que os artistas do
coletivo retiram determinados elementos do submundo da periferia para o mundo das artes,
tais elementos passam a compor “poéticas visuais”, metáforas do cotidiano que pertencem ao
mundo da “alta cultura” ou “cultura erudita”, o que elimina automaticamente a realidade
excludente de uma periferia.
De onde se pode concluir que a relação do Imaginário Periférico com a construção de
uma “linguagem periférica” levou ao aparecimento de uma tipologia, que implica em uma
série de elementos que se repetiram nas obras apresentadas e que fizeram referência direta à
cultura de massa, à arte popular e ao folclore urbano.
Além de tornar possível a construção de uma “linguagem periférica”, também foi
necessária tal construção com a finalidade de solidificar a identidade implementada pelo
grupo, que também contribuiu para o processo de agregação de artistas e consequentemente
de visibilidade no circuito de arte.
A aparente contradição presente no Imaginário Periférico entra em perfeita consonância
com alguns aspectos atribuídos à condição pós-moderna e que foram citados ao longo desta
158
dissertação de acordo com as definições do teórico do campo cultural, David Harvey. O
sentido de caos, alteridade, fragmentação e esquizofrenia se revelam para além das intenções
dos integrantes do coletivo, pode ser compreendido como uma prática comum encontrada na
contemporaneidade. Da mesma forma que o historicismo, o pluralismo e a tendência ao
pastiche também puderam ser observados dentro do número elástico de participantes do
coletivo. A multiplicidade e heterogeneidade representada pelos diversos artistas que
participam ou participaram do grupo apontam mais uma vez para as características próprias de
um campo cultural pós-moderno, desta vez entrando em concordância com a visão do crítico
de arte Hal Foster. Assim, pode-se concluir que o Imaginário Periférico abarca diversas
questões que são encontradas no amplo debate cultural da contemporaneidade.
Todos esses fatores enumerados contribuíram cada um de uma forma, para a
consolidação do coletivo como um agente produtor de cultura que carrega um conceito e uma
imagem que possui suas raízes na periferia carioca, além da capacidade de legitimar seus
integrantes e sua produção como Arte Contemporânea mantendo-se em plena atividade até os
dias de hoje.
É imprescindível ainda afirmar que apesar das conquistas enumeradas acima pelo
coletivo a impressão de autonomia dentro do campo cultural parece ser uma impressão
equivocada. Conforme foram analisadas ao longo desta dissertação as relações desenvolvidas
entre o coletivo e os poderes público e privado determinaram a própria existência e
desenvolvimento do grupo.
Outra característica paradoxal presente no campo cultural pós-moderno ficou clara
quando, por exemplo, os artistas pertencentes ao grupo realizaram críticas consistentes às
instituições dentro da própria instituição.
O próprio discurso politizado do grupo, que foi apresentado nesta pesquisa como uma
herança do engajamento político desenvolvido por alguns artistas conceituais brasileiros em
finais da década de 60, entra em contradição quando se sabe que parte de sua articulação pode
ser compreendida dentro do contexto pós-moderno, como uma série de estratégias de inserção
direta e indireta no circuito de arte estabelecido, sem engajamento político.
Desta maneira o coletivo Imaginário Periférico foi apresentado como um “estudo de
caso” das complexas relações entre artista, meio de arte, público e instituições de arte na
contemporaneidade.
É preciso também considerar que o estudo das manifestações coletivas com a finalidade
de produzir arte com contorno politizado dentro do campo cultural pós-moderno, encontram
159
ainda vários formatos no qual o Imaginário Periférico representa apenas uma pequena parcela,
que se insere na especificidade de uma noção de “periferia” carioca.
As questões relacionadas ao espaço de acomodação da arte (contemporânea) e seus
diversos formatos pluralistas, que ocuparam esta dissertação, encontram ainda eco em espaços
não-explorados, como por exemplo, os espaços virtuais de onde partiram manifestações
coletivas como os Flash Mobs, (mobilização instantânea) organizados em vários países,
inclusive no Brasil, mais precisamente na cidade de São Paulo.
Esses acontecimentos possivelmente serviriam como outro estudo a ser feito do
processo acelerado de aglomeração e dispersão de multidões para a realização de
performances coletivas em locais inusitados, com uma curta duração e muitas vezes
apresentando reivindicações políticas, de forma relativamente semelhante à apresentada pelo
coletivo carioca Imaginário Periférico.
160
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ANEXOS
Entrevistas.
Transcrição da entrevista concedida por Raimundo Rodrigues no dia 7 de maio de 2006.
P - Gostaria que o Raimundo contasse um pouco sobre a origem (inicial) do Periférico ou
mesmo como era, como foi o embrião do Periférico na década de 90.
Ah, bem essa é a pré-história vamos dizer, do Periférico, acho que começa (...) (hesitou) eu
vim dirigir uma casa particular, uma casa de cultura, iniciativa privada, iniciativa própria dos
artistas aqui em Nova Iguaçu em 1992, e aí eu chamei, o Julio Sekiguchi nessa época, que era
amigo do Tavares, que conhecia o Jorge Duarte e o Ronald Duarte.
Então eu convidei esses artistas, para exporem na casa e aí nós fizemos uma foto pra um
jornal, o jornal “O globo Baixada”, uma foto, nós na linha do trem lá em Nova Iguaçu, e
fizemos uma grande exposição de Arte Contemporânea, mudamos o perfil da casa e a partir
daí a gente, acredito que aí nasce o embrião do Periférico.
Logo depois na “Rio 92”, nós fizemos o “Embaixada do Lixo”, nós, eu, Júlio e Roberto
Tavares, e saímos de diversas regiões da baixada fluminense com uma Kombi, pegando o lixo
nesse percurso até chegar no aterro do flamengo, onde estava acontecendo a celebração da
Terra, e lá fizemos uma instalação de lixo, e houve problema com o Exército, achando que
estávamos fazendo sujeira lá e outras coisas, e chegou o caminhão da Comlurb querendo levar
nosso trabalho, levar nosso lixo, mas a gente explicou tudo, mostramos o projeto e a gente
realizou, e lá encontramos também o Ronald que já estava fazendo sua instalação lá.
Então a partir daí fizemos muitos trabalhos esporádicos, eu criei nessa casa de cultura, a
galeria de Arte Contemporânea Walmir Ayala, que era um cara que dava um apoio às
questões da Baixada Fluminense. Tem até um texto muito interessante dessa época, e lá
fizemos também uma exposição chamada “Expresso 2222" na Central do Brasil, que já
pegava vários artistas dessas regiões da linha do trem.
Então tinha, 14 artistas cada um de uma estação, vamos dizer assim, um de Nova Iguaçu, um
de Anchieta, por onde a linha do trem passasse e esses artistas que moravam nessas estações
que tinham um trabalho de Arte Contemporânea a gente convidou para expor na Casa.
Então a proposta não parou mais, e aí depois cada um pro seu lado, mas nunca deixamos de
nos encontrar periodicamente, quando algum tempo depois em, 2001 a gente se reuniu
novamente, para fazer um projeto para uma Empresa: a Petrobrás. E a gente ia montar uma
grande exposição um grande (...) (pensou) conclusão: esse projeto não foi aprovado, mas
como a gente já estava com tudo montado, eu disse: “pô, vamos fazer essa exposição?” o
Tavares veio com a idéia de apresentá-la para o SESC, e foi aí que aconteceu, o nome da
exposição era Imaginário Periférico, e começou, funcionou bem, fizemos as 3 exposições
depois o SESC de Friburgo pediu que nós fizéssemos mais uma, fizemos a quarta, aí eu
propus que fizéssemos aqui no Galpão do Gil, em Três Corações (Nova Iguaçu) uma
intervenção urbana, já livre, sem nenhuma curadoria, normal, como a gente trabalha hoje, e a
partir daí não parou mais, as reuniões a gente fazia do atelier do Ronald Duarte em Santa
Teresa, depois passamos lá pro Centro Cultural Banco do Brasil, era um local mais central e
ficou, começou a ficar aberto a todas as pessoas que tivessem uma proposta ligada às questões
periféricas, não necessariamente de periferia, mas às questões periféricas, seja ela qual for,
não era uma obra de periferia, era uma obra aberta.
E: Como que você definiria essas questões de Periferia?
R: Na realidade eram artistas que tinham algum envolvimento, com essas comunidades, que
morassem que tivessem ateliês que utilizassem os materiais dali e que questionassem as
relações com o poder público, porque uma das questões importantes para o Periférico, é a luta
pela política pública de cultura, então seja ele, música, ator de teatro performático, artistas
plástico, seja qual for a linguagem, mas que tenha essas preocupações com essa problemática
das áreas mais afastadas do grande centro. Paralelo a isso colocar a questão, o que é centro pra
Arte? O que não é centro pra arte? Então a gente coloca que o meio da arte, o centro é onde
nós estamos produzindo aquilo, irradiando pra outras áreas. É sempre um questionamento.
E: O que você consideraria a força que aglutina o grupo, que mantém o Grupo unido?
R: Eu acho que é a liberdade. O que mantém o grupo unido é a liberdade, porque como não
tem curadoria basta que a pessoa se intitule um artista e tenha um trabalho realmente, não é
(...) só mesmo conhecendo, quem conhece sabe como estou falando. Eu acho que a liberdade
é que junta essas pessoas, porque muitas vezes a gente é convidado pra algum evento, algum
trabalho, pra participar em algum lugar e a gente detecta que a proposta não é, que a proposta
não tem a ver com nossos propósitos, que não condiz com nossos procedimentos, e aí acaba
que não acontece. Ou ele acontece ou não acontece, de forma sempre natural.
Quem propõe produz e se responsabiliza por absolutamente tudo, junto com uma equipe que
ele mesmo monta, também dos Periféricos, então com a relação com transporte, os ônibus que
vão levar a divulgação, o convite, a alimentação, (normalmente tem um almoço), então quem
propõe produz, então tem que se ter muita responsabilidade quando se propõe alguma coisa.
E: Eu gostaria de saber a relação da participação de muito dos que acabaram formando o
Imaginário Periférico no Projeto Murais Urbanos, que foi financiado pela Supervia e que
tinha como linguagem as pinturas nos muros das estações de trem, como foi exatamente
isso pro Grupo?
R: Bem, o Murais Urbanos não foi financiado pela SuperVia.
O “Murais Urbanos” é um grupo, é uma identidade, vamos dizer assim, não é nem uma
entidade é uma identidade mesmo, uma identidade visual, uma marca que nós temos, eu e
Júlio Sekiguchi, que nós montamos pra atender jovens capacitando em pintura de arte, há
alguns anos atrás, há mais de 10, uns 10 talvez.
Só que quando a gente começou o projeto a gente teve o apoio da Coordenadoria da juventude
do Rio de Janeiro, do Município do Rio, a gente percebeu que os jovens não estavam muito
preocupados com a capacitação profissional. Ninguém queria ser pintor de arte, que a questão
social era muito mais emergente, mais urgente, então a gente pegou e desviou um pouco o
objetivo do projeto e mergulhou mais nessa área social. Então a gente trabalhou com os
grafites, com as intervenções urbanas e esses artistas que sempre, (formamos uma
comunidade, vamos dizer assim), estavam sempre presentes.
Então fizemos diversos projetos, e a SuperVia tomou conhecimento através do Jornal Planeta
Globo de dentro de uma escola (Martin Luther King na Praça da Bandeira) que era muito
pichada, então lançamos um livro na bienal naquela época (1999) e a SuperVia tomou
conhecimento, e como naquela época ela tinha acabado de assumir a malha ferroviária, ela
não conseguia inaugurar, porquê ela pintava e pichavam, pintava e pichavam, então ela nos
chamou pra ver se conseguíamos resolver esse problema, e aí nós montamos um projeto junto
com a comunicação da SuperVia, com o Ivone Malta, e criei o projeto “Arte na Linha”, que
consistia em pintar os Muros , às vezes dentro, às vezes fora, às vezes nos dois, um trabalho
de artistas e comunidades. Esse projeto durou um período de 2 anos, pintamos 18 estações,
depois esse projeto foi entregue assim, basicamente a comunidade, passou a ser da
comunidade. Houve uma diferença no tratamento da obra, mas a gente acha que foi positivo.
Então esses são uns projetos que sempre correm em paralelos, no caso o “Murais Urbanos” é
uma coisa que visa atender a empresas que tenham algum problema passível de ser resolvido
com arte e o Imaginário Periférico não tem nenhuma dessas conotações, é um grupo de
artistas livres, que faz o que bem entendem, desde que assumida a responsabilidade de sua
obra.
E: No entanto, a gente pode dizer que esses projetos paralelos influenciaram de maneira
ideológica ao que viria a ser o Manifesto Periférico?
R: É eu acredito que sim. Porque todos esses artistas (...) e eu queria falar sobre isso
(entusiasmo), todos esses artistas que convivem conosco, no Imaginário, eles têm uma relação
com suas comunidades.
Jorge Duarte lá em Pau Grande, em Fragoso o Deneir, o Roberto Tavares lá em Mariópolis,
Júlio Sekiguchi aqui em Nova Iguaçu e lá no Méier mesmo, então todos eles têm uma relação
direta com a comunidade, O Carlos Borges em Friburgo, o Hélio Branco em São Gonçalo,
então a gente tem uma rede e nós não somos uma ONG, nós não somos absolutamente nada,
nós somos imaginário, no momento em que nós nos registrarmos passaremos a ser concreto,
então seríamos “Concreto Periférico” não mais “Imaginário Periférico”, eu defendo muito que
a gente não seja absolutamente nada, nós somos uma idéia, que se materializa, mas não como
forma de Ong, ou “vamos ganhar dinheiro com isso”. A idéia é discutir a questão da arte, de
“meio da arte”, do que é centro o que é periferia, agora está muito em moda falar sobre isso,
como foi moda falar em Ecologia, agora vamos esperar a moda passar e continuar com o
trabalho.
E:Essa seria uma característica um pouco perigosa mesmo da contemporaneidade , quando
o sistema começa a querer incorporar e anular essas tentativas de resistência?
R: O sistema, ou o mercado, mas o mercado absorve tudo, qualquer coisa é absorvida pelo
mercado.
Então nem sempre o que é fama é sucesso, nem sempre o que é bem sucedido tem fama.
Mas então, o mercado tende a absorver tudo, qualquer coisa, fez sucesso o mercado absorve,
então é sempre perigoso é sempre bom estarmos atentos a essas armadilhas do mercado.
E: E como o Periférico se prepara pra não ser englobado por esse mercado?Quais são as
medidas que vocês tomam?
R: Não podemos negar o mercado. Em princípio, não temos nenhuma medida preventiva não,
o que nos norteia é nossa própria consciência, nosso próprio discernimento.
Tanto é que nas reuniões às vezes surgem umas propostas, que são até umas propostas
sinceras, mas que não são cabíveis, então a gente começa a discutir e ver que aquilo não tem
sentido, mas é uma proposta sincera, apenas precisa de um amadurecimento então se diz:
“bom, isso não dá cara, a gente não pode assumir junto com você uma proposta como essa”.
Então normalmente as propostas só vingam quando elas são além de sinceras, legítimas e são
cabíveis dentro do grupo, como grupo e tem funcionado muito bem.
E: A próxima pergunta é sobre o movimento de transição que pode ser identificado já no
grupo (imaginário Periférico), posto que inicialmente o grupo fazia ações realmente nas
localidades periféricas e agora, parece, com a intervenção na Galeria 90, que o grupo está
ampliando as áreas de atuação. Como você vê esse movimento itinerante do Grupo?
R: Na realidade não vejo nenhuma diferença não. É o que a gente sempre fala, se nós não
podemos ter preconceito com os espaços distantes das cidades, não podemos ter preconceito
com o pobre, não podemos ter preconceito com o rico, senão o preconceito é o mesmo. Então
quando nós aceitamos a proposta da Galeria 90, foi porque a gente achou justo, achou que a
proposta era interessante e que a Nina Rosa estava realmente interessada em conhecer o nosso
trabalho, em divulgar da mesma forma que qualquer outra localidade que já tenhamos
realizado. Então a gente avaliou da mesma forma. Vale a pena? É bacana? É sincero? É
legítimo? Então a gente avaliou que era legítimo e fomos inclusive uma repórter quando
estava fazendo uma entrevista perguntou: “como é que você se sente depois de tantos anos, ter
conseguido chegar a Zona Sul?”
A gente não conseguiu chegar até a zona sul, até porque os artistas nunca saíram daqui, todo
mundo que, todo mundo não, mas a grande parte do periférico, tem gente que mora em
Ipanema, tem gente que mora no Leblon, Copacabana, Magé, não tem diferença e cada um
está no mercado, agora, não por acaso, nesse momento estamos aqui, mas amanhã podemos
estar em Caxias da mesma forma. Não foi um caso pensado chegar aqui, não é nada disso.
Há um equívoco por parte da mídia, desse mercado mesmo, que acha que todo mundo só quer
chegar a zona sul, pra poder vender mais, não é isso.
Cada um tem a sua carreira independente e que o Periférico é realmente uma ação legítima, é
isso, pra mim não houve desvio de curso, nada, é um caminho natural, como nós fizemos
também na França, fomos convidados pra fazer uma intervenção lá no ano do Brasil na
França, e eu fui o primeiro a dizer: “não, não vamos”.
Porque como é que vai, tínhamos direito a três passagens, e como é que vai, quem vai desses
três? Vou eu? Júlio? “não, não vamos, não acho que a gente deva ir”. Porém tinha uma série
de outros compromissos que eram discussões interessantes e acabou indo cinco pessoas, me
parece, a maioria bancou sua própria estadia lá.
E: Mas já que você entrou nesse assunto eu gostaria de saber como se deu esse convite,
como foi essa história?
E: Pois é, tem uma história anterior que a gente já tinha, alguns artistas tinham convidado a
gente pra ir a Santa Teresa, fazer o Santa Teresa de Portas Abertas, e eu mais uma vez fui
contra, disse: “Não. Acho que santa Teresa tem seu próprio movimento”. Parece que a gente
quer aparecer no movimento do “Santa Teresa de Portas Abertas”, e o nosso movimento é um
movimento Periférico, tudo bem, fui contra. Não aconteceu realmente, e no ano seguinte o
Julio Castro, com a Chave Mestra, estava propondo a discussão sobre os coletivos, aí nos
convidou, eu disse “agora tem um sentido”, vamos lá pra discutir a questão dos coletivos, e ia
coletivo do Brasil inteiro ,foi aí que houve o convite dos coletivos irem a França.
Então eu propus para que todos fossem à França, todos que tivessem interesse, nós criamos o
“Caras Periféricas”, fotografamos, os artistas foram pro studio, cada um fez uma foto do seu
rosto, virou uma máscara, e lá na noite Branca, na performance, os artistas Periféricos de lá
usavam nossas máscaras.
Então houve essa troca, esse intercâmbio cultural, daí eles mandaram fotos de como se deu a
coisa, foi uma ida simbólica, do grupo como um todo, foi uma representação interessante que
participou de algumas exposições, de algumas mesas, e hoje a gente tem uma troca de idéias
com o pessoal lá da França.
E: Posso afirmar então que esse tipo de ação entre Brasil e França só teve a concordância
do grupo Periférico por conta de ter sido o intercâmbio com um grupo que também se diz
Periférico?
R: É, pode ser. Não tenho tanta certeza disso não, mas se as pessoas se os artistas de lá se
propuseram a usar uma máscara de um artista da região do grande Rio, se abdicou da sua
própria imagem para usar a imagem de outro, acho que esse cara tem um perfil periférico
muito bacana. Acho que é isso mesmo. Ele abdicou da sua imagem do seu rosto pra usar um
rosto que ele não conhece então isso é bacana. Não sei se você pode afirmar isso, acho que a
gente vai ter que pesquisar mais sobre isso. Acho que eles tinham uma proposta muito
parecida com a nossa.
E: Existe um contato do coletivo, do Periférico com outros coletivos aqui no Rio, ou em
outros estados do Brasil?
E: O Periférico não é tão organizado quanto as pessoas pensam não. As pessoas acham que
nós temos uma organização internacional, que tudo acontece, não é nada disso. Ele se dá, na
medida do esforço pessoal de cada um, ele acontece ou não acontece, mas vale do esforço
pessoal.
Então tem ações que são muito importantes e que às vezes a gente não consegue fazer porque
demanda um esforço muito grande, de muitas pessoas, envolve até dinheiro demais e a gente
não tem, porque a gente não tem patrocínio.
Também nunca ninguém saiu atrás de patrocínio, porque como te falei, nós não somos Ong,
não somos nada, somos uma coisa imaginária.
Muito embora somos um imaginário que já dura muito tempo, então a gente quer ficar no
imaginário popular mesmo.
E: Você veria identificação do Imaginário Periférico com que grupos ou movimentos
historicamente falando?
E: Sinceridade? Eu não tenho tanto conhecimento de grupos assim pra saber, pra poder fazer
essa comparação não. Pelo que as pessoas me dizem, pelo que se fala, nós temos uma certa,
não sei se originalidade, uma certa diferença, porque o fato de não termos curadoria, nós
temos um Manifesto, que é totalmente abrangente, a gente trabalha com arte de inclusão, a
gente já expôs na Colônia Juliano Moreira, com os internos, participa com a gente o grupo
Harmonia Enlouquece, então a gente está sempre tentando incluir alguém, uma outra
manifestação junto com nosso trabalho.
E: Que seja das minorias, você concorda com isso?
R: Eu não gosto muito desses rótulos não, as minorias são tantas que acabam virando
maiorias. Diga-se as minorias de oportunidades. Eu tenho muito medo desses rótulos, esses
rótulos são muito pesados, o que são minorias? Os pacientes psiquiátricos, vai dizer que são
minorias? Não sei, todo mundo é meio maluco. Nós somos todos loucos. Pô, quem é o louco,
ou são? A gente que faz esse tipo de trabalho, a gente é são? A gente não pode ser são perante
essa sociedade.
Hoje é são quem consegue ganhar muito dinheiro? Não é isso (...) então eu fico pouco à
vontade pra dizer o que é minoria o que são esses rótulos, conceitos, se servir só pra
identificar e facilitar o entendimento, tudo bem, mas eu não tenho essas certezas não.
E:E como você avalia a produção artística dentro do grupo, a diversidade, esse estado de
pluralismo que você encontra dentro do grupo, com tantas linguagens?
R: eu avalio como positivo. Positivamente. Agora, é um trabalho que como todo trabalho de
arte, ele está em movimentação constante, num processo, mas de forma geral ele está num
crescente. Quanto mais a pessoa participa, mais ela tem vontade de apresentar um trabalho
melhor, a gente percebe que o cara quando participa pela primeira vez da exposição ele nunca
coloca um trabalho que ele acha o melhor, ele bota um trabalho pra ver como é que é, depois
ele vai realmente mandando trabalhos melhores.
Nós estamos mudando um pouco por conta dessa produção, dessa produção executiva, de
pegar trabalho, devolver trabalho, cuidar do trabalho, então nós estamos dando ênfase agora a
trabalhos sem retorno, via correio, trabalhos mais conceituais. Como eu falei o Periférico é
uma idéia, eu acredito que a gente possa evoluir pra essas idéias, pra que cada um faça seu
trabalho em suas regiões sem precisar mais a gente pegar e juntar tudo, e botar numa galeria
de arte, num museu, botar num lugar qualquer.
E: Você acha então que essa linguagem estaria supostamente evoluindo pra um outro
meio, por exemplo, um meio virtual?
R: Provavelmente. Não evoluindo pra um outro meio, mas absorvendo também esses meios.
Todos os meios são possíveis. Como tem uma pluralidade de artistas é possível que cada
artista proponha coisas diferentes, como falei, sendo legítimo não temos preconceito com
nenhum tipo de linguagem, e o Hélio Branco fala uma coisa muito interessante sobre a
curadoria é que a gente usa a curadoria do afeto, então não tem essa questão com que tipo de
obra, é um movimento né? Esse movimento não sabe pra onde vai. Ele tem o interesse de ir
pra algum lugar, mas isso aí vai se dar com o tempo.
E: É bom ressaltar a característica de distinção de uma ação pra outra, que ao que parece
elas são temáticas, há sempre uma temática por trás, me fala um pouquinho dessas
temáticas visuais, dessas poéticas.
Então, na realidade, porque pra ficar repetindo exposição, pra ficar repetindo a mesma
proposta não faz muito sentido, não faz muito a nossa cara, a menos que seja um outro
espaço, um local completamente diferente, é importante também já ter uma exposição bacana
que ocorreu num lugar, levar pra um lugar 200 km de distância que não pôde ser visto,
também é interessante, mas normalmente cada ação tem uma característica própria, já fizemos
o “Vestível” em Friburgo que eram só roupas, a “Performance Plástico Sonora” , que se
desdobrou em várias, em pau Grande depois na UFF depois no MAC.
E: Agora, um grupo que agrega tantos artistas por ação , tem ação que chega a agregar
100 pessoas...
R: tem ação que chega a agregar 200 pessoas...
E: Até mais, como que é decidido o tema, quem são as pessoas que realmente decidem e
realmente determinam o tema dentro do grupo, porque existem os Periféricos fixos, não?
R: Existem os fixos, mas quem determina isso é o próprio artista. Não é assim, você é o sócio
fundador... (pensou) não é isso. O que determina que seja fixo é a permanência dele.
Então aqueles que vão ficando mais tempo que vão participando mais, normalmente eles têm
mais voz, porque eles estão ali convivendo no dia-a-dia sabendo das dificuldades, mas assim,
tem artistas que participam demais mesmo e, no entanto ele não propõe, porque não é dele, ele
tem o seu caminho. E tem artistas que participam menos e, no entanto propõe coisas muito
interessantes. A proposta pode vir de qualquer um ou de um artista ou de uma instituição ou
de um grupo ou de uma associação ou de uma prefeitura e a gente avalia, e se a maioria achar
legal, achar legítima novamente, a gente faz um tipo de adesão, a gente faz uma convocatória
pela internet, explica a proposta e as pessoas vão.
Uma das últimas reuniu mais de 170 artistas, na Cinelândia, que era uma proposta do Jorge
Duarte pra Funarte que era os Projéteis de Arte Contemporânea que ele fez uma performance
que era de Arte a 1 real, então apareceram mais de 170 artistas com vários trabalhos para
serem vendidos a 1 real. Então tinham trabalhos fantásticos, maravilhosos, e que a gente sabe
que valia muito mais que 1 real, mas era uma posição política ali, defender o trabalho.
Então as questões das temáticas estão ligadas as idéias de comunidade, de localidade de cada
um, se dão naturalmente, e se são pertinentes, ótimo. Então a gente dá ênfase as propostas
mais inovadoras, até que sejam divertidas, a gente também quer se divertir, nada tão sério
assim não.
E: Voltando de novo aquela ação na Galeria 90, qual foi a temática usada ali?
Ali, era o saco. Como era uma galeria muito pequena, é um problema dos espaços que não
nos conhecem ainda, dos produtores, administradores, curadores que nos propõe ás vezes
coisas: “olha, o espaço só dá pra 10”, mas a gente não é dez a gente é muito mais que isso.
“Mas como é que resolve?” Bom, se você liberar o espaço a gente resolve. Então como a
gente resolveu:
Foram 180 artistas, numa galeria super-pequena, então a gente fez 4 varais, os trabalhos foram
no limite de um saco de 60 x 70 e cada artista punha ali o seu trabalho, então eles foram
expostos como se fosse uma arara de roupa.
Então as pessoas tinham que mexer nelas todas se quisessem ver todas, ia passando uma a
uma. Virou na realidade uma instalação, era uma intervenção, as pessoas tinham que interagir
com a obra, pra poder vê-la. Fortalece a idéia de corpo, de coletivo, de conjunto, não era obra
individual ali, era obra de conjunto. O nosso trabalho era aquela instalação formada de
diversos artistas. Uma característica do Periférico é que a gente não faz uma obra coletiva, a
gente é um coletivo de artistas que tem a sua trajetória própria, em algum momento a gente se
junta e faz aquele trabalho.
Então diferente dos outros coletivos, eu acho que se juntam pra fazer um trabalho, uma
proposta por mais que essa nossa proposta seja temática, ela sempre observa a liberdade de
cada artista, de conteúdo, de material, de técnica.
Ás vezes a gente é obrigado a limitar alguma coisa, por questão de metodologia, por questão
de organização mesmo, de transporte, de como se instala isso, porque como falei a gente não
tem patrocínio de nada.
E: Porque não grupo e sim coletivo, qual a diferença que você vê entre uma coisa e outra?
R: Não sei, eu acho que se convencionou a mídia também gostou e elegeu como: “coletivos”,
não é mais grupos é coletivos, é uma questão mais da contemporaneidade né? Uma palavra
muito na moda.
Então antigamente era grupo, né? Não se sei se pelo tamanho que se dá...
E: Em sua opinião você não vê nada de político nisso, aquela idéia de “coletivo” russo?
R: Sinceridade é uma coisa que nunca parei pra pensar não. Nunca parei pra pensar ou
teorizar sobre esse tema não. Eu acho que nós temos temas muito mais importantes que é a
própria obra, o próprio trabalho, que é o desenvolvimento dela é mais importante que essas
nomenclaturas.
E: Eu gostaria de novo de fazer uma pergunta sobre a questão das linguagens no grupo
que, eu identifiquei, pelo menos no seu caso, uma linguagem que se aproxima muito com
... Mexer com material reciclável, sucata. Gostaria de saber se existe isso com os outros
artistas do grupo, ou se é uma coisa individual sua?
R: Não, eu acho que isso é um tema, uma problemática atual de utilizar esses materiais, eles
são tão abundantes, o lixo é tão abundante, mas não é só uma característica minha.
Muitos artistas do Periférico utilizam essa linguagem de reaproveitar. Até porque é uma
forma de questionar esse mercado todo, esse mercado que produz coisa. Até o Salgueiro Dias
diz, por exemplo, que não produz que não vai mais produzir lixo pra poluir o planeta, quando
ele fala sobre isso, quando produz a obra dele, que são todas efêmeras, ele está falando sobre
isso. O trabalho dele é mais voltado pra sementes, com a questão da alimentação natural,
então quando ele evita usar isso, ele está falando sobre isso.
Então acho que isso é mais um tema da atualidade mesmo, e muitos artistas se utilizam dessa
linguagem, não sou só eu não. Eu acho que sou o que usa isso mais exclusivamente, uso
muito a lata, tudo que é sólido, a tônica do meu trabalho, é o que falo sempre: “só serve pra
mim o que não serve pra mais ninguém, se servir pra alguém ainda não me interessa.” Se não
interessa pra mais ninguém, aí o meu olhar se debruça sobre aquilo, aí eu passo a me
interessar por aquela coisa, o desprezado, o descartado, aí que tem meu interesse, então
normalmente o que não interessa pra mais ninguém é lixo, e aí eu trabalho com esse lixo.
E: E isso está inserido também no próprio manifesto da Praia das Pedrinhas que não é só
um questionamento no meio de arte como do meio ambiente. Uma preocupação Ecológica
está interligada?
R: Tudo está interligado, é o ser humano, a arte eu acho que ela é importante pro ser humano,
se não tiver ser humano não tem arte, pra que serve a arte, né? Se não for para o ser humano,
para questionar, para o desenvolvimento, pra tudo. E a arte tem que estar ligada a tudo; a meio
ambiente, a todas as questões do ser humano, não vejo diferença nisso, separação disso. Eu
não vejo.
Separação do artista e do mundo, do meio ambiente, seja lá qual tema for.
É que na sociedade a gente tem que separar as coisas pra entender melhor, para conversar
melhor, para agir melhor, mas no fundo tudo é uma coisa só.
E: Mas você acha que esses elementos definiriam uma “estética da periferia”, por
exemplo?
Se define a estética da Periferia? Não. Porque a estética não tem nada a ver com isso, você
pode pegar um material, qualquer tipo de lixo e transformar numa estética completamente
erudita, completamente rica. Isso é matéria prima. Não é estética, ela não define a estética, o
que define a estética é o conceito do artista, como o artista vê o material, a matéria-prima.
Pra mim não é lixo, é matéria-prima, O que vou fazer com lixo é outra coisa. Transcende
tudo.
Tem um amigo meu brinca desses projetos culturais, desses projetos de capacitação, ou de
terapia ocupacional, seja lá o que for, ele diz assim: “não adianta transformar lixo em lixo.
Pegar uma garrafa pet e transformar em cinzeiro de garrafa pet é transformar lixo em lixo
porque não vai ter função nenhuma, aí, quando vai meter o cigarro, derrete o cinzeiro lá.”
Então tem que ter cuidado pra não transformar lixo em lixo, só mudou o objeto, mas ele
continua sem um valor que é o lixo. O que define a Estética é o olhar do artista o olhar de
quem está utilizando o material. Muitas das vezes vários artistas pegam o mesmo material e
dão uma definição completamente diferente desse material.
Transcrição da entrevista concedida por Julio Sekiguchi no dia 20 de Setembro de 2006.
P- Bom, a primeira pergunta é: Quais elementos você apontaria para diferenciar o
imaginário coletivo próprio da periferia em relação a um imaginário próprio das áreas
centrais?
Bom, eu acho que é porquê o tipo de vivência que se encontra nessas áreas são bem
diferenciadas, o problema todo é que eu acho que as pessoas como não se dispõem a sair e
conhecer essas outras áreas, essas outras vivências diferentes, então realmente fica muito
difícil porque de certa forma o pessoal da baixada é que sai e tem obrigação de vir do que a
gente chamaria de centro, é o centro da cidade, seria a zona sul, então não é uma troca, mas
esse conhecimento só se dá “de lá pra cá”, o “daqui pra lá”, já que nós estamos aqui no centro,
no fundão essa saída daqui pra lá não se dá, é uma via de mão só. O deslocamento é
importantíssimo, por que isso que permite essa vivência, se o cara não se permite essa
vivência, realmente é complicado, não dá nem pra ele construir uma visão crítica pra saber
que o ambiente está mudando, que as coisas estão mudando, que a paisagem está mudando.
Você tem áreas, citando o caso específico da baixada fluminense, que é completamente uma
coisa quase que rural e não são favelas e são características diferentes mesmo, se a pessoa não
sai do lugar por mais criativo que ela seja a realidade vai ser mais inesperada até.
P- Você considera que o embrião para a formação do Imaginário Periférico se encontra
nos projetos “Murais Urbanos” e “ Arte na linha” ? Fale um pouco dessas iniciativas.
Não, olha (...) (hesitante) aí eu acho que o “Murais Urbano” e o “Arte na Linha” podem até
ter sido certa conseqüência do Imaginário Periférico e dessa vivência e da gente saber dessa
necessidade de trabalhar a questão da arte (...)
P- Mas cronologicamente eles vieram antes, não é?
Existia um conjunto de artistas que se reuniam há quase 15 anos atrás, não com a idéia de
fazer o Imaginário Periférico, eram artistas da baixada que estavam se reunindo e fazendo
exposições na baixada. Ai surgiu por iniciativa do Raimundo Rodrigues e minha, e a gente
começou a fazer o “Murais Urbanos” e o “Arte na linha”, que aí sim, o Imaginário Periférico
já estava pronto e a gente acaba trabalhando, que era um trabalho específico que sempre se
desenvolveu na baixada junto com os CIEPs , trabalhar com a questão da arte, no caso do
Murais Urbanos aproveitava já todo esse processo de ocupação das ruas, que o pessoal chama
de pichação, mas que é essa pintura urbana e na Arte da linha também, mas foi um trabalho
profissional, eles eram conduzidos, nós estávamos limitados a interesses de quem estava
contratando a gente e o que tinha que fazer. O “Arte na linha” surgiu porque eles estavam
tentando inaugurar uma estação da SuperVia e uma semana antes da inauguração ela já estava
toda pichada, então nunca conseguiam inaugurar porquê estava toda pichada, aí chamaram a
gente pra desenvolver um trabalho junto com eles, então a gente teve que ver o que estava
acontecendo, fizemos uma pesquisa de campo e depois procuramos interferir.
É claro que nesses trabalhos pra gente é muito interessante porque começamos a tomar
conhecimento, a linha do trem corta quase que uma grande área do Rio de Janeiro, então se
tem realidades diferentes, passa por dentro de favelas, passa por dentro de áreas como no
caso, por exemplo, da Mangueira e, então você tem Mangueira e tem a Leopoldina, que são
até escolas de samba rivais. E pelo fato de estar trabalhando ali com um olhar que a gente
tinha que trabalhar esse olhar diferenciado a gente vê que são situações bem particulares, mas
não que eles tivessem uma ligação com a outra, eu acho que isso não houve, mas
simplesmente depois no trabalho é que ela coincidia porque no fundo a preocupação era muito
semelhante.
P – Você acha que a geografia da periferia influencia de alguma maneira na escolha dos
materiais que constituem os trabalhos do coletivo?
Eu acho que sim, eu to falando e é uma característica do grupo, e cada um terá que falar por
si, mas eu to falando por mim no caso, e aquilo sempre me instigou muito poder ver
determinadas construções e que a gente só encontra lá, vou citar um exemplo prático, o cara
fez um comedor lá pra cavalo que ele usou uma bacia velha e uns pedaços de pau, mas
plasticamente estava muito bonito, muito interessante, agora aqui fica difícil quem é aqui que
tem cavalo no centro da cidade? Na zona Sul acho que não tem mais cavalo.
Então, por exemplo você tinha um lixo lá, que era em decorrência que muitas pessoas iam se
tornando evangélicas, então pegava aqueles santos todos, tanto dos católicos quanto de
umbanda e candomblé e ia jogando fora, então a gente pegou um determinado momento que o
lixo era cheio desse material, fora também que é aquilo que eu tinha falado, são áreas que tem
uma profundidade que ainda está limítrofe entre o urbano e o rural, então ainda tem
características de crianças que brincam na rua com rodas de carrinho de feira, e tem um
ferrinho que eles entortam pra ficar empurrando aquilo. A gente encontra crianças andando
com pé-de-lata, são brinquedos que a gente vê, bola de gude, jogar búlica necessariamente
tem que ter um chão de terra e você tem áreas aqui no centro que você não tem mais chão de
terra, então são tradições que vão se perdendo, o mesmo que soltar pipa no meio de tantos fios
e prédios, não dá, os prédios até evitam os corredores de ventos, então eu acho que sim a
vivência que a gente tem no local, ainda não tem essa globalização, essa pasteurização de
atitudes.
P –Esta pergunta se justifica, porque durante as minhas pesquisas pude notar a presença
constante de materiais descartados, vindos do lixo, por exemplo : alumínio, moedas,
garrafas de refrigerante, sacos plásticos etc. Há uma relação entre o número de aterros
sanitários reservados para ocupar as áreas de periferia e a matéria-prima mais utilizada
pelo grupo ?
Eu acho que quando você utiliza essa frase “aterros sanitários”né? é muito (...) (hesitante)
parece que as coisas estão sendo pensadas como uma forma mesmo “sanitária”, de ter uma
higienização, esse processo que não é, a gente encontra esses terrenos baldios ou áreas
desocupadas onde todo mundo pega e joga lixo, porque a limpeza urbana não atende toda
área, agora essa vivência que a gente tem lá é que influencia no trabalho, não como uma
forma de contestação também né, mas pela facilidade daquilo passar a fazer parte de uma
forma integrante mesmo na construção do personagem do artista, personagem que está sendo
influenciado por tudo aquilo e que ele vai se refletir naturalmente, eu acho que pra quem tem
a vivência lá, aquilo não é uma fachada, aquilo faz parte da realidade , não é no sentido de
fazer nenhum alerta nem nada, porquê é mais fácil da gente trabalhar. Tem um texto do
Walmir Ayala que fala sobre os ateliers que são da baixada fluminense que não tem esse
aparato que os do centro teriam, porquê eu acho que ele se caracteriza quando a gente fala
dessa influência do material ,porque ninguém está usando aquilo como forma de reivindicar
,ou de chamar atenção, ela faz parte porque é o cotidiano, ela não tem uma ideologia política
também por trás.
P- Podemos afirmar que o Imaginário Periférico surge de uma condição de inquietação em
relação às políticas culturais e também às políticas sociais? Qual o principal objetivo
presente nas ações do grupo?
Eu acho que o descaso pra cultura é independente, existe um fomento maior nessas áreas
centrais, mas esse fomento não é direcionado a nada, então no fundo é tão vazio quanto o
outro também, então é claro que a gente divulgar e pensar em questionar e ter uma idéia do
que seria ou uma boa ou má arte, porque a pessoa é considerada ou não artista, isso em si já
carrega toda uma questão política e social de transformação, porque afinal de contas se a
pessoa quando exerce a criatividade dela, ela está se colocando ali como um ser humano
produtor, em relação a tudo que o cerca ele é que faz aquilo, então isso é uma proposição
política e até certo ponto revolucionária, então o que a gente quer e que isso seja pra todo
mundo e não especificamente pra uma área, isso é uma coisa que todo ser humano deve ter
esse direito, então dessa forma ela é sim uma questão política.
P- Mas você veria uma constituição de uma identidade? Através dessas ações?
Uma identidade do grupo?
P- Do grupo e também da comunidade?
Sim, eu acho que a partir daí você consegue constituir uma identidade. Porque se eu de forma
crítica estou vendo o que me cerca e produzo, automaticamente essas diferenciações vão ser
expostas, quem mora na beira da praia vai ver de maneira diferente de quem mora na beira de
uma floresta. Quem mora na Barra e vê o mar é diferente de quem mora em Tinguá e está
vendo uma reserva biológica que está a sua frente, essas percepções influenciam e criam uma
riqueza que acho que dá um avanço social de maneira geral, a sociedade só ganha com isso,
não é levar um ideal estético pras áreas, mas respeitar esses ideais estéticos, isso é uma coisa
que está dentro do grupo até porque diversas pessoas de diversas áreas participam e eu acho
que essa mistura é que é interessante.
P – Você acredita que a visibilidade que o Imaginário Periférico vem conquistando ao
longo dos anos, talvez seja o maior trunfo do grupo, dentro das características mais
efêmeras presentes na contemporaneidade?
Do meu ponto de vista eu acho que não. Eu acho que o que aconteceu com essa visibilidade
periférica, foi que em um determinado momento a gente como não estava propondo uma
curadoria, realmente era aberto, a pessoa quer expor lá, ela mandava os trabalhos, não tinha
nem essa categoria de ser ou não ser artístico, e mandava, se ele entendia que era bom e
queria participar, ele enviava. Então como a gente aceitava, eu acho que isso é que deu essa
visibilidade do periférico, o fato de não trabalhar com uma curadoria, que hoje uma coisa
forte dentro da arte, que a gente chama de contemporânea é que todas as exposições têm um
curador à frente, um responsável que vai dar o tom, e que vai dizer qual é o sentido da
exposição, no nosso caso não, o sentido da exposição era realmente uma participação de todos
ali que estivessem reunidos que discutisse os problemas culturais e que tivesse identidade,
então eu acho que isso na realidade é que deu uma visibilidade pro grupo, e eu não acho
também que essa visibilidade seja uma coisa que tenha que ser festejada, acho que são
conseqüências que da mesma forma que vai ser uma conseqüência chegar um determinado
momento que o grupo tem que acabar, então é uma situação de vida, da mesma forma que
nasceu, viveu e vai morrer também.
P – Há em sua concepção de Periferia, diferenças conceituais entre as áreas de Subúrbio e
comunidades de favelas?
Eu acho que sim, retorna sempre aquele ponto, porque eu não tenho uma vivência específica
dentro da favela, então não posso nem responder essa questão porque eu não sei dizer, não
tenho essa vivência. A minha vida é toda de subúrbio, agora eu sei que é muito diferente a
vivência de subúrbio como, por exemplo, a vivência na questão, por exemplo, da zona sul,
que você vai pra Barra, até a própria disposição dos prédios e o traçado urbanístico favorece
um tipo de deslocamento, no subúrbio não, as coisas estão juntas, você está morando perto
dos seus familiares, o inchaço que o subúrbio teve é porque os terrenos eram grandes, então
um filho começava a casar e aí com a especulação imobiliária elevou os preços, e as pessoas
moravam um do lado do outro, então um terreno que tinha quintal deixou de ter quintal
porque a família morava junto. Então cada uma tem uma característica diferente, um tipo de
ocupação, eu não posso falar especificamente da favela, mas a minha experiência das outras
áreas me leva a crer que realmente são áreas com situações completamente diferentes.
P – Como você analisa a interdisciplinaridade dentro do coletivo?
Eu acho que essa questão da interdisciplinaridade vem de uma coisa que eu tinha acabado de
falar que é a ausência da curadoria. Ela se dá de uma forma natural, as pessoas sabem que o
espaço é aberto então elas participam porque elas acham que é interessante então isso cria
essa interdisciplinaridade que eu não sei aqui (...) (pensou) essa interdisciplinaridade é
relacionada com o que também?
P-Porque dentro do grupo você vê também pessoas que praticam dança, música, poesia e
artes plásticas, então são várias linguagens ali convivendo então como você vê isso dentro
de um grupo que comporta tantas pessoas?
Eu acho que a idéia é a gente estar usando a arte de maneira geral como um processo quase
que questionador e transformador, e nesse sentido, pelo menos no meu ponto de vista a arte é
uma linguagem mais democrática, se uma pessoa pára pra te falar na rua sobre alguma coisa,
a gente nem pára pra dar atenção, agora por intermédio da arte a gente consegue falar alguma
coisa e ser ouvido e as pessoas aceitam e às vezes até compram, no sentido de adquirir e só
depois é que vai na realidade entender e procurar saber quem é que produziu aquilo e
geralmente ele pode ser de classe completamente diferente da dele , mas se ele reconhece um
valor naquela obra, ele consome aquilo, então nesse sentido é que eu falo que a arte é
importante porque ela consegue permear diversas camadas sociais de uma forma mais
democrática e isso favorece essa questão da interdisciplinaridade porque a gente não está
discutindo a questão da pintura, escultura, gravura, dança, teatro e sim discutir essa
possibilidade que a arte tem de permear e levar a discussão pra determinadas áreas que a
gente sabe que de outra forma ficaria mais difícil.
P – Quando as ações do Imaginário Periférico se realizam especificamente nas áreas de
Periferia, onde a Arte Contemporânea encontra graves dificuldades para se estabelecer, há
algum tipo de preocupação com relação ao potencial comunicativo do que está sendo
mostrado para o público? Vocês se preocupam com o reconhecimento do público em
relação ao que é feito pelo grupo como arte?
Eu acho que essa idéia de que as pessoas vão aceitar ou não o trabalho como se fosse arte, o
que a gente vê na prática, é que quando as pessoas vêem que aquilo é uma produção artística,
na maioria das vezes pelo que eu me lembro, todas as exposições que a gente fez nas áreas
mais afastadas mesmo do centro, é que as pessoas viam e traziam até os trabalhos pra gente
vê, não existia por parte deles essa relação do que era considerado estético ainda mais quando
a gente falava que era aberto até mesmo o que a gente considera como artesões vinham com
suas obras pra poder participar, então ela servia pra demonstrar que essa barreira do que é
bom ou o que não é, pra eles ali não existe, existe uma coisa de participação e de aceitação
que é interessante. É claro que existem problemas pontuais a respeito das pessoas que
carregam preconceitos, mas aí é o preconceito que está se manifestando eu acho que ele vai se
manifestar em qualquer outra área não especificamente na questão de arte, a outra coisa
também é que a gente não está procurando explicar trabalho nenhum, a gente abre a
possibilidade de ser uma obra conceitual, de ser uma obra contemporânea, aí tem essa
permeação toda de linguagem, mas a gente não tem uma preocupação de querer explicar,
acaba que as pessoas mesmo compreendem o que está ali, dentro das vivências de cada um, e
geralmente é uma questão até bem comunicativa das pessoas perguntarem sobre o que é,
procurar entender, mas nunca teve assim um problema sério das pessoas se sentirem
atingidas,o que a gente viu também é que as instituições em que a gente expôs os trabalhos,
que o periférico utilizou às vezes de uma prefeitura, é que faziam uma censura , às vezes
porque achavam que aquilo era pornográfico ou que achavam que tinha uma raiz política
muito forte, e no fundo o pessoal até, a gente nunca ouviu nada, ao contrário a população
sempre ficou do lado da gente, como teve um trabalho que teve que ser retirado por questões
até morais, diziam que eram coisas obscenas e a sociedade sempre defendeu, nunca teve
problema, muita gente nem via, o censor é que via uma imoralidade e tal, às vezes nem
explicita, está mais na cabeça dele.
P– De que maneira o coletivo consegue organizar ações que chegam a reunir quase ou
mais de 200 artistas ao mesmo tempo? Como se dão as divisões de tarefas dentro do grupo?
Essas ações, porque quando a gente achou que não tinha que ter curadoria, aí nós fizemos
algumas chamadas, nós chamávamos por e-mail, é tudo de boca a boca, aquele trabalho de
formiga, a gente realmente ficava apavorados com a quantidade de pessoas, porque se a gente
não queria dizer não, como a gente ia limitar essa participação? Mas, de uma certa forma a
gente depois começou a procurar resolver esse problema facilitando sempre o máximo
possível a produção do evento. Ainda vai acontecer até fevereiro mais ou menos de 2007, uma
exposição em que os trabalhos todos foram postos em sacos plásticos, eram trabalhos que
tinham que atender aquela especificação, o artista tinha que fazer de acordo com que estava
sendo pedida, então a gente teve que limitar peso, limitar tamanho, porque ia dentro de sacos
plásticos, depois só recebia o ilhóis e eles colocavam pendurados.
P- Você fala da intervenção na galeria 90?
Sim, da galeria 90, então ali teve a possibilidade de cada artista mandar 3 trabalhos, no
máximo de 3 trabalhos, e todo mundo que quis participar pôde, mas aí já dentro dessa idéia a
gente procura sempre usar da criatividade que é uma característica do grupo próprio artístico
de como que a gente vai resolver esses problemas, teve uma outra exposição também que foi
até aberta, que foram 156 artistas que foi lá em São Gonçalo que as pessoas mandaram
trabalho pra lá pelo correio, Centro Cultural Vila-Lage, que era um centro cultural também
com as mesmas características do periférico, então a gente pediu que todos os artistas
enviassem pelo correio uma obra pra lá, então num determinado momento a Vila-lage virou
um centro, porque todos os trabalhos iam pelo correio com o endereço de lá, daquela periferia
toda, que as pessoas mandavam pra lá, veio trabalho até da França, e a gente estava expondo e
pedia que fosse em formato A4 e que mandassem, então a gente botava em exposição o
endereço do artista pra saber de onde ele veio e o trabalho que ele fez no A4. A montagem até
que foi fácil, numa sala a gente botou fita dupla face, então era uma forma, a curadoria
facilitou, e se tivessem mil trabalhos seria interessante que a gente só ia cobrir as paredes com
aquilo, e as pessoas iam ficar procurando, então a gente procura resolver dessa forma, que
aparentemente parece que vai ser impossível, mas a gente sempre arruma um jeito de resolver
o problema, e criar uma composição de forma que o próprio coletivo é que apareça, tem uma
outra coisa aí que acho importante porque não é um grupo de pessoas que vão se dedicar a um
trabalho que uma pessoa ou o próprio grupo estipule “vamos pintar um paredão aqui”, não é
isso, a gente geralmente dá um tema e as pessoas se agregam mas a gente quer que essa
particularidade de cada um seja mantida, então o cara vai lá, vai procurar o trabalho dele, vai
acontecer e mesmo assim a gente tentando fazer o máximo de...porque a gente procura pelo
menos pra ficar fácil pra produção, a gente fecha e cria alguns limites, mas mesmo assim é
interessante como é que artista consegue, ele segue o que está escrito mandando coisas
completamente diferentes do que a gente até imaginou, então é interessante porque pra quem
está participando dessa produção, a gente sempre conversa “olha que trabalho engraçado,
como que o cara pintou, a gente não pensou nisso, esse troço não tem que fechar desse lado ”
Porque também senão isso inviabiliza, eu acho que isso é uma preocupação que a gente, óbvio
que tem, mas não é a maior dentro do grupo. E as tarefas, essa movimentação, quem dá a
idéia então quem é o pai da idéia tem que levar até o final, tem que gestar, parir, educar e
mandar o filho pra vida, porque senão, idéia todo mundo tem, idéias maravilhosas e boas o
problema é viabilizar.
P- Eu queria saber sobre esse elo cooperativo dentro e fora do grupo, como isso acontece?
Tem pessoas que têm mais vontade e trabalham com essa questão da produção e então a gente
sempre chama uma ou mais outra ou duas pessoas pra ajudar, e no momento quando o evento
está acontecendo que é a parte mesmo mais pesada, a coisa mais braçal, que seria a montagem
aí a gente sempre têm pessoas que se disponibilizam...
P- Fora do grupo?
Não, tudo geralmente pessoas que estão participando, agora isso não quer dizer às vezes têm
pessoas que não estão participando daquele evento e às vezes vai só pra ajudar, isso é muito
bom porque a gente vê que têm pessoas que estão ajudando sem pedir nada em troca, então
isso é bom porque até anima a gente também a fazer as coisas, a produzir, da mesma forma
que tem o “encostão” que não quer fazer nada, só quer botar o trabalho e ainda pede lá o
certificado de participação, tem o outro que tá fazendo sem querer nada, que tá só ali porque
gosta, gosta de ajudar, é bom até pra gente ver, porque as pessoas têm uma idéia de que o
artista plástico, visual, o que for, é muito isolado, é muito nesse sentido, até um certo autismo,
porque ele trabalha completamente isolado, então é bom porque a gente de uma maneira até
numa “forçação” de barra, a gente é obrigado a trabalhar junto, e a gente vê que também não é
tão ruim assim não, é claro que tem problemas, já teve discussões que a gente procura levar
pelo lado curioso da história, que a gente sabe quais são as pessoas que sempre estão dando
problemas, já todo mundo sabe o que esperar.
P - Então de outra maneira, tem sempre as mesmas pessoas responsáveis, por exemplo,
pela confecção de folders, por conseguir o transporte,a locomoção dos trabalhos e das
pessoas, existe esse tipo de divisão?
Tem. Mas o problema é que a gente não quer, se a gente ficar citando as pessoas que estão
trabalhando, parece que existe um dono no grupo e a gente não quer colocar de forma
nenhuma nesse sentido, mas sempre tem lá umas 7, 8 pessoas que estão sempre mais à frente
organizando, que naturalmente, parece que essa idéia de mobilização fica clara, ninguém
pede, é uma coisa natural, as pessoas procuram aquele sujeito, porque ele tem mais
informação, mais liderança, então é uma questão natural mesmo que acontece dentro de
qualquer grupo, então tem sempre uns 7 ou 8 pessoas que estão trabalhando, e é interessante
porque tem as pessoas lá, como é o Jorge Duarte que é da região de Magé, o Hélio Branco de
Niterói, e eu e Raimundo ficávamos muito na área de Nova Iguaçu, agora eu fico mais aqui no
subúrbio, o Roberto Tavares, têm pessoas, e é interessante citar, o Laércio que começou a
trabalhar, depois ele até saiu, a vida profissional dele melhorou, ele começou a fazer uma
série e exposições e não foi mais participar da elaboração, e tá certo, da mesma forma que
entrou outras pessoas, como o Carlos Borges, o Precioso, e a Mara, que trabalhavam com São
João de Meriti, e depois até a exposição da Galeria 90 foi uma série de alunos da escola que
estavam participando e fizeram um trabalho legal, o Álvaro, é chato a gente citar porque as
vezes a gente esquece um cara que fez um trabalho bom lá, então a gente vê que a coisa
acontece de uma forma, conforme as pessoas vão chegando, e a gente mesmo vai falando “faz
aquela coisa ali” e a pessoa assume aquela responsabilidade e faz, mas geralmente pra
espantar as pessoas que não querem trabalhar a gente diz “você é o pai da idéia, então você
toca a idéia”, de alguma maneira o cara disfarça e vai embora.
P - Na última intervenção do grupo, intitulada “antifutebol e Antiarte”, no folder pude
notar a presença do apoio cultural e institucional representados por órgãos como:
Prefeitura de São Gonçalo, a Secretaria de Cultura e turismo [Secultur], a Funarte e do
próprio Ministério da cultura [governo federal]. Como o coletivo consegue estabelecer
contato e obter esses recursos?
Eu acho que começou no primeiro evento que a gente fez e marcou muito pra gente, que foi lá
em Três Corações em Nova Iguaçu.
A gente montou um espaço pra exposição no meio do nada, e realmente a gente teve um apoio
da secretaria de cultura de Nova Iguaçu, e realmente foi um apoio pra a cultura, não teve
questão política nenhuma, foi o Nelson, esqueci o sobrenome dele, o secretário de cultura, e
fez um trabalho muito bom, era um cara que era artista também, tinha uma concepção boa do
trabalho, e a partir dali acho que começou a abrir uns espaços bons, porque a gente levava
esse material e esse material referendava a gente de tudo que aconteceu, a gente conseguiu os
banheiros químicos, o ônibus, o material de divulgação impresso, então esse material reuniu
todo o portfolio.
Existe uma rede, da mesma forma que existe uma rede de informação dos centros que aparece
no jornal, existe um intercâmbio entre a secretaria de cultura da baixada e Niterói e São
Gonçalo também faz parte, e se comunicam, então naturalmente o pessoal um comunica com
o outro dizendo qual era a proposta do periférico e com a seriedade do grupo isso abriu portas
pra gente.
Mas a gente sempre quer colocar que nunca foi com o intuito político-partidário, sempre foi
porque acho que a função da secretaria de cultura é fomentar as ações relacionadas à cultura, e
o que eles faziam era justamente isso, possibilitar conseguir um ônibus, um lanche que a gente
sempre dava, porque a pessoa passava o dia inteiro numa exposição no meio do nada, às vezes
não tinha nem onde comprar um refrigerante, a gente tenta levar e fazer com que a prefeitura
dê um lanche, e tudo, então é bem interessante não com uma visão paternalista, mas porque a
gente precisa realmente receber essas pessoas. Tinha um grupo que vinha de Magé, o grupo
Carcará, que era composto por uns artistas que faziam instrumentos numa escola dos Cieps ,
então eles começavam a se apresentar com os alunos dos Cieps, eram jovens que estavam ali,
de 14, 15 anos, adolescentes, e que estavam participando do grupo, a gente tinha essa
preocupação também, eles vão se apresentar, ficar ali o dia todo, eles tem que se alimentar,
então a gente conseguia essa infra-estrutura toda e todas as prefeituras dos locais aonde a
gente se apresentou nunca fizeram objeção, e aquilo já era uma coisa notada, as pessoas já
sabiam e ficavam até satisfeitas, teve uma macarronada em Friburgo que foi ótima, as pessoas
todas satisfeitas, e vira uma confraternização esse momento, e foi a secretaria de cultura da
prefeitura de Friburgo que fez e quem fez o almoço, eles conseguiram a verba, e foi feito pelo
pessoal que trabalhava na secretaria, você via lá a secretária, a diretora da casa de cultura
distribuindo a comida e fazendo, vendo, então era um barato essa participação, essa
mobilização ,das pessoas se sentirem integrante disso tudo, mesmo não expondo, mas
participando, fazia o evento ficar bem interessante.
P - Na entrevista com o Raimundo Rodrigues ele fez questão de deixar bem claro que o
Imaginário Periférico não é uma Ong, muito menos uma instituição, não possuindo um
Cnpj, como vocês conseguem essa captação de recursos dessas instituições?
Isso foi um outro problema que a gente começou a enfrentar porque esse fato da gente não ter
virado uma instituição, sair dessa instituição virtual e ir para uma real, complicou que a gente
conseguiu uma determinada verba, mas tinha que fazer uma ginástica danada pra poder que
essa verba viesse de uma forma legal, mas isso começou a impor um determinado limite,
porque você consegue fazer isso e conforme ela vai crescendo essa burocracia aumenta e isso
tá certo mesmo, tem que ser assim e começou a ser um certo problema e gerou uma discussão
interna no grupo e a gente resolveu não virar uma Ong, ou instituição nem virar nada porque a
gente achou que a partir do momento que a gente se institucionalizasse a gente ia acabar, não
ia ter jeito, essa seriedade, até porque a gente ia estar se moldando a uma proposta que o
sistema quer que isso aconteça e a gente achou que não tinha que ser, que ao contrário que a
nossa função como artista é mostrar também que existem outros tipos de organizações que
não passam por essas organizações institucionais e que as coisas acontecem, da mesma forma
que existe uma Folia de Reis e não tem lógica uma Folia de Reis se tornar uma Ong, ou uma
firma, a gente também não passa por aí até porque se pressupõe que a função de uma firma
dessa seja quase que eterna e ela vai continuar existindo e no nosso caso não, a partir do
momento que as pessoas pararem de produzir , ela encerrou.
Mas isso é uma outra questão que poder ser aprofundada e deve ser aprofundada que é: a
produção artística dentro dessas estruturas tanto políticas quanto sociais, porque elas parecem
um vírus dentro do sistema, o sistema não consegue reconhecer esse tipo de produção e aí cria
uma contradição muito grande porque se há uma cultura popular, se é popular, ela não é
estabelecida se o sistema governamental quer que a cultura popular se estabeleça pra poder
ser fomentada, pra poder ter um apoio então ela deixa de ser popular, então há um paradoxo,
uma contradição na própria visão do que é isso.
P - Na verdade a tendência é de que toda forma de cultura popular se transforme em
cultura de massa, não é?
É, dentro desse sentido. E o que eu acho que é pior é que se busca uma institucionalização pra
poder fazer com que ela tenha um determinado apoio então seria praticamente o fim dela, só
não é um fim porque você sempre tem gente trabalhando a margem desse sistema e graças a
deus essas pessoas têm essa idéia de que não pode se institucionalizar porque vai virar uma
outra coisa, vai se transformar num segundo ou terceiro elemento, agora quem tem que
entender isso e que tem que fomentar porque senão é a derrocada do Estado e não da
produção cultural, uma coisa popular, então eu acho é que o Estado é quem tem que perceber
já esse tipo de situação e tentar fazer com que ele se adapte a esses processos e não o meio
que tem que se adaptar a ele ao Estado, então o Estado ele está para servir o cidadão e não o
cidadão ao Estado, então se ele não consegue servir o cidadão é porque ele é que está errado,
tem que se renovar, eu acho que esse é um ponto crítico também interessante, um dos motivos
que a gente pode acabar é simplesmente pela falta dessa percepção. Acho que é um
aprofundamento que a gente nunca refletiu direito, por exemplo, uma coisa que o próprio
grupo pode fazer de pensar de que forma o Estado pode participar sem descaracterizar todo o
processo, não só o nosso, mas de como toda essa produção que acontece e que é riquíssima lá
embaixo e da forma que está feita, ela só se legitima se for uma questão institucional e nem
tudo que é institucional é bom e é verdadeiro e é rico, realmente o que está surgindo ali
daquele inicial é que é interessante então tem que arrumar um jeito de fazer com que isso
sempre esteja acontecendo.
P - Então dessa maneira eu posso pensar no Imaginário Periférico, ou você pensa nele
além de um formador de identidade, ou um conservador de uma determinada identidade
também um elemento de resistência?
Sim. É, a partir do momento em que o problema é colocado e a gente pensa nessas questões,
não adianta ficar na hipótese, sempre no pensamento, a partir do momento que a coisa vai pra
prática é que as contradições aparecem é que os problemas aparecem e a gente começa a
pensar nesses problemas, o que está acontecendo...nesse sentido sim, a gente vai fazendo até
um processo de resistência porque ou se aceita ou não se aceita, se você não aceita você cria
um embate e esse embate é que é rico e serve pra pessoa contribuir na discussão toda do que
está acontecendo, porque de uma certa forma para o Estado comprar um trabalho de um
artista ele tem que pagar por alguém, e se o cara é artista é obrigada a ter nota fiscal, etc a
própria produção do artista é uma coisa diferenciada, então se o Estado for financiar a obra aí
tem uma concorrência, como se abre uma concorrência pra um determinado trabalho
específico? Eu preciso de um ferro velho. Como que se faz isso? Os ferros velhos todos que
existem podem fornecer esse ferro velho pro artista, mas tem questões muito específicas que
só um determinado ferro velho vai resolver, tem que discriminar tanta coisa que eu acho que
isso é simplesmente um dado pra gente demonstrar que o sistema foi construído de uma
determinada forma que algumas produções não conseguem se adequar ao sistema e que eu
acho é que aí, novamente como falei, procurar se adequar a esse tipo de produção, senão você
vai alijar, não pode acontecer isso, o Estado tem que estar sempre atento às coisas novas que
vão acontecendo e se aquilo é pertinente à sociedade ele tem que ir lá e se adequar àquilo, ele
tem que atender a gente é que não pode ficar eternamente se adequando. Eu acho até uma
distorção que a arte, ela consegue identificar e já está adiantando esse problema que eu já
acho que está até acontecendo, o Estado está sendo alimentado pela sociedade o que é uma
contradição, é o contrário.
P – Sabe-se que o Imaginário Periférico é um coletivo que provém ações não só nas
periferias, como nas áreas de centro, zona sul, e até em outro país, como foi o caso da
França, etc. Fale um pouco de como surgiu o convite para a ação no Nuit Blanche “ Caras
miscigenação”.
Isso foi um encontro com o pessoal do “Portas abertas”, lá de Santa Teresa, que eles
resolveram reunir, teve um encontro do Portas abertas, resolveram fazer encontro paralelo
sobre os coletivos, Chave Mestra, que aconteceu no evento do “Portas Abertas”, mas foi
organizado pelo Chave Mestra, porque eles já tinham uma identificação de que essa coisa do
coletivo tinha uma recorrência, diversos grupos que estavam aparecendo com trabalhos
interessantes, então eles resolveram reunir os coletivos pra ter uma discussão, pra gente
entender o que era isso e foi a partir daí que a gente conseguiu identificar uma série de
coletivos, e esses coletivos quando teve esse evento lá, que era o ano do Brasil na França, o
que estava sendo uma característica forte daquele momento, a gente chegou a ser convidado
pra participar, pra mostrar como um ponto de destaque na produção de arte e também foi uma
coisa que aconteceu , só houve um convite e esse convite foi feito pelo coletivo na França e
no fundo a gente só teve uma carta dizendo que a gente estava participando oficialmente desse
evento, mas a gente não teve apoio nenhum tanto de governo quando de instituições
particulares, o que foi , foram os próprios artistas é que bancaram a sua ída , toda produção, os
folders, material que a gente levou, foi uma mobilização interna nossa e que a gente só
conseguiu ir por isso. E um dos problemas era que a gente não era uma firma, e não podíamos
captar recursos, mesmo que o recurso aparecesse a gente não tinha como justificar, mesmo se
a verba fosse ser utilizada de fato praquilo, mas é aquele negócio, como o sistema só entende
que precisa de uma pessoa jurídica praquilo a gente não tinha e ia ser uma complicação.
P - O que você achou de bom nesse intercambio, você acha que existe mesmo um diálogo
com um grupo na França em relação às questões do Periférico?
Não só no Brasil começou a acontecer essa reunião de coletivos e pensar sobre a questão da
Periferia, na França os trabalhos dos artistas da periferia é muito forte eles estão mais até
politizados, a coisa é mais forte porque já vem de muito mais tempo, e em diversos países
acontecem, na Alemanha, etc nos grandes pólos do mundo a gente sabe que a periferia
começou a buscar ocupar um espaço, nem ocupar mas, a mostrar que ela realmente tem uma
produção e que essa produção é diferenciada então isso é interessante porque a gente começou
a ver que não é só um problema que acontece no Brasil, é um problema mundial, porque o
problema é saber quem é o centro quem é Periferia, por questão geográfica então parece que
quem tem a bola da vez , diz: “eu to no centro, e os outros,eu não sou atingido, po, então eu
sou periferia”. Eu acho que existe uma questão psicológica até, e é interessante a gente vê que
na França tem, na Alemanha tem, e nesses países todos que tem esse problema da periferia
então a gente não ta levantando uma bola de um problema especifico nosso, mas que acontece
em diversos lugares, acho que foi uma coisa boa a gente ter essa percepção a nível mundial.
P - Na sua opinião quais grupos ou movimentos históricos serviriam de referência ao
trabalho que é feito no Imaginário Periférico ?
Essa questão é interessante porque se a gente começar a pegar como exemplos a questão da
historia da arte, grupos importantes e o que se propõem de quebrar com determinados
conceitos dentro da História da Arte, então acho que pra gente isso é importante e quase que
inevitável como na História dos artistas com que trabalhamos a gente tem que pensar as
propostas do Fluxus, mas tem também o grupo Santa Helena, que estavam propondo questões
no Brasil importantes que eram espaços de exposições que eram sempre governamentais
também, passavam pela Escola de Belas Artes, então esses grupos queria uma democratização
do espaço, queria que o artista fosse encarado quase como um operário também que produz q
tem suas responsabilidades que não era essa idéia do gênio ou do ser diferenciado dentro da
sociedade e que pode fazer o que der na cabeça, esses grupos de artistas estavam preocupados
com essas questão de profissionalização, de colocar determinadas questões que dariam uma
identidade pro artista igual dentro da sociedade como qualquer outro trabalhador, então eu
acho que esses grupos, pelo menos pra mim, como foram diferentes de determinados
movimentos artísticos, eles não tinham essa preocupação, esses grupos eu acho que foram
importantes. Grupo Santa Helena, e outro em São Paulo que acontecem quase que
simultaneamente e pegam assim o Modernismo, um sai até da Escola de Belas Artes e a
preocupação deles era essa de criar um ambiente, no caso do Rio de Janeiro e do Brasil para
que o exercício da produção de arte fosse reconhecido, que tivesse uma posição que antes até
não tinha, me lembro que, os artistas recebiam uma mesada do Imperador porque não tinha
condição, depois que o Império cai essa mesada continua sendo dada pela República, depois
tudo é desfeito e serve pra relacionar como tudo era tão paternalista, o artista era como se
fosse um elemento dentro da sociedade que era interessante e eram sustentados, esses artistas
não, queriam ser como um trabalhador e pronto. Eu acho que o Fluxus não, eles trabalham é
com uma questão estética.
P - Então seria assim no caso da produção mesmo, seria uma estética mais do que é feito
ou produzido, do que do conceito do que é dito?
É aí eu acho que tem duas coisas, primeiro uma atitude que você pode pensar numa questão
estética, de como é que isso pode se dar? E segundo você pensar na questão do artista diante
dessa sociedade, de qual é o comportamento dele. Você pode fazer uma grande revolução
estética, fazer revolução pessoal e ela pode continuar a mesma, acho que é um momento
diferente. Acho que o periférico pensava em duas coisas quando ele propôs, por exemplo,
uma feira de trocas lá na Cinelândia, e foi uma feira de troca aberta e todo mundo produziu
matéria de trabalho e foi lá pra trocar com quem quisesse, eu acho que nessa ação especifica,
e aí podem ter mil pessoas participando dessa ação porque você vai lá e vai trocar com quem
você quiser, ela é interessante porque ela vai quebrar com uma série de coisas, inclusive botar
os artistas trocando com outras pessoas, que sempre se comentava isso “ué, você vai lá e
troca” se você acha que é artesão (...) esse julgamento se é bom ou não, vai ser pessoal, não
vai ser ninguém que estará fazendo você pode trocar com quem quiser, então gostando eu vou
trocar, então dentro desse sentido ele tem algumas coisas que era esse despojamento que o
Fluxus estava propondo pra arte, e tem também questões profundas do ponto de vista do
artista, da curadoria, que envolve não o objeto artístico especifico, mas a posição de como
também o artista se coloca no mundo.
P - Você apontaria também uma dessacralização do objeto?
Também, eu acho que seria uma dessacralização e ao mesmo tempo ela retorna, porque isso
sempre é ponto bem particular, mesmo que 20 pessoas digam que aquilo é um artesanato e pra
mim não é, eu fui lá e troquei, e vai fazer parte da minha coleção particular. Então pra mim
aquilo passou a ter um valor, porque também tem essa coisa da curadoria hoje, porque que
eles indicam o que é bom? E a disposição de como é bom? Se a arte contemporânea aceita
tudo, essa pluralidade(...) existe uma convivência, então porque que vem alguém me
determinar? Então são diversas questões que vão sendo colocadas, vem sendo levantadas,
muita gente até não gosta, conheço um monte de artistas que não achavam interessante porque
achavam que era uma espécie de vulgarização, mas dentro daquelas ações acho que tem
questões muito interessantes que podem ser vistas e discutidas do que é mesmo a questão do
objeto, você vê lá , as questões estéticas que o Marxismo levantava da arte, aquelas coisas do
Grau Zero, de eliminar esse valor artístico, chegar ao determinado ponto de a pessoa andando
é o balé, a pessoa falando é o canto, o escrever já é uma caligrafia como os orientais vêem, de
uma certa forma você está recuperando alguns elementos que sempre foram discutidos, afinal
de contas essas idéia de estetização de todo o universo que nos cerca isso vem do
Renascimento, é construída a partir do renascimento, de categoria, de forma, então você retira
o objeto que seria religioso e traz pra uma casa como um objeto estético , mas ele foi feito , o
sentido principal dele, como religioso, a estética nesse caso se sobrepõe ao sentido original
para que foi feito, porque eu entendo nele uma qualidade tal, que nesse sentido ele é mais
forte do que o outro, mas essa idéia pode se desfazer, um conceito que eu considero dela
amplo, é que dentro dessa idéia, todas essas obras, que participaram, você tem lá...você pega o
Egito, a Grécia, elas têm que retornar ao local de origem , porque é um site specific . A Arte
contemporânea demonstra pra gente essa possibilidade hoje, o Richard Serra quando ele
manda destruir a obra porque ninguém queria a obra no canteiro e o juiz propõe de passar pra
outro local, ele diz que não é, porque a obra foi feita especificamente pra ali, da mesma forma
eu acho que todas essas obras que foram criadas para igreja e estão no Museu britânico, lá no
Louvre, elas tem que voltar, porque eu não tenho como compreender a obra fora do contexto,
então eu acho que essas coisas são discussões muito interessantes que precisam ser lançadas e
ao mesmo tempo muito bobas até, mas vai sendo ampliada de uma tal forma que é uma
contribuição, uma questão política.
P - Uma ultima pergunta sobre os movimentos históricos e grupos, se o Imaginário
Periférico tem um certo parentesco com o Fluxus ele teria também um diálogo com o
Dadaísmo?
Acho que o problema é que depois do Dadaísmo a gente quase não tem como fugir, ele vai
abrir para o Surrealismo, ele como absorve determinadas questões, o próprio Futurismo, todas
essas Vanguardas partem dessa origem que foi essa crise que o mundo passa nas Guerras,
acho que não é um problema da gente se colocar, mas é que o Movimento em si engole tudo
isso, o Dadaísmo foi uma questão tão ampla, que a gente acaba por estar se enquadrando
nisso, num determinado momento a gente conseguir negar tudo e dizer “tá tudo errado vamos
rever tudo novamente”, nesse sentido acho que sim.
Até tem uma proposta muito interessante do Jorge Duarte que estava querendo fazer chamada
“EmBaixaDa Da Arte”, então era uma brincadeira, porque era embaixada que vinha do
Garrincha que era de Magé, que era o Garrincha fazendo embaixadinha no sentido de que a
gente queria uma embaixada mesmo pra poder trazer os artistas da Baixada e poder expor na
galeria nossa chamada Embaixada da Arte e o Dadá porque seria EmbaixaDA DA arte, e a
gente faria esse termo Dada, porque tudo é possível ali, até você comentando isso tem a ver
com essa história.
P - Em sociologia se diz que todas as artes possuem uma rede de elaboradas
cooperações.Em uma ação como foi a da Central do Brasil, que redes de colaborações, não
pertencentes diretamente ao grupo foram solicitadas para que o evento se tornasse viável?
Nesse caso eu acho que o que chamou atenção lá, foi a própria instituição da Supervia que
abriu o depósito deles, pra gente pegar o que queria e partir daquele sucata construir as obras
que estariam sendo expostas. Teve uma colaboração muito grande deles, o próprio espaço, e
ai sempre retorna aquela coisa é interessante a gente ver aquela mobilização, o cara que
tomava conta do depósito, o pessoal dos guichês, todo mundo ia se integrando naquilo e até se
justificavam, eles se integravam à obra, porque eles reconheciam naqueles objetos, no fazer
também, davam idéias, iam lá ajudavam na participação, então quando ele vai lá ver a obra o
interesse dele é diferente, a gente via as pessoas falando: “olha lá participei disso aqui, fui eu
que deu a idéia”. Dentro do que você coloca aqui nessa questão sociológica de haver essa
integração, então eu acho que essa colaboração dentro do processo construtivo é
importantíssima porque é também uma questão educacional, questão dele poder se reconhecer
também nesse processo criativo e essas integrações, essa questão da obra contemplativa é
complicada, é quase como você ter que fazer um curso de meditação antes, pra você ficar
olhando pro trabalho e ai vem:“ eu to sentindo que a idéia está entrando”, então isso é
complicado porque o tempo é outro, o mundo é outro é tudo muito interativo, é questão da
gente estar integrado também ao momento histórico.
P - Quando os trabalhos de vários artistas são recebidos por alguns integrantes do
Imaginário Periférico, como se dão as convenções para estabelecer o que é arte e o que não
é, e quais atendem ou não ao discurso do grupo?
Isso também não existe. O que a gente não faz, já tivemos discussão porque as instituições
que estavam recebendo os trabalhos achavam que eram trabalhos que não tinham qualidade,
que não podiam expor, não importava a gente sempre levava a questão que a gente estava
querendo mostrava a proposta, e isso não existe. Nunca tivemos esse problema, muita gente
ficava com medo e falava: “isso vai virar uma feira, vai parecer coisa hippie”, mas nunca
tivemos esse problema. O que foi o “Vestível”, foi bem interessante, tem fotos com
qualidade, a montagem (...) é claro que tem trabalhos que vão ser um pouco...e isso também
faz parte do artista, eu posso fazer um trabalho brilhante, excelente, fantástico e fazer 10
trabalhos bem fraquinhos, então todo mundo faz isso, de repente eu mando, dentro do meu
critério e achei que o trabalho estava bom e estava ruim, todo mundo reconhece que estava
ruim, mas aí a gente tenta compensar também essa qualidade que a gente reconhece não estar
muito boa diluindo no conjunto, essa dos sacos, todo mundo vai lá, essa exposição que houve
na Galeria 90, a primeira coisa quando a gente entra na galeria é ver o conjunto, e o conjunto
foi pensado de uma forma, que ficasse plasticamente uma coisa interessante, e ai sim é uma
coisa que a gente vai procurando estruturar e saber, que tivesse algum tipo de contribuição
dentro da questão original, agora todos os trabalhos podiam ser vistos, porque tinham uma
participação cada um ia lá, eram diversos varais, e procurar seus trabalhos, o que ele ta vendo
ele vê um que descarta, então não importava porque você está vendo o conjunto de maneira
geral, e quando você parte pra estudar e ver o que tem, ai sim, você vai interpretar e dentro do
seu critério, que não é o meu, dentro do critério de quem quer olhar um mais rápido o outro
demora, outro não, a gente vê que não tem essa necessidade no andamento dessas propostas o
grupo foi se adequando a essa necessidade de saber que você está lidando com essa questão
da massa, e me lembrou uma analogia que um Maestro fez com a revoada de pássaros , a
gente pode ver como aquela massa toda que tá voando de maneira certinha, e aquilo fica
muito bonito, porque eles vão pra um lado de repente vira pro outro muito rápido, e da mesma
forma você olha ali e identifica cada pássaro, agora isso é uma proposta que a gente tem em
determinado momento, ninguém ali do periférico, ou de algum grupo, pelo que eu saiba se
dedica exclusivamente àquilo, todo mundo é artista também independente, mas sabe que
naquele momento é interessante participar daquele conjunto,é como se fosse uma orquestra,
todo mundo pode ser solista, mas quando você está na orquestra, a potência da musica é
diferente e só pode acontecer no conjunto, tem expressões que só acontecem no conjunto, e na
individualidade não dá, é um trabalho que a pessoa faz e que ele convida um monte de artista
pra participar de um trabalho que é dele, ali não é uma massa do grupo que é discutida de
possibilidades que só acontecem dentro daquela estrutura de coletivo.
P - Nunca houve uma recusa de trabalho pelo coletivo?
Não, isso eu acho importante porque nós nunca recusamos trabalho nenhum, a não ser é claro,
por exemplo, porque existe uma questão prévia, porque a gente sempre ficou um pouco
cabreiro por determinadas coisas que podiam fazer apologias, por exemplo um trabalho que
poderia fazer apologia a um preconceito, então isso era uma questão, de politicamente está ou
não está correto. Mas graças a deus nunca aconteceu, acho até pelo próprio perfil do grupo
nunca apareceu nenhum trabalho que esse tipo de questão viesse à tona, e realmente não estou
falando que a gente está isento disso, eu também não sei como a gente reagiria, houve sim
censuras fora, mas internamente a gente sempre teve consciência de que a gente não faria esse
tipo de coisa, isso é uma responsabilidade da pessoa, o grupo ta participando, mas é uma coisa
individual...é uma coisa consensual, mas o grupo também ...aí é uma coisa interessante porque
como o problema nunca apareceu, a gente também não tem como ficar discutindo. Mas me
parece também que o grupo não é responsável por uma atitude de uma pessoa, mas também
não sei se isso é correto não, é uma coisa que tem que ser pensada, porque se a gente ta
levando o nome do grupo ali, até que ponto a gente tem responsabilidade sobre isso?. Mas,
por exemplo o que aconteceu na Trocas, tinha uma pessoa que estava cheia de bife na roupa
presa, provavelmente quem é vegetariano teria que conversar pra saber que história era aquela
de bife na roupa, quem queria trocar um pedaço de carne dela com ele, aquilo era um critério
da pessoa, acho que nesse sentido é que é interessante a pessoa é que faz o julgamento na hora
se tem que pertencer , assimilar ou referendar ou não aquele trabalho.
Transcrição da entrevista concedida por Deneir de Souza no dia 29 de Abril de 2007.
P - Como você definiria as questões que abarcam o conceito de periferia?
Olha, é (...) o seguinte: a arte sempre foi (...) a arte brasileira, principalmente a brasileira veio
muito daquela coisa européia né, principalmente depois da semana de arte de 22, a idéia de
sempre olhar para o que está sendo feito lá fora e esquecer um pouco do que está sendo feito
aqui dentro né? Uma tendência nossa forte.
Eu acho que isso tudo exerce influência até hoje, essa coisa européia, tanto é que você tem a
moda lá e depois vem pro Brasil.
Mas eu acho que com o tempo a gente está quebrando isso, tenho certeza disso. Até porque
hoje em dia a arte é quase que uma coisa universal, televisão, internet, tudo né? Simultânea.
Então isso tudo virou a coisa meio que de cabeça pra baixo, então não tem muito essa também
nem de arte universal, nem de se copiar só o que está lá fora.
Isso também acaba ajudando ao Brasil a encontrar a sua própria identidade, eu acredito nisso,
e quando a gente imaginou o Imaginário Periférico e também o espaço da fundação, eu e mais
cinco colegas que você já deve ter citado: Raimundo, Julio Sekiguchi, Ronald Duarte,
Roberto Tavares e Jorge Duarte, nós começamos o projeto e hoje já somos cerca de mais de
300 artistas já catalogados pelo grupo Imaginário Periférico, a gente não sabia que isso ia
crescer tanto.
P - E durar tanto tempo também não é?
E durar tanto tempo, que as pessoas hoje em dia cobram, quando o Imaginário Periférico não
faz nada: “pô! O que está acontecendo com o Imaginário Periférico?” então a idéia de se criar
o Imaginário Periférico também é você criar uma espécie de estrada de mão dupla, por
exemplo, nós que moramos na Baixada Fluminense, nós temos uma produção também
cultural (...) (hesitante) eu acho que a Baixada Fluminense é um caldeirão cultural e que tem
pessoas de todo o Brasil, nordeste e tudo.
Então é um caldeirão cultural a Baixada Fluminense.
No início a idéia justamente é essa, criar uma estrada de mão dupla, da baixada fluminense, o
início era esse (...) (hesitante) da baixada fluminense pra Zona sul e Centro, porque a arte,
principalmente a arte contemporânea está muito ligada aos grandes centros, como acontece no
Brasil todo.
A nossa idéia era fazer essa ponte. Pessoas da baixada que produzem arte contemporânea
expor na cidade, ou a cidade também expor na Baixada Fluminense, e mostrar esses artistas
que estão produzindo arte.
Principalmente na Baixada Fluminense, mas a coisa foi crescendo, crescendo e quase que se
criou um movimento quase que político, porque quando você consegue juntar 300 pessoas
que abraçam uma idéia, vira quase que um movimento, né? Como muitos que já participaram
e saíram, outros entram.
A idéia é justamente essa, e também o bacana do Imaginário é o seguinte: até dei um
depoimento ali agora, é que o Imaginário não tem aquela coisa, aquela frescura das aberturas
de exposições, que eu acho que o Imaginário também é meio festa. Por exemplo, aqui no
Mac, a gente não tem coquetel, até porque não tem dinheiro pra fazer coquetel, mas tem
banana! Entendeu? (risos) (Ironia) Tem coisa mais simbólica de periferia, do que a banana?
Que alimenta e faz crescer? Não é?
Então o coquetel que está rolando é o que? É a cerveja, banana, é o papo legal (...) (sorrisos).
P - Você diria assim “artigos populares”?
É não deixa de ser, né? Então o Imaginário Periférico também vem com a idéia de quebrar
essa coisa, da arte tradicional, principalmente nas aberturas, isso tudo pra mim é periferia.
Então eu acho que a gente está num caminho legal também de amizade de um fortalecer o
outro, o colega ajudar o outro, entendeu? E isso está rolando, eu não sei no que isso vai dar.
É claro que muitos já foram absorvidos pela , por (...) (hesitou) galerias , né? Faz parte de
trabalhos de galerias, então, isso é uma coisa natural que acontece, né?
A gente acaba expondo tanto numa galeria na zona sul, quanto a gente expõe também na
cidade em que a gente mora, esse caminho é nosso objetivo.
P - O Imaginário Periférico é um coletivo capaz de agregar centenas de artistas por ação ,
na sua opinião quais seriam as causas para que tantos artistas de linguagens tão distintas
se reunissem tão rapidamente após as convocatórias?
Eu acho que é justamente isso, quebrar aquela coisa da arte elitista, né? Em que todos podem
participar. Você pode ser um artista popular, pode ser um artista conhecido, ou não, todo
mundo participa, isso é uma parte muito boa da filosofia do Imaginário Periférico, e outra
coisa o Imaginário periférico também não tem dono.
Nós iniciamos o projeto, mas hoje em dia todo mundo produz o Imaginário Periférico, e a
idéia é justamente essa, a gente não tem catálogo, a gente não tem cede, não tem dono.
Todo mundo é dono, 300 pessoas ou mais, são donos, então isso é que é bonito.
Por isso eu acho que ele não morreu ainda porque se um enfraquece um pouco, o outro está
fortalecendo. Inclusive nesse grupo, pessoas que foram agregando ao Imaginário Periférico
foram surgindo verdadeiros líderes que foram produzindo eventos do Imaginário Periférico e
que essas pessoas não participaram em nenhum, mas que veio depois e contribuiu
enormemente pra fazer crescer o grupo.
P - Em relação à Periferia qual a sua contribuição atual à comunidade de Periferia?
Eu trabalho como animador cultural, numa escola, o Brizolão: o Piabetá Magé, uma escola
mais periférica do que o Brizolão, o Ciep, e eu adoro esse trabalho (...) já faz 15 anos.
Na época fui convidado pela equipe do Darcy Ribeiro, e acho que a minha contribuição na
periferia é essa, de fazer arte educação numa escola pública, a minha escola, por exemplo, tem
2600 alunos. Independente do meu trabalho de arte educação que faço na minha escola, eu
também faço participações em exposições, procuro sempre levar alunos, ou artistas que estão
no entorno da minha comunidade pra promover esse trabalho, acho que minha principal
participação é como arte educador.
P - Existe um contato entre o Imaginário Periférico e outros coletivos tanto dentro quanto
fora do Rio de Janeiro ou do próprio país.Que grupos são esses e quais são as propostas?
A maioria dos artistas que participam aqui do Imaginário Periférico é aqui do Rio de Janeiro,
já tivemos gente de São Paulo, teve uma vez que nós fizemos no ano passado o ano (em 2005)
do Brasil na França, fizemos um intercambio com um grupo francês, na época também eu
estava lá. Fui pela Secretaria de Cultura, participei como artista, do ano do Brasil na França,
fui convidado pela Secretaria de Cultura e fiquei lá 11 dias em Paris, fazendo brinquedos de
sucata com crianças francesas e ao mesmo tempo estava expondo em Nice, numa exposição
de Arte Contemporânea também.
P - Você tem registro desse material?
Tem, tem todo o registro, tem matéria de jornal, tem televisão, o Instituto Telemar fez um
vídeo sobre a nossa atuação, quer dizer, tem tudo isso (...) (pausa) quer dizer, um periférico de
Piabetá indo lá pra fora, isso é legal né? Isso é bacana. Antes a gente trazia deles agora a gente
está levando.
P - Mas houve assim, uma relação intrínseca entre o periférico e o grupo de lá, parece que
eles também tinham uma idéia de periferia, né?
Tem, o grupo ele é bem parecido, a idéia do grupo lá também é bastante parecida, por isso que
rolou bem, a idéia nossa também era trazer o grupo pra cá, mas não houve essa possibilidade,
o custo é muito alto, mas a nossa participação lá foi super importante nesse evento.
P - Há alguma previsão do Periférico ir pra outro país, fazer alguma intervenção em outros
países?
Não, acredito que no momento não, acredito que não, pode ser que numa próxima a gente vá
participar pelo menos eu não estou sabendo.
.
P - Você veria alguma relação entre o discurso e as ações do Imaginário Periférico com
algum grupo ou movimento histórico?
O Brasil já teve vários movimentos históricos de arte, acredito que um dos mais importantes
foi na década de 60, na ditadura militar, né? Aquela coisa, porque você (...) (pausa) eu acho
que por aqui você faz um trabalho mais forte quando é pressionado. O Brasil produziu muito
nessa época, década de 60, 70.
P - O advento da Arte Conceitual também?
Tudo. Arte conceitual, a Lygia Clark e o Hélio Oiticica contribuíram muito até para o mundo
da Arte Contemporânea, essa participação (...) né? É o que eu falo, acho que a contribuição do
Imaginário Periférico hoje é justamente essa, essa coisa do popular, né? Todo mundo se
envolver e fazer um (...) (pensando) não sei se é um movimento, só o tempo vai dizer talvez
amanhã ele acabe, a gente não sabe. O importante é que a gente conseguiu incluir 300, 400,
isso que é importante.
P - De que forma você avalia a interdisciplinaridade presente no grupo?
Como é que eu avalio? Olha, é complicado você falar isso, porque é tão vasto, cara, é tão
amplo...
P - Porque é um movimento assim tão heterogêneo, você vê têm pessoas ali que vão fazer
um som, outros mais ligados à literatura, outros ligados à dança, como é que você avalia
essa convergência de linguagens?
Mas, é isso que é bonito, eu acho que a arte hoje, no mundo de hoje, acho que é justamente
isso, é você juntar todo mundo juntar as coisas e criar força, igual elefante, ele junta a força
que tem, então eu acho que o Imaginário cresceu justamente por isso, pela força que ele tem,
de um contribuindo com o outro, e independente de linguagem, nós já tivemos gente de
música, junto do Imaginário Periférico, pessoas de teatro, mas principalmente das artes
plásticas.
Todos são bem-vindos, às vezes a pessoa não vem, como a gente não tem um produtor
musical, teria que ter (...) às vezes a pessoa não vem por causa disso, porque a gente nunca
tem verba pra fazer nada praticamente, então a música já existe equipamento, por exemplo,
né? O teatro menos ainda (...) mas, são todos bem-vindos ao Imaginário Periférico, embora
nós trabalhemos principalmente com as artes plásticas.
Então eu acho que esse amontoado de coisas, cada uma faz seu trabalho, independente de ser
uma instalação, uma pintura, ou ser um objeto, eu acho que isso tudo é que é importante. Essa
festa que é importante. Eu acho que a arte hoje é também uma arte educação, eu acho que tem
se que passar hoje pela arte educação. Eu acho que só a educação mesmo é que vai mudar
alguma coisa nesse nosso país, tão problemático, com tantas injustiças, a cultura é forte né?
P - Falando nessa questão de verbas, dessa dificuldade toda, eu gostaria de saber como são
organizados dentro do grupo o processo de elaboração e escolha de um tema pras ações, e
o levantamento de verbas e prolabore, e outros tipos de apoio que viabilizam as ações do
grupo, que instituições apoiaram o Periférico?
A primeira instituição que apoiou o Imaginário Periférico foi o Sesc. Aí nós fizemos uma
exposição itinerante pelo Sesc, uma coletiva, daqueles que iniciaram o grupo, foi o Sesc que
ajudou na época, aí nós fizemos: primeiro foi em Nova Iguaçu,no Sesc de Nova Iguaçú,
Madureira (...)
P - Com grande influência do Raimundo Rodrigues, inclusive, né?
É, o Raimundo participou também com a gente, então na época fizemos contato com o Sesc
que topou a idéia, e foi o primeiro patrocinador do grupo e depois nós tivemos poucos
patrocínios. Nunca tivemos grandes patrocínios não, acho que o maior inclusive foi o primeiro
(risos), porque depois não tivemos quase, não tem. Até porque nós não somos uma
organização, não temos firma (...)
P - Não tem cnpj essas coisas todas...?
É, não tem, então isso dificulta, né? E nunca queremos ter isso também.
P - Essa é uma preocupação do Periférico, não se institucionalizar? Não é?
É, porque se institucionalizar, eu acho que acaba. Não é? (risos).
P - Nos manifestos a gente vê presente assim, não sei se o informe é irônico ou se
realmente levado a sério, mas uma série de reivindicações ali em relação a essas políticas
culturais vigentes. Poderia falar um pouquinho delas?
Olha (...) (hesitante) não existe bem uma reivindicação, acho que o próprio fato de ocupar o
Mac hoje, por exemplo, com várias ações é uma forma de visibilidade do grupo e de mostrar
né, tudo bem (...) o Mac vazio né? Tudo bem, a gente não está lá dentro mas está aqui fora,
né? O importante é você está fazendo alguma coisa, e é uma forma de você reivindicar.
P - Você concorda que seria uma crítica à instituição dentro da instituição?
Pode ser né? Quem sabe? (muitos risos) quando se come banana assim no Mac, já é uma
forma de protestar um pouquinho, ou (...) (pausa) (risos) na cara! (muito irônico).
P - Fale um pouco do seu trabalho dentro do coletivo, existe alguma diferença ou processo
de adaptação do seu trabalho dentro e fora do grupo?
Não, é tudo a mesma coisa, eu acho que meu trabalho é o seguinte: eu chamo meu trabalho de
“arte vira lata”, porquê? Porque eu já trabalho com lata há muito tempo, então todo meu
trabalho vem da lata, principalmente da lata.
E a lata é um produto bastante (...) (pensando) um material, vamos chamar de “pobre”, que
vem do lixo.
Então esse meu trabalho dentro do Imaginário Periférico se encaixa perfeitamente, de não
precisar de grandes materiais caros, são materiais simples, então esse trabalho que eu faço de
expor em galerias, como já expus, atualmente estou participando do: “Novas Aquisições” do
Museu de Arte Moderna, da coleção Gilberto Chateubriand, quer dizer, o mesmo trabalho que
estou expondo lá dentro, no Mam, por exemplo, é o trabalho que exponho em Piabetá onde
moro, como qualquer outro lugar, então não existe uma relação do meu trabalho com o
Imaginário Periférico, por exemplo, é tudo a mesma coisa.
P - Você concorda que em muitos trabalhos dos artistas que já passaram ou estão no
grupo, houve uma predominância de uma poética da precariedade ou adversidade?Fale um
pouco sobre as questões das poéticas visuais dentro do Imaginário Periférico.
É aquilo que eu te falei né? De você trabalhar com um material pobre, mas ter poesia nisso, e
não ter preconceito contra isso. É uma forma de quebrar...
P - E você vê mesmo uma predominância no Periférico de um material que vem do lixo,
reciclável....
Eu vejo muito isso nessa questão da precariedade da periferia de você trabalhar com qualquer
material, eu acho que isso é como se fosse uma colcha de retalhos, eu acho que o Imaginário
se caracteriza por isso, a adversidade do material e também da precariedade do material. E é
fácil de ser encontrado, principalmente nos lugares que nós moramos que é a periferia, por
falar em periferia têm muitos periféricos que também depois se agruparam ao Imaginário e
são expressões artísticas da Zona Sul.
P - Por isso eu fiz essa pergunta sobre seus trabalhos e seu trabalho é diferenciado dentro e
fora do grupo, porque eu sei que têm outros artistas, como o da Chang por exemplo, que
tem um trabalho super delicado, em alto nível, e dentro do periférico ela já trabalha com
essa colcha de retalhos mesmo de saco plástico, é diferente, por isso que faço a pergunta.
Não, mas o meu trabalho não, mesmo o trabalho meu que está no MAM exposto agora, no
Museu de Arte Moderna no Rio é o mesmo que eu vou expor em Piabetá onde eu moro, por
exemplo.
P - Você diria então que alguns artistas quando se juntam ao Periférico se enquadram à
poética do periférico?
Sim, outros não, continuam com seu trabalho. Outros já se encaixam mais ou menos com o
que o grupo está fazendo, mas, raramente a pessoa faz isso geralmente a pessoa faz realmente
o seu trabalho, mas incorpora junto com o periférico dependendo da situação da exposição.
Por exemplo, aqui como é embaixo do MAC você não poderia trazer um quadro, porque
exigiria uma parede, então já uma coisa diferente.
Por isso que às vezes isso quebra um pouco aquela coisa do estilo do artista, de repente faz
uma outra coisa. Eu, por exemplo, não tive tempo de fazer um trabalho para aqui, mas eu
peguei um trabalho que eu tinha em casa, é até um objeto, um “pau de chuva”, depois eu te
mostro, ele faz um som de chuva, não foge do meu trabalho porque também não deixa de ser
um trabalho meio de arte educação, é isso.
P - Você acha que o Imaginário periférico pode representar um tipo de identidade
contemporânea?
Eu acho que sim, pelo movimento que está acontecendo, pelo agrupamento de gente, que vai
crescendo a cada dia mais, quem sabe pode contribuir um pouquinho com a arte de hoje, só o
tempo pode dizer, é muito difícil, eu espero que sim. (risos).
P - Como você avalia a durabilidade do grupo que se inicia em 2002 e continua a fazer suas
ações e exposições coletivas até os dias de hoje. Quais seriam em sua opinião as principais
mudanças visíveis no grupo atualmente?
O grupo não teve muita mudança não. A proposta desde o início continua até hoje, ele só
cresceu.
P - Questionar o “meio de arte”?
Principalmente, questionar o meio de arte. Mesmo com seis que nós iniciamos, até hoje, ele
não mudou seu pensamento, só cresceu, porque foram entrando pessoas.
P - Atualmente o grupo parece mostrar uma preocupação com a posteridade, em deixar seu
espólio iconográfico através da reunião de um banco de dados e imagens, como ficou claro
com a proposta da intervenção como o Mac Vazio. Fale um pouco desse evento e da
importância de ter um registro organizado sobre o grupo.
Na verdade vai ter uma entrevista com todo o grupo do Imaginário Periférico, e claro que a
gente pretende como nós não somos uma instituição, a gente tem que guardar imagens.
Eu tenho bastante coisa em casa, Raimundo também tem, todos nós temos, a gente está
tentando através desse evento aqui no Mac através de depoimentos, reunir documentos, que
nós temos muito, como eu te falei, como não é uma instituição é uma idéia que pode se
perder. Agora em relação à posteridade se vai rolar alguma coisa, se o Imaginário contribuiu
só o tempo mesmo que vai dizer.
P - Quando as ações do Imaginário Periférico se realizam especificamente nas áreas
urbanas, tanto nas periferias, quanto nas áreas centrais, diferentemente das ações
realizadas nos Museus e nas galerias, onde a Arte Contemporânea encontra a legitimidade
pela própria instituição, há algum tipo de preocupação em relação ao potencial
comunicativo do que está sendo mostrado para o público. Vocês têm a preocupação em
relação ao reconhecimento do público do que é feito pelo coletivo como arte?
Eu acho que o seguinte: eu acho que no meio das outras respostas eu já respondi sobre isso.
Eu acho que quando você consegue, como eu falei já várias vezes, quando você consegue
juntar 300, 400 pessoas, mais não sei quantas que estão vendo seu trabalho, você já conseguiu
seu objetivo.
P - De ser reconhecido como um produtor legítimo de cultura e de arte.
Acho que sim, entendeu? Porque acaba saindo na mídia né? O que eu queria dizer também
sobre o Imaginário, é o seguinte: todos nós somos artistas plásticos, independente do
Imaginário todos nós temos um trabalho nosso, um trabalho pessoal que você expõe, que você
vende, coloca em Museus, em galerias. E tem o trabalho teu coletivo do Imaginário
Periférico, e como eu falei a pouco, que se misturam, pra mim não é diferente, então, eu acho
que é isso.
Às vezes a gente é mais reconhecido pelo trabalho individual do que em grupo, num grupo
que tem 100, 200, 300 pessoas com o seu trabalho individual não, você tem uma exposição
individual e seu trabalho é visto ali, no grupo, você é 300, mas é isso que é bacana.
Você pode estar no Museu de Arte Moderna, como pode estar em Fragoso, ou Nova Iguaçu,
Caxias, ou em Paris, como aconteceu com o Imaginário.
P - Qual a relação atualmente do Imaginário Periférico com as Secretarias de Cultura,
Prefeitura das áreas periféricas, e o próprio Ministério da Cultura, e como o coletivo
consegue se manter longe do processo de institucionalização, e ainda assim realizar a
captação de recursos legalmente?
Essa pergunta é muito bacana. A gente não tem apoio institucional praticamente nenhum, as
prefeituras, pouquíssimas, convidaram a gente, a não ser a de Nova Iguaçu, por exemplo, eu
moro em Magé, né? Uma vergonha! A gente não tem nada no município em termos cultural, e
eu sempre tive vontade de levar o Imaginário periférico pra lá, mas é impossível.
P - Quais são as principais dificuldades, Deneir?
Eu acredito que eles não dão muito valor à cultura, e a Baixada Fluminense, onde eu moro,
como eu te falei antes é um caldeirão cultural, mas muitos municípios não têm essa
preocupação.
Eu acho que Nova Iguaçu, por exemplo, é um exemplo de dedicação à cultura, através de sua
Secretaria de Cultura, entendeu? Agora, Caxias mais ou menos, eu to falando de Baixada
Fluminense, São João mais ou menos, Magé é horrível, moro lá, quase nasci lá, vou fazer 53
anos, sou cidadão Mageense, mas infelizmente fica meio encruado lá, minha produção é feita
fora, porque não consigo fazer nada lá.
P – E para manter seu atelier??
Não, eu mantenho toda minha produção lá, mas o único vínculo que eu tenho cultural que eu
produzo alguma coisa é dentro da minha escola, porque fora da minha escola nem precisa, e
não tem como procurar a Secretaria de Cultura, porque ela simplesmente não existe. Então o
periférico não tem muito essa coisa de instituição que apóia como eu te falei, ele existe porque
é grande, só isso (...) e não tem um produtor como eu te falei.
P - Fale um pouco das ações do grupo. Como aconteceu a elaboração das seguintes ações:
Vestíveis, Anti-futebol, antiarte, a Feira de Trocas da Cinelândia, a Caras- Miscigenação
que aconteceu na Nuit Blanche, em Paris.
Por exemplo, “Vestíveis”, foi feita lá em Friburgo, e foi uma exposição muito bonita, você
falou de apoio institucional, lá a prefeitura apoiou, realmente lá em Friburgo, apoiou, tivemos
um grupo excelente lá em Friburgo.
É aquela história que eu te falei, você está no Imaginário e ao mesmo tempo está no Museu,
esse trabalho, por exemplo, que eu expus no Vestíveis, lá em Friburgo, que é um trabalho
chamado “multitextis”, que é uma escultura, que depois foi adquirida pela coleção Gilberto
Chateaubriand e está no MAM aqui do Rio de Janeiro, quer dizer você vem da periferia, ta
expondo lá, mas também (...)
P - Está sendo absorvida de uma certa forma?
Aquela ponte que eu te falei de mão dupla, né? Agora antifutebol, antiarte, elaborada pelo
Hélio Branco em São Gonçalo. Tivemos um angu à baiana, então o Imaginário é isso, então
foi uma festa isso aqui.
Feira de trocas na Cinelêndia foi organizada pelo Jorge Duarte e a Funarte, que não deixou de
ser um apoio institucional, então a idéia era trocar trabalhos ali, na época eu expus tijolos, eu
troquei “tijolos periféricos”.
A idéia era que você trocasse e levasse tijolos para casa e um dia quem sabe a gente pudesse
juntar esse tijolo, que era um tijolo pequeno e criar a sede do Imaginário periférico, então era
uma coisa meio fantasia (...) (risos) tijolo mesmo, que eu trabalho com cerâmica...
P - E a Nuit Blanche?
Periférico na França foi um intercâmbio do ano do Brasil na França...
P - Mas a proposta foi do Chave-Mestra, não foi? Que fizeram os primeiros contatos?
Sim, sim é verdade, quem fez o primeiro contato foi o “Chave-Mestra”, e convidou o grupo
pra participar, o trabalho foi assim: como o grupo não podia ir até a França, foi feito máscaras
dos artistas né? E os artistas periféricos utilizavam as nossas máscaras, então não podemos ir,
mas a máscara foi....e também na Central do Brasil foi um dos primeiros eventos do Periférico
(de grande porte), um dos principais eventos do Periférico, ocupamos ali, um trabalho
maravilhoso, todo mundo participou, e foi uma festa, acho que o Periférico cresceu muito a
partir desse Central do Brasil.
P - Você não vê um deslocamento até assim simbólico do periférico, como se a partir da
central mesmo ele tivesse se expandido para outras áreas do Rio?
É verdade, o Brasil foi construído através da estrada de ferro. Por exemplo, onde eu moro em
Piabetá, foi construída a primeira estrada de ferro do Brasil, Barão de Mauá de 1854, hoje em
dia está virando lixo, está abandonada, a primeira estrada de ferro do Brasil. É por isso que eu
acabei de te falar agora que o município onde eu moro é assim (...) (concluiu) infelizmente.
Então eu acho que o nome é bem simbólico “Central do Brasil”, onde tudo se encontra, então
eu acho que essa foi uma das mais importantes intervenções.
Transcrição da entrevista concedida por Jorge Duarte no dia 17 de Outubro.
P - A primeira pergunta Jorge, é: Como você definiria as questões que abarcam o conceito
de “periferia”?
Bom, o que eu acho é assim: é muito difícil você definir periferia num sentido estrito, né?
Tudo, de alguma maneira me parece poder também estar na periferia, se você pensar, por
exemplo, no nosso caso aqui do Brasil.
O Brasil pode ser um país periférico em relação aos grandes centros, por sua vez, o subúrbio,
a Baixada Fluminense, pode ser a periferia com relação ao Rio de janeiro, centro, zona sul.
Ou no caso, por exemplo, da própria Nova Iguaçu, ela vai ter pontos mais centrais e pontos de
elite, contra uma área mais abandonada, mais periférica, mais lateral.
Então eu acho que para definir “periferia”, você tem que também definir que tipo de relação
ela está mantendo, o que estará para ela como sendo um centro por oposição à periferia.
Eu acho que o Periférico entende a “periferia” de uma maneira bem ampla que pode ser tanto
a gente atuar numa periferia que está em relação ao centro cultural do Rio de Janeiro, que vai
da zona sul até o centro da cidade, ou também como o Brasil sendo um país periférico
dialogar com o resto do planeta.
P - O Imaginário Periférico é um coletivo capaz de agregar centenas de artistas por ação,
em sua opinião quais seriam as causas para que tantos artistas de linguagens tão distintas
se reunirem tão rapidamente ao grupo através das convocatórias?
Bom, é o que eu acho é o seguinte: O Periférico é essencialmente um movimento político. Um
movimento que se estabelece a partir de uma política de circulação da Arte Contemporânea
devido ao fato de, por exemplo, numa cidade como o Rio de Janeiro, que é nosso palco de
ação principal, toda e qualquer manifestação cultural importante sempre ocorrer entre o centro
da cidade e a zona sul e alguns pontos assim mais isolados, dentro dessa área. Mas, o
caldeirão mesmo onde ferve tudo está aqui dentro.
P - Qual, o mercado?
O mercado, mas também os grandes centros culturais os museus. Então eu acho que o que
agregaram tantos artistas, são vários fatores.
Primeiro, um certo sentido de responsabilidade social que cada artista têm de fazer sua obra
extrapolar esses limites institucionais, de poder também chegar a um público mais amplo,
para pode não só formar um novo olhar como também para poder ter respostas de um público
que não é aquele público especializado de arte, aquele público informado que freqüenta
escolas, que freqüenta museus, que lêem livros específicos e que na maioria das vezes são
pessoas envolvidas diretamente com esse tipo de produção.
Então, você expor na periferia tem, acho que pra todo mundo um pouco desse sentido, poder
ter uma resposta pra uma obra sua que você também não vai encontrar nesses lugares, de um
crítico, ou de um colecionador, que é o olhar de uma pessoa comum, com a cultura que ela
tem, reagindo diante da sua obra e dando a resposta que ela acha que pode dar e que é
possível pra ela.
P - Os 6 artistas que originalmente formaram o Imaginário Periférico, possuíam e ainda
possuem relações com as comunidades de Periferia. Por exemplo: Roberto Tavares em
Mariópolis, Deneir de Souza em Fragoso e você em Magé – Pau Grande, por exemplo.
Qual a sua relação atualmente com as comunidades de periferia, e interagir diretamente
com o público dessas comunidades ainda é uma preocupação do Periférico?
Eu acho que sim, eu acho que a preocupação central do Periférico seria exatamente o que?
Levar a arte para um público que normalmente não tem acesso aos veículos que fazem
circular a arte. O que é muito comum para uma pessoa que mora em Nova Iguaçu, ou que
mora em Magé, ou que mora no subúrbio, ele não tem galeria, não tem museu.
A própria cidade não tem uma estrutura, como Magé, por exemplo, é um lugar que não tem
uma sala de cinema, não tem galeria, não tem nada.
Então quer dizer, o Periférico nasceu justamente de um projeto que nós tínhamos de criar um
centro na região de Nova Iguaçu, ali bem perto da Via Dutra, um galpão, ali, onde nós
pudéssemos ter uma galeria, ter oficinas, onde a gente pudesse ter um cine clube...
P – Isso tem relação com a galeria Walmir Ayala?
Não, isso foi um projeto, a gente fez esse projeto pra Petrobrás...
P – Em parceria com o Sesc?
Não! Isso foi um projeto que não foi aprovado a verba pra isso, mas quando nesse momento a
gente passou a se reunir bastante pra discutir isso, porque o que a gente queria? Um centro de
arte na Periferia, onde nós pudéssemos levar pessoas para ensinar, onde nós pudéssemos levar
os nossos amigos, colegas para expor, onde nós mesmos iríamos expor nossos trabalhos, ia ter
uma biblioteca, ia ter um cineclube, enfim, um centro ativo de arte contemporânea, de
produção, de pensamento, de exibição.
Não houve a verba não saiu, a Petrobrás não contemplou o projeto, mas a partir dali, nós
começamos a expor juntos, quase sempre com mais algumas pessoas e a gente foi percebendo
que a gente podia abrir e extender essa participação a qualquer artista que quisesse, foi
quando começaram a surgir as convocatórias livres, e o número de artista foi crescendo,
crescendo, até que hoje a gente já tem uma mala direta com cerca de 400 artistas que em
algum momento, participaram de algumas de nossas intervenções.
P – Existe um contato/diálogo entre o Imaginário Periférico e outros coletivos tanto dentro
quanto fora do Rio de janeiro, ou do próprio país? Que grupos são esses? Quais as
propostas em comum?
Bem, eu acho assim, que hoje essa idéia de coletivo é uma idéia que está ganhando cada vez
mais força, e cada dia surgem novos grupos, novos coletivos. Na maioria deles, são coletivos
fechados, restritos a pequeno número de artistas que quase sempre desenvolvem um trabalho
em comum, idéias em comum, ou obras em comum.
O Periférico não, ele tem um sentido de ser um grupo de produção de mostras de eventos,
então quer dizer, ele se abre também aos outros coletivos, outros coletivos já participaram de
ventos nossos...
P – A chave-mestra?
A chave-mestra, pessoas do grupo “Pi”, do “Radial”, do “Atrocidade”, são pessoas que
participam né? O “Mate com Angu”, que também não deixa de ser, um cineclube, mas
também tem essa mentalidade que organiza os coletivos.
Então acho que a gente está bem integrado, a gente se conhece e não existe nenhum tipo
também de competição, o que a gente quer é agregar, quem quer que seja. Tanto que a gente
não distingue, a gente nunca pediu currículo, a gente não quer saber se a pessoa já participou
de alguma mostra importante ou não, se ela tem alguma referência nesse sentido. Então, o
Periférico também, quer dizer, se abre para a experimentação de novos artistas, muitos artistas
começaram a mostrar, ganharam coragem de vir ao público pela oportunidade de participar...
P - É o caso do Timbuca, não?
Exatamente, o Timbuca foi um deles, um artista que ganhou muito fôlego, quando ele
começou a participar conosco e quando ele começou a se integrar numa comunidade de
artistas. É, o Timbuca eu conheço (...) (pausa, pensando). Porque tanto eu como o Fiúza,
como o Deneir somos vizinhos lá do Timbuca também, então foi uma coisa natural, a gente
viu que ele estava produzindo a gente começou a levar ele com a gente e isso deu a ele um
impulso criador muito grande, daí ele passar a ser mesmo um artista, até dentro da própria
comunidade. Quando antes ele podia ser um cara estranho ali, que fazia umas coisas
esquisitas, mas, ele começou a ganhar matérias na imprensa, e tudo mais: “o cara é o Timbuca
é um artista”. Eu acho que o Periférico deu força pra muita gente, além dele, porque é uma
coisa que você chega ali e ninguém está te cobrando nada, o que algumas pessoas consideram
a maior falha do Periférico, porque não existe uma curadoria, no sentido de que tenha alguém,
um especialista ali, que vai decidir o que deve ou não ser mostrado.
P – O Hélio Branco costuma dizer que é a “curadoria do afeto” né?
É a curadoria é individual, cada artista decide o que vai mostrar e ele vai ser julgado também
pelo que estiver mostrando, não somos nós, porque senão a gente vai cair na mesma estrutura
de qualquer grande mostra, de qualquer salão, e nenhum de nós quer assumir esse papel.
P – O Júlio, por exemplo, vê alguma coisa de Fluxus, da década de 60, essa coisa de
happening , performance, o grupo Frente, você veria alguma relação assim?
Com certeza o Imaginário Periférico ele nasce assim num momento político, histórico, social
também do Brasil, talvez até do planeta, que vem na esteira de toda essa vanguarda que
começou lá na virada do século XIX, pro XX, abrindo pra uma série de atitudes nobres dentro
da produção e difusão da obra de arte. Nesse sentido, acho que o Periférico vai ter relação
com muita gente. Vai ter relação até se a gente for dar um passo bem atrás até com o próprio
“Salão dos Recusados”, vamos dizer, as pessoas: “ ah, então vamos colocar os trabalhos aqui
pra quem quiser ver”, independente do júri ou de quem quer que seja, mas acho que ele não
tem assim nenhuma vinculação direta, nenhuma filiação. Ele surge exatamente dessa
necessidade que nós tínhamos, e também não foi uma necessidade só de nós seis, mas
também de muitos outros artistas como o Jarbas Lopes, que desde o início participou com a
gente, e muitos outros mais, de levar a arte pra uma região onde nós próprios vivíamos e
sentíamos falta de arte e de cultura ali. E que era uma forma também da gente dar alguma
contribuição.
Daí eu fazer um evento lá em Pau Grande, o Raimundo fazer em um terreno baldio no bairro
dele...
P - No Galpão do Gil?
Exatamente.
P - De que forma você avalia a multidisciplinaridade presente no coletivo?
Isso eu acho que uma das coisas mais saudáveis no periférico, isso porque hoje você tem
determinadas linguagens que elas próprias já não são muito fechadas, assim, por exemplo, a
performance tem um lado que é assim teatral, visual e tudo mais.
Eu acho que essa idéia do Periférico de agregar também outras formas de linguagens que não
puramente as das artes visuais, foi uma forma até também de complementar a informação
mesmo que nós poderíamos levar. Porque assim, se a gente pode levar uma exposição de arte
para um terreno baldio, ou para uma praia nos fundos da baia, porque a gente não pode levar
alguém pra recitar poesias? Porque a gente não pode levar alguém pra fazer um esquete de
teatro? Ou porque a gente não pode levar um grupo de dança? Ou porque a gente não pode
levar uma banda, como o Carcará, por exemplo, inclusive que tem uma preocupação didática,
que nasceu dentro de uma escola.
Então eu acho que isso é uma maneira de enriquecer a nossa mensagem assim, vamos dizer, e
uma maneira também da gente abrir um espaço pra outras modalidades de linguagem que
também sentem esse mesmo problema.
P - Como são organizados dentro do grupo o processo de elaboração e escolha de um tema
para as ações e o levantamento de verbas, prolabore, e outros tipos de apoio que viabilizam
as ações do grupo? Que instituições já apoiaram o coletivo?
Muitos eventos não tiveram nenhum tema, né? Só uma situação, então as pessoas iam pra lá
com as obras que quisessem, e a gente sentiu necessidade de colocar algum tipo de limite
quanto a isso, às vezes por questões do espaço, ou pelo desenvolver de situações especiais.
P – Desculpe te interromper, mas na Galeria 90 e “Vestíveis”, por exemplo, que foram em
galerias, aí tinha um tema, não é?
É a galeria 90, não tinha um tema, tinha uma escala e uma questão física das obras, porque a
gente precisava ter segurança de poder colocar todas as obras lá dentro. Então se criou um
limite, que seriam obras planas de um tamanho x que fossem caber numa sacola, que seria
pendurada como num varal, que era uma maneira de viabilizar uma montagem, que a gente
não sabia à princípio quantas pessoas gostariam de participar.
O Bloco lá, por exemplo, a “Performance Plástico-Sonora”, pós-caranaval lá em Pau Grande,
foi um evento que surgiu assim, de um bloco nascente de carnaval em que eu resolvi dar uma
força pra esse bloco e fui me envolvendo, e num dado momento eu percebi que eu podia
contar com o Periférico para apoiar um evento do bloco, somar ao bloco, criar uma
performance coletiva de obras individuais, onde o bloco, que teria uma bateria e tudo mais e
que tinha uma relação com os antigos blocos de sujo que batiam lata, daí eu formulei uma
proposta de que as obras seriam todas Plástico-sonoras, todas teriam que ter então além de um
apelo visual, alguma coisa sonora, de formar um instrumento, alguma coisa que você poderia
arrastar pelo chão, enfim...
P – O “pet” foi o principal material usado?
Não, o principal material foi a lata, e o ruído da lata. Então teve artistas que fizeram
instrumentos, outros que adaptavam calçados, por exemplo, às chapas de latas, iam sambando
e o piso era de paralelepípedos, então teve a “Bolata” genial do Mário Barata que era uma
esfera de vergalhão com latas de cerveja e refrigerantes, que quando aquilo rodava na avenida
fazia um som incrível.
Quando a gente tem algum limite é dessa ordem. Por exemplo, “A feira de Trocas e
Pechinchas”, ela não tinha nenhuma limitação, ela tinha uma sugestão, cada artista deveria
levar uma quantidade bem grande de um múltiplo qualquer que ele poderia vender a 1 real,
um preço simbólico, evidente, e trocar com os amigos.
Então tinha uma brincadeira da gente virar colecionador na medida em que a gente ia
adquirindo a obra dos colegas, e da gente fazer algum tipo de pensamento de obra mesmo que
de pequeno formato, ou um múltiplo com uma grande tiragem chegar às mãos do público por
1 real, porque no fundo o que a gente queria? Ela estava numa Praça super-movimentada do
Rio de Janeiro, onde passam pessoas de todos os lugares, instigando essas pessoas, e aí foi
com o apoio da FUNARTE, a gente trabalha muito com essas instituições, porque a gente não
tem uma verba própria, a gente não tem também sequer uma figura jurídica que nos permita
levantar patrocínio, porque assim, o Periférico ele tem uma estrutura absolutamente
anárquica, não tem presidente, não tem diretor, tem um grupo fundador que acaba sendo o
responsável, mas mesmo esse grupo se dissolve na medida em que outras pessoas como o
Hélio Branco começam a assumir a produção, começam a organizar eventos, e de que pessoas
chegam pra gente e formulam propostas, então a gente tem que ir em cima sempre da
Secretaria de Cultura do lugar, ou até de empresas e tudo mais, mas é sempre é uma coisa
muito precária, a gente também não quer (...) não é que não queira, mas a gente não pode
ainda ter ainda uma superestrutura pra fazer nada.
A gente quer às vezes um ônibus pras pessoas irem, tem um lanche, um almoço, num lugar
improvisado onde cada um vai montar o seu trabalho, e é isso...
P – Jorge, Quais são as principais reivindicações do coletivo em relação às políticas de
cultura?
Olha, acho que as nossas reivindicações são as mesmas da sociedade, ou pelo menos de uma
parte da sociedade, que cobra do Estado uma melhor divisão de renda, uma melhor
distribuição dos bens, dentro dos quais se incluem os bens culturais.
Cultura no Brasil é uma coisa cara, é um produto caro e por isso é elitizado, por outro lado
cultura é fundamental para a formação de um pensamento do povo de qualquer região do
planeta e aqui ela fica muito, principalmente em alguns setores, e eu acho que as artes
plásticas, talvez seja a mais isolada, né? A arte contemporânea talvez mais ainda que a arte
acadêmica, mas todas ficam isoladas.
Então o que a gente quer? A gente quer que se distribua melhor, que se distribua por aí,
galerias, vamos abrir, bibliotecas, cinematecas, criar acesso. Daí que a gente fez até aquele
Manifesto da “Fome Zero Cultural”, que é uma ironia em cima do “Fome Zero” do Lula,
porque a gente acha que se você também supri essa fome cultural, essa necessidade que as
pessoas têm de mais cultura a sociedade inteira aprende a se virar melhor.
P - Fale um pouco do seu trabalho dentro do coletivo. Existe alguma modificação no
processo de adaptação do seu trabalho dentro das poéticas adotadas pelo periférico?
Não, quer dizer, o meu trabalho dentro do grupo é assim: têm dois lados, uma é maneira como
eu participo dos eventos com as minhas obras, que pode ser uma obra que eu crie
especificamente para um determinado evento como foi lá no Mac, ou uma obra qualquer que
eu ache que é viável para aquela situação. E o meu trabalho como produtor, como alguém que
em algumas ocasiões ajudou ou encabeçou a organização de certos eventos.
Não era pra ser tanto um trabalho do Periférico, porque na realidade o Periférico tem essa
parte que é você organizar evento, como foi no meu caso na “Feira de Trocas” ou a
“Performance Plástico-Sonora”, ou um outro evento que eu fiz lá em Pau Grande, que aí
envolve uma atividade mesmo de produção, de contato, de e-mail, de responder e-mail, de
tirar dúvidas, de anotar coisas, de buscar patrocínio, um trabalho de produção.
Esse trabalho tem algumas pessoas que fazem, e tem o trabalho que é o das pessoas que
comparecem e levam suas obras. Enfim, então esse trabalho que eu fiz algumas vezes como
produtor, eu acho que é uma responsabilidade que cada um de nós teve que assumir mesmo.
E eu entro como artista, é um grande prazer né? Porque além de tudo os eventos do Periférico
são momentos de encontro entre os artistas, de confraternização, de conversa e de troca de
idéias, enfim, vira sempre uma festa.
P - Você concorda que em muitos trabalhos dos artistas que estão ou já passaram pelo
grupo, houve a predominância de uma poética da precariedade e da adversidade? Fale um
pouco sobre a questão das poéticas visuais dentro do Imaginário Periférico.
Também essa é uma questão muito difícil, assim eu acho. Porque é como eu disse né?
O Periférico tem hoje 400 artistas que já participaram dele em um ou mais eventos e que são
artistas com suas obras, com suas linguagens individuais, é muito difícil a gente enumerar
tendências ou se dentro do Periférico por a gente estar atuando na Periferia e estar discutindo
essa relação entre centro e periferia, exclusão, inclusão, tudo que possa ser relacionado a isso,
não dá pra saber em que medida isso possa ter influído no trabalho das pessoas.
Pode ser que em alguma situação sim, tipo, quando a pessoa resolve ir lá pra Praia das
Pedrinhas, por exemplo, e criar um trabalho lá...
P – A partir do lixo né?
É, então ela não sabe o que ela vai encontrar lá ou pode ter uma idéia e tem sempre alguma
surpresa. Aí, é especial como ela encara aquele local e o que está disponível para ela ali, mas
falar em tendências e em como o Imaginário possa ter influído nesse sentido, eu não consigo
ver, isso pra mim não existe muito, acho que predomina mesmo a individualidade do artista.
P - Quais elementos você apontaria para diferenciar um Imaginário próprio da periferia
em relação a um imaginário próprio das áreas centrais?
Isso também é uma outra questão que eu acho que na conjuntura atual dos meios de
comunicação e tudo, fica difícil de responder, vamos dizer que eu tome a mim como exemplo.
Então eu moro na Baixada Fluminense, eu moro num lugar que tem todo tipo de precariedade
política, econômica, que é quase que uma cidade dormitório, é uma cidade que está crescendo
muito em certo sentido e está estagnada em muitos outros aspectos.
Mas eu estou lá, eu estou produzindo a minha obra lá, mas por outro lado eu não estou lá, não
estou estritamente lá, eu estou lá, mas estou com a internet, estou com telefone, venho pra cá,
faço as minhas exposições nos museus, nas galerias, tenho a minha galeria que me representa.
Enfim, eu estou meio que com um pé aqui e outro lá. Essa questão passa por uma questão
principal que é da circulação da informação, na periferia a informação circula menos, isso é
verdade, ou seja, se eu quiser ir ao cinema eu tenho que ir ao Rio, ou ir Petrópolis, em Magé
não existe. Se eu precisar pesquisar a biblioteca, idem, se eu precisar (...) enfim se eu quiser
ver uma mostra de arte, vou ter que buscar outro lugar. Então as pessoas que ficam mais
restritas aquele espaço, que vivem mais ali, independente até muitas vezes da origem social,
porque às vezes a pessoa mora lá e tem condições financeiras de circular, mas não circula, o
horizonte cultural dela está ali. Então, tudo bem ela vai ter um carrão, ela vai ter uma casa
grandona, mas ela não lê, ela não vai ao cinema, ela não vai ao teatro, ela enfim, só pode
pensar com a experiência que ela tem.
Da mesma maneira que você pode ser uma pessoa que vive em Paris, mas você não circula
você (....) depende muito do interesse.
Mas eu acho que muita gente tem interesse em cultura e não tem o acesso mesmo, não sabe
nem o que tem por aí, não sabe nem o que está perdendo.
Por isso eu acho que essa política que o Periférico tenta fazer é só uma gota dentro de um
oceano que precisa ser criado e que é fundamental, pelo menos pra democratizar o acesso.
P - Em sua opinião o Imaginário Periférico pode representar um tipo de identidade
contemporânea?
Eu acho que sim. Ta aí um termo que eu também acho muito difícil falar dele, -
contemporâneo - se eu fosse pegar ao pé da letra, contemporâneo é o que está se dando agora
né?
P – É essa questão da identidade, eu queria frisar, ela representa a fragmentação mesmo, o
deslocamento constante, nesse sentido...
Eu acho que o Periférico, ele representa uma atitude, um tipo de situação nova, que nesse
sentido pode ser uma marca da nossa contemporaneidade, mais do que alguma coisa que
permanece aqui, mas já tem um lastro maior.
Eu acho que nesse sentido sim, o periférico já é um grupo capaz de ser exemplar pra cultura
contemporânea, na medida em que ele é movido por uma atitude que ainda não é muito
comum.
Dessa estrutura que ele tem anárquica, assim das pessoas participarem, de você não pedir
currículo, de você deixar a responsabilidade pra cada um também né?
E nesse sentido contrariar um pouco esse sistema que tem um curador, ou que tem um
marchand que decide o que vai ou não vai, tem os diretores de museu, enfim o Periférico, ele
abre lá.
Tem gente que não gosta que não quer participar, tudo bem, é natural que seja assim.
Mas, eu acho que pelo grande número de artistas que se dispuseram a participar o Periférico
prova também que ele surgiu de uma necessidade que estava no ar, de uma condição histórica
que empurrou a gente pra isso.
P – Uma pergunta à parte que eu queria fazer: você acha que o periférico por adotar esse
sistema anárquico de não ter um representante ou uma curadoria e pela longevidade do
grupo que está aí desde 2002, conseguindo uma óbvia visibilidade ele hoje é um agente
legitimador, além das instituições do que é arte, ele consegue fazer isso pelas pessoas que
estão atuando nele?
Isso também é difícil de avaliar. Porque quando alguém faz essa crítica, de que nunca viu uma
obra a 1 real, ou que entra quem quer e tudo mais, eu sempre digo o seguinte: o Periférico
acima de tudo é doação. Quer dizer, o artista que participa do Periférico, eu acho que ele deve
ter claro que ele está ali pra doar alguma coisa de si, pra essa questão política da
descentralização e para a abertura de espaços, se está buscando com isso legitimação na
carreira ou currículo, e tudo mais, eu acho (...) pode ser que sim. Mas, de qualquer maneira na
medida em que o Periférico também vai ganhando notoriedade, não sei o que pode se somar,
sei lá, se algum artista tiver que passar por algum júri, algum tipo de filtragem, a pessoa olhar
e dizer: “não, ele participou do Periférico em Nova Iguaçu, em São João de Meriti em
Caxias...” porque também todo mundo sabe que para participar do Periférico, basta querer
participar. Não é como você ter sido selecionado para a Documenta de Kassel, ou Bienal de
Veneza, (risos), mas de qualquer maneira eu acho que pode ser muito importante pra um
artista, para qualquer tipo de artista, mas, sobretudo para os jovens, porque há um espaço de
troca, de convivência, de troca de impressões com outros artistas, de aprendizagem.
Mas o Periférico não é nenhuma medalha de ouro que o cara vai carregar.
P - Atualmente o grupo parece mostrar uma preocupação com a posteridade, em deixar o
seu espólio iconográfico através da reunião de um banco de dados e imagens, como ficou
claro com a proposta de intervenção “MAC vazio”. Fale um pouco desse evento e da
importância de haver um registro organizado sobre o grupo. E se vocês realmente fizeram a
entrevista um pro outro perguntando “o que significava ser periférico”?
É essa idéia foi pelo seguinte: o Periférico não tem muita capacidade de se organizar
principalmente por dificuldades econômicas a gente não tem um espaço, uma cede, a gente
não tem uma diretoria que vai chefiar nada, a gente não tem uma verba fixa, que a gente possa
fazer orçamentos a partir dela. E o que a gente quis? Quando a gente resolveu lá no Mac
Vazio, criar esse banco de imagens foi uma forma da gente ter, como se fosse assim, um
arquivo das pessoas que participam. A gente colher o material bruto que a gente não pode
ainda editar.
P – O que falta pra isso?
O que falta pra isso é a gente ter meios de bancar uma edição, alugar uma ilha, pagar uma
pessoa pra fazer. Então foi uma coisa simples, em que cada pessoa falava durante 1 minuto no
máximo, sobre a impressão que ela tinha a respeito do Periférico, do fato de participar,
alguma coisa pra gente guardar e possivelmente em dia editar e pra ficar um registro. Porque a
gente também começou a notar que além do que seria assim um interesse interno de guardar
um arquivo, uma memória, já havia também, como é o seu próprio caso, né? O seu trabalho
reflete isso, um certo interesse também por parte do circuito de arte de conhecer o Periférico
de falar sobre a gente, de descrever. Mas infelizmente a gente não tem e paradoxalmente o
periférico nem tem e muito como vir a ter isso, porque quase todo mundo é contrário à gente
criar uma estrutura vertical dentro do periférico, institucionalizar, tornar uma Ong, o que seja
né? Eu acho que quando ele perder a característica que ele tem agora, que é essa, de não ter
mesmo uma curadoria, não ter um líder, ele acaba, pelo menos ele acaba na essência.
P - Bom para finalizar eu vou fazer uma pergunta que eu acho que você já mais ou menos
já ate me respondeu. Bem, Qual é a relação atualmente do Imaginário periférico com as
secretarias de cultura, prefeituras das áreas periféricas e o próprio ministério da cultura, e
como o coletivo consegue se manter longe do processo de institucionalização e ainda assim
realizar a captação de recursos legalmente?
Algum tipo de contato foi com a Prefeitura de Nova Iguaçu, mesmo com alguns políticos de
Magé, de São Gonçalo, com a FUNARTE que é um órgão do ministério da cultura, mas de
todas é uma relação assim, bastante informal, pelo menos mais informal do que normalmente
é a relação dessas secretarias com outros grupos de ação cultural.
Porque o que a gente faz normalmente, assim? Vai fazer, por exemplo, lá em Magé, eu
conheço as pessoas, o Deneir conhece então a gente vai pra um pra outro e o que a gente
pede? “Poderia arranjar um ônibus pra tal dia? Para pegar os artista e depois levar?”. Ou então
o SESC né? A gente fez um pacote, vai fazer uma série de coletivas, uma série itinerante, mas
éramos nós artistas, eu acredito que naquele momento a gente não precisaria ser O Imaginário
Periférico, bastaria sermos da baixada, ou ter qualquer tipo de situação que justificasse.
Com a Funarte, foi a mesma coisa teve um exemplo que foi a feira de Trocas e Pechinchas,
que a gente participou e teve então uma subvenção da Funarte.
P - Como você fez esse contato?
O contato, quer dizer, o Chico Chavez, quer dizer que era então o diretor lá do centro de artes
Visuais, ele próprio é um cara do Periférico, já participou de eventos, sempre apoio assim a
nossa atitude, então ele nos convidou, mas, só evento isolado, depois ele também
(hesitou)...quer dizer apoiou outro evento nosso lá na Praia das Pedrinhas, mas a gente não
tem assim um vinculação permanente com esses lugares, então quando vai ter um evento ou
outro, mas, a não ser como é o caso do SESC ou esse caso aí da FUNARTE da Feira de
Trocas, dificilmente a gente depende só de uma secretaria, entendeu? A gente vai pegando
alguém que quer ajudar um pouco e pode ser uma firma ali que vai doar umas tintas...
P – Então basicamente a captação de recurso é de doação?
A gente já teve recursos até de pessoas físicas da comunidade. O cara que se dispõe a ir lá
capinar um terreno, ou de um pedreiro que vai lá pra levantar uma parede de uma obra de
alguém...
P – Bacana, então existe uma inteiração real com vários atores sociais?
Exatamente, ou de um cara que, como é o caso do Galpão do Gil, o cara: “está aí o Galpão,
pode usar” e tudo mais, uma coisa absolutamente informal que nem os nomes dessas pessoas
constam de nada e de nenhum tipo de documento.
P – Mas a participação dessas pessoas é real e efetiva...
É! Eu acho que assim, quer dizer a FUNARTE dá uma força, a prefeitura de Nova Iguaçu já
deu uma força, mas a gente não está vinculado, a gente não é um braço deles.
É como se nós fossemos uma grupo qualquer que num dado momento pra fazer uma
exposição, alguma coisa, eles pagam.
P – Só pra fechar. Eu queria saber de você, você concorda que a partir daquele evento da
Central do Brasil o Imaginário Periférico conseguiu realmente expandir geograficamente
as suas áreas de atuação?
Eu acho que aquele evento teve uma grande visibilidade e principalmente foi um evento que
teve um grande público que é o público que nos interessa. Que é o publico que vai para ali
pegar o trem, pegar o ônibus, e vai voltar pra baixada, pro entorno do grande Rio.
Nesse sentido acho que talvez tenha sido o evento que o Periférico mais pode realizar assim a
sua vocação e claro foi um evento também que teve uma certa mídia, e tudo mais que tornou o
Periférico também mais visível.
P – teve o apoio de quem da Supervia?
Teve o apoio da Supervia e legal que ali é ponto de convergência e também acho que ele
começou a ganhar quando a gente começou a abrir nossa rede, quando a gente começou a
mandar e-mails dizendo: ”por favor, repassem”.
E isso ganhou exatamente esse sentido de uma rede, de uma coisa que vai de espalhando
infinita. Hoje a gente tem por exemplo um projeto que a gente está tentando conseguir
recursos e tal, que já vai ser uma troca entre nós e outros Estados, também como foi lá em
Paris, que era um coletivo em Paris que tomou conhecimento da nossa existência, então teve
essa troca então a gente não sabe onde isso vai parar.
P – E Aquele projeto “EmbaixaDa DA Arte” está parado?
É eu acho que esse projeto foi meio que tragado pelo Periférico. Mas isso, a gente ainda sonha
com isso, o que eu te falei a idéia que deu início a formação do Periférico, mas é uma coisa
muito complicada que envolve muito dinheiro, uma estrutura muito grande, e que a gente não
sabe se um dia vai poder.
Eu espero que alguém possa também fazer isso, eu fico torcendo pra sair lá o Museu de Nova
Iguaçu, eu acho que tudo isso vai irrigando, vai fazendo, quer dizer com que o nosso trabalho
também seja reconhecido como um embrião desse tipo de coisa. Um projeto como o
MUAMBA, de Nova Iguaçu, eu acho maravilhoso, porque aí depois os outro municípios vão
poder se espelhar, e vão poder ver que isso é uma coisa que dá dividendos inclusive políticos.
Transcrição da entrevista concedida por Roberto Tavares no dia 31 de Outubro de 2007.
P – A Primeira pergunta, Roberto eu vou pedir pra você falar da primeira ação do grupo
que foi financiada pelo SESC, uma instituição, fale um pouco como foi essa ação do
Imaginário Periférico em Nova Iguaçu.
Esse primeiro momento, esse impulso que o Imaginário Periférico teve em 2002, que foi o
lançamento do grupo, dessa proposta de coletiva, ele se deu através de uma negativa a um
projeto que foi muito bem elaborado pelo grupo dos seis: eu, Deneir, Jorge Duarte, Raimundo
Rodrigues, Júlio Sekigushi.
Então nós fizemos esse projeto, eu me lembro muito bem, lá no atelier do Ronald, foi um
projeto muito bem elaborado e infelizmente ele não foi aprovado naquela ocasião pelo edital
da Petrobrás, que era ligado nessa época, ou seja, era voltado para as Artes Visuais.
Então houve até a possibilidade até, isso (hesitou) (...) resultou numa idéia minha de que nós
poderíamos apresentar esse projeto ao SESC através da gerência de cultura e pelo
conhecimento que a coordenadora de artes plásticas Stela Costa, tinha do grupo, tinha dos
artistas do grupo. Uma vez que ela também estudou na Escola de Belas Artes, ela tinha todo
conhecimento sobre os artistas que estavam compondo esse grupo, e eu também tinha uma
grande experiência em fazer projetos junto com o SESC.
Então disso aí nós levamos esse projeto ao SESC e ele foi aprovado, contemplado, com uma
verba para que se fizesse essa primeira itnerância no SESC inaugurando com o SESC de Nova
Iguaçu, que era ali o centro que nós queríamos atingir, o ponto que nós queríamos irradiar
toda proposta do Imaginário Periférico, e aí nós fizemos exposições por vários SESCs
também convidando mais dois artistas, que também têm uma ligação com a Periferia, que foi
o Jarbas Lopes e o Orlando Brasil, daí surgiu o grupo e eu acredito até que as ações
multiculturais, poderia dizer assim, do Imaginário Periférico começou ali.
Porque ali naquela exposição de Nova Iguaçu, nós chamamos um grupo chamado Hapax, e o
Hapax fez uma intervenção na inauguração...
P – Então já não foi em moldes tradicionais, já teve uma característica diferente?
Já teve uma característica diferente. Uma exposição num lugar, numa galeria tradicional,
ocupando um espaço da galeria do SESC em Nova Iguaçu, mas com a intervenção do Hapax,
que foi uma intervenção que também chamou a interação do público, porque eram
instrumentos que eles tocavam, que eles tocam esse grupo existe até hoje, que tinha também
aquela estética da periferia, coisa de ferro velho (...) então o público estava podendo participar
daquela situação.
Então, eu acho que esse primeiro momento assim foi um grande impulsionador do Imaginário
Periférico, e repito, o apoio do SESC foi de grande importância, porque dali nós fizemos
Nova Iguaçu, São João de Meriti, Madureira, Nova Friburgo, e em Nova Friburgo foi
também, eu acredito um marco nessa situação do Periférico, pois ali nós começamos a
convidar artista de outros pólos, nessa exposição de Nova Friburgo já tinha artistas de Nova
Friburgo mesmo. Em Nova Friburgo nós não ficamos só nos oito, ou nos seis, nos fundadores,
nós convidamos artistas locais, artistas de Nova Friburgo.
P – Roberto, como você definiria as questões que abarcam o conceito de “periferia”?
Esse conceito eu defino assim: como espaços que sofrem com a falta de investimentos do
poder público, em relação a sua infra-estrutura e essa infra-estrutura urbanística e a
precariedade do poder público nas ofertas de opções culturais e sociais.
P- O Imaginário Periférico é um coletivo capaz de agregar centenas de artistas por ação,
na sua opinião, que era o que você estava acabando de falar agora, quais seriam as causas
para que tantos artistas de linguagens tão distintas se reunirem tão rapidamente ao grupo
através das convocatórias?
Em primeiro lugar foi o desejo de estar junto ao movimento que teve a repercussão da mídia e
aí todos buscam a sua fatia de fama, mesmo que seja os 15 minutos profetizados por Andy
Warhol, a troca de experiências com outros artistas e a oportunidade de produzir, pesquisar,
outros experimentos artísticos sem pudor e sem censura, são fatores também importantes.
P - Os 6 artistas que originalmente formaram o Imaginário Periférico, possuíam e ainda
possuem relações com as comunidades de Periferia. Por exemplo: Deneir de Souza em
Fragoso, o Jorge Duarte em Magé – Pau Grande, por exemplo e você em Mariópoles. Qual
a sua relação atualmente com as comunidades de periferia, e interagir diretamente com o
público dessas comunidades ainda é uma preocupação do Periférico?
Eu, por ter assim toda uma vida muito movimentada e vivida intensamente a além de tudo
participativa com a minha comunidade, isso me permite as portas abertas para qualquer forma
de trabalho e uma relação extremamente confiável nas ações por mim propostas. Atualmente
a relação é realizada no fortalecimento dos laços de amizade e do dia-a-da.
Moro atualmente em outro lugar e tem 3 meses que eu me mudei, mesmo assim eu continuo
mantendo, através da minha família, das minhas idas semanais á Anchieta e Mariópoles, então
eu continuo antenado com as ações desenvolvidas no bairro. E acho que é uma característica,
essa interação direta com as comunidades é uma característica que não podemos abrir mão, o
Periférico não pode abri mão disso, dessa aproximação com essas comunidades. Eu não
abriria com o meu pessoal.
P - Existe um contato/diálogo entre o Imaginário Periférico e outros coletivos tanto dentro
quanto fora do Rio de janeiro, ou do próprio país? Que grupos são esses? Quais as
propostas em comum?
Pra ser sincero, eu mesmo nunca desenvolvi ou troquei nenhuma experiência com nenhum
outro coletivo, talvez até tenha intercâmbios isolados com alguns artistas do Imaginário
Periférico, alguém que esteja mais engajado com esses contatos, mas eu sinceramente não.
Somos nós por nós, e aí paralelamente cada um trata da sua individualidade enquanto artistas.
P – Então você não participou da ação na França, o Periférico na França na Nuit
Blanche?
Não participei da ação na França, eu participei indiretamente mandando meu material.
Mas, toda organização e o evento lá, é que eu acho é que aí que teve essa aproximação, mas
eu acho que não teve uma repercussão, eu acho que se teve aproximação lá com outros
coletivos, não foi desenvolvido outros contatos, é isso o que eu acho. Posso estar errado, mas
depois disso eu não presenciei, que eu soube de nenhum desfecho com outros coletivos.
P - Você veria alguma relação entre o discurso e as ações do Imaginário periférico com
algum grupo ou movimento histórico?
Não, não vejo. Acho que tudo que é relacionado ao Imaginário Periférico é único e histórico.
P - Como são organizados dentro do grupo o processo de elaboração e escolha de um tema
para as ações e o levantamento de verbas, prolabore, e outros tipos de apoio que viabilizam
as ações do grupo? Que instituições já apoiaram o coletivo? Era mais ou menos aquilo que
você estava falando sobre o SESC, como vocês fazem a elaboração do tema, dos projetos,
como se envia isso para as instituições?
Geralmente esses temas eles são propostos pelas instituições ou artistas que uma vez
consultados os “cabeças”, os coordenadores do grupo, elas são avaliadas, discutidas e
aprovadas.
As questões ligadas à produção, verbas, apoios, e outros itens fica na responsabilidade de
quem propôs, de quem está coordenando. E várias instituições já apoiaram, podemos destacar,
lembrar em primeiro lugar o papel do SESC, aquilo que falei no início da entrevista, para o
lançamento do grupo.
Foi o primeiro projeto na ocasião, somente com os seis artistas fundadores do grupo: Eu,
Júlio, Raimundo, Jorge, Ronald e Deneir, o apoio do SESC foi fundamental para que nós
lançássemos.
E fizemos também com a SuperVia, com a prefeitura de Meriti, com a prefeitura de São
Gonçalo, e outros. A supervia foi a da Central, todo apoio logístico, tudo muito bem feito com
a SuperVia.
P – Uma pergunta, eu queria saber se você participou também dos projetos na década de 90
chamados: Murais Urbanos e Arte na linha, ou se esses projetos são apenas de autoria do
Raimundo Rodrigues e do Júlio Sekiguchi?
É, esse projeto eu participei de algumas ações, de alguns Murais. Cheguei a pintar alguns
murais, mas por ter assim um trabalho muito formal, trabalhando de segunda à sexta, isso não
me permitiu participar de outros eventos. Mas para mim, esses trabalhos foram mais isolados.
P – Você não vê relação desses trabalhos com a formação do Periférico posteriormente?
Não, não vejo. Eu acho que a proposta do Periférico foi dentro de uma outra situação, um
outro achado.
(pausa, reformulando)
O Júlio mais o Raimundo por ter vivenciado isso com bastante determinação, eu acho que no
desenvolvimento do trabalho e da organização do trabalho deles, pode ter tido mesmo essa
relação, eu acho que não deixa de ter aí um pouco da sua origem.
P - De que forma você avalia a multidisciplinaridade presente no coletivo?
Eu avalio de forma bastante positiva, eu acho que isso é uma característica muito forte e
muito importante pro Imaginário Periférico uma vez que o mundo contemporâneo não nos
permite mais fechar numa única linguagem, não é eu ser pintor só, não é eu desenvolver o
meu trabalho isoladamente, eu acho que é você interagir com outras linguagens, porque daí é
que eu acho a possibilidade de criar algo novo.
P - Quais são as principais reivindicações do coletivo em relação às políticas de cultura?
São tantas né? Eu particularmente que trabalho formalmente com cultura, já há 16 anos e
trabalho em instituições públicas a nível municipal, da prefeitura e estadual, eu sinto uma
tremenda dificuldade com as políticas culturais traçada por esses poderes. Falta de verba pra
tudo, e em se tratando de artes visuais o quadro é desesperador.
Espaços tão maravilhosos, mas com a falta de agenda, vide aí (centro cultural) Hélio Oiticica,
a dificuldade de todas as ordens nos espaços culturais públicos. Então, a minha principal
reivindicação é a questão do orçamento público para a cultura, verbas e processos
democráticos e inclusivos nas agendas culturais e em todas as esferas, eu acho que falta isso,
acho que falta a questão da inclusão cultural.
E é por isso que eu acho que é importante para o Periférico desbravar cada vez mais essa
questão, essa situação, essa geografia da periferia.
P - Fale um pouco do seu trabalho dentro do coletivo. Existe alguma modificação no
processo de adaptação do seu trabalho dentro das poéticas adotadas pelo periférico?
O meu trabalho no coletivo Imaginário Periférico foge totalmente a meu processo produtivo
na área de pintura. Isso até uma vez que eu tenho um atelier que eu me dedico até hoje à
pintura, eu pesquiso os processo pictóricos e acredito nisso, me realizo pintando. Mas, as
ações no Imaginário periférico eu procuro desenvolver processo de apropriação, objetos
efêmeros e alusivos aos temas propostos, com uma interação às vezes da comunidade.
Penso sempre nessas ações em evidenciar uma atitude de desmistificação do ser artista,
mostrar como é feito, porque fazemos e com que pensamento nós fazemos aquilo e é então
que eu mostro o meu lado performático também.
P – Você esteve naquela performance plástico-sonora?
Tive, tive também, o Jorge que foi o idealizador.
P - Você concorda que em muitos trabalhos dos artistas que estão ou já passaram pelo
grupo, houve a predominância de uma poética da precariedade e da adversidade? Fale um
pouco sobre a questão das poéticas visuais dentro do Imaginário Periférico.
Primeiro lugar sim, eu concordo, mas essas poéticas elas se justificam devido as ações serem
de caráter efêmero e por vezes de site specifc, o importante era agregar artistas e comunidades
trocando experiências e mantendo um distanciamento afetivo com o trabalho. Não
poderíamos nos preocupar com a produção de transporte apropriado ou segura das obras a
garantia em locais projetados exclusivamente para exposições. As praças, as lonas de circo ou
as ruínas de prédios históricos são as nossas galerias, por isso que eu acho que as poéticas são
bastante livres.
P - Quais elementos você apontaria para diferenciar um Imaginário próprio da periferia
em relação a um imaginário próprio das áreas centrais?
Eu acho que é assim, em relação ao imaginário da periferia mesmo é uma atitude em
assumir ser periférico, em assumir contribuindo principalmente para uma melhoria em suas
comunidades e, por exemplo, isso eu acho importante, em Três Corações quando foi feito o
Galpão do Gil, era um local com sérios problemas, de ordem social (...) de outras ordens.
Quando nós fizemos o evento lá, eu acho que houve uma participação da comunidade
consequentemente o poder público chegou junto, aí a prefeitura proporcionou melhorias para
aquele local, tratou a comunidade com bastante respeito principalmente, oferecendo a eles ali
naquela ocasião coisas que eles já vinham buscando há muito tempo, em termos de melhorias
na sua vivência.
P - Na sua opinião o Imaginário Periférico pode representar um tipo de identidade
contemporânea?
É claro, estamos vendo uma avalanche de produções na mídia enfocando os diversos mundos
culturais e sociais das nossas periferias. E ter a atitude periférica representa sim a
contemporaneidade.
P - Como você avalia a durabilidade do grupo, que se inicia em 2002 e continua a fazer
suas ações, e exposições coletivas até os dias de hoje?
Eu avalio de forma positiva, mesmo porque eu acho que o que faz com que as nossas ações
continuem até os dias de hoje também é a nossa sintonia, é a união em que nós os seis artistas
mantém. Porque eu Júlio principalmente, já nos conhecemos há muito tempo desde o tempo
da Belas Artes, a década de 80, e eu com o Júlio tenho uma relação super legal, super amigo,
e estamos sempre nos falando, então eu acho que o fato assim desses artistas serem pessoas
não muito comprometidas com o “fazer sucesso”, é claro que é sempre bom a gente estar
expondo, estar mostrando trabalho, estar sendo notícia, mas eu acho que em relação as ações
do Periférico que pra gente fica em segundo plano, então acho que com isso a gente vai
mantendo o grupo.
P- Quais seriam, na sua opinião, as principais mudanças visíveis no grupo atualmente
desde a primeira exposição no Sesc em Nova Iguaçu, que a gente até começou a entrevista
falando dela?
Bom, a principal mudança eu acho que foi assim: o grupo começou a caminhar sozinho,
caminhar assim com outras pessoas além dos seis fundadores, e pessoas que sentiram e
pegaram o espírito da nossa dinâmica, então eu acho que o fato de estar aí caminhando e que
outros artistas vão se agregando também independente de curadorias, é um fator importante
eu acho que por isso permanece até hoje.
P - Quando as ações do Imaginário periférico se realizam especificamente nas áreas
urbanas, tanto nas periferias quanto nas áreas centrais, diferentemente das ações
realizadas nos museus e nas galerias, onde a Arte Contemporânea encontra a legitimidade
pela própria instituição, há algum tipo de preocupação com relação ao potencial
comunicativo do que está sendo mostrado para o público? Vocês têm a preocupação em
relação ao reconhecimento do público do que é feito pelo coletivo como arte?
É eu acho que nós temos essa preocupação mesmo, até porque eu acho que é uma questão de
visibilidade do grupo.
Eu penso que na Galeria 90, por exemplo, estou falando de eventos que foram feitos dentro de
espaços institucionalizados, então nós tivemos um evento em São João de Meriti, onde nós
tínhamos uma galeria a nossa disposição e uma lona de circo do lado de fora. Então fizemos
ali dois tipos de ação.
P – Qual foi o nome dessa exposição?
Foi “Imaginário Periférico em dois atos”, então teve assim o primeiro ato que foi dentro da
galeria e ali nós não tínhamos como colocar os cento e tantos artistas, então fizemos a
chamada para os artistas mais atuantes do Imaginário Periférico, e aí, claro com um certo
critério de montagem, e deixando pra lona de circo uma coisa mais aberta, uma coisa mais
anárquica. E em relação a galeria 90 nós resolvemos convidar deus e o mundo, mas foi feito
também um projeto de instalação que comportava todos os trabalhos, e ali ele teve uma
apresentação, nessa instalação que eu achei maravilhosa, que não comprometia o grupo, que
eu acho que dava espaço e a possibilidade de todos os trabalhos serem mostrados, de forma
digna, de forma mais organizacional.
P – Sobre essa exposição na Galeria 90, quem teve a idéia de colocar o preço de todos os
trabalhos a um valor igual, foi uma idéia do grupo ou foi uma idéia da Nina Rosa?
Não, isso surgiu tanto a questão do preço quanto a questão do varal, o título da exposição que
era pra ser o mesmo título da exposição que teve aqui na biblioteca que era: “ O saco é o
limite” , o saco era o limite foi o título que foi discutido nas reuniões no Centro Cultural
Banco do Brasil, e lá nós tivemos a idéia do titulo, a idéia do Júlio em colocar esses trabalhos
em sacos plásticos, padronizando a questão do tamanho, a questão estética mesmo até mesmo
facilitando pra ela se tornar itinerante e a questão do preço foi discutida numa dessas
conversas bem informais que fazíamos no CCBB, agora não sei te dizer...
P – Foi sugestão dos artistas?
Foi sugestão dos artistas.
P – Foi acha que foi assim no sentido de ironizar o espaço?
Não, eu acho que não teve pretensão de ironizar o espaço não. Eu acho que foi na questão
mesmo de traçar assim, mostrar um perfil de ação que o Imaginário Periférico queria atuar
nessas instituições.
P – Você veria então como uma estratégia de visibilidade?
Vejo, vejo como estratégia mesmo de visibilidade, de posicionamento diante da arte porque é
isso, o trabalho do Periférico tem essa característica de ser efêmero, de realmente ser uma
coisa que cada um vai buscar o seu valor. Até porque quem quiser discordar dessa forma de
atuação do Periférico, nas suas exposições, vai traçar seu caminho individualmente, quer
dizer, traça seu caminho fazendo suas individuais, isso não compromete o fato dele participar
do Imaginário Periférico.
P - Qual é a relação atualmente do Imaginário periférico com as secretarias de cultura,
prefeituras das áreas periféricas e o próprio ministério da cultura?
Olha isso aí, eu acho que nós estamos em um momento em que, eu vejo com bastante
otimismo, o fato de uma pessoa ligada á produção cultural, ligada à captação de recursos estar
abraçando os projetos do Imaginário Periférico que é o Nelson Freitas, que foi subsecretário
ou Secretário de Cultura em Nova Iguaçu, uma coisa assim, não sei ao certo. Mas, o Nelson
Freitas, ele está aí formatando alguns projetos do Imaginário Periférico e querendo colocar
isso através das leis de incentivos fiscais.
Então, eu acho bacana isso, pelo fato da gente manter esse vínculo mesmo com as periferias,
com nosso trabalho cultural, é uma coisa que não existia porque era feita de forma esporádica,
pelo artista que tinha uma certa relação com uma prefeitura, como o Raimundo tem com Nova
Iguaçu, como o Hélio Branco tem em São Gonçalo, como eu tinha com o Sesc, então isso era
feito de forma bastante individualizada, hoje eu vejo isso, eu estou acreditando muito nessa
aproximação que teve de uma pessoa que está fora do contexto artístico e está mais com a
finalidade de colocar os projetos do Imaginário Periférico dentro desse contexto da política
cultural.
P - como o coletivo consegue se manter longe do processo de institucionalização e ainda
assim realizar a captação de recursos legalmente?
É essa pergunta, eu acho que é muito complexa, porque eu acho que cada instituição, cada
órgão, seja público, seja privado funciona de uma forma, então tem uns que ás vezes tem
condição de bancar tudo dentro de uma burocracia mínima, tem outros que é parcial, então
isso depende muito. O que eu posso te falar é de uma experiência minha através do SESC, que
aí foi uma coisa que eu já tinha também uma certa experiência por trabalhar em espaço
público, saber como funciona essas questões de abertura de processos, financiamentos, então
foi de uma forma bem tranqüila onde nós tivemos a oportunidade de ter tudo, tivemos tudo
inclusive prolabore pros seis artistas.
P – Agora me ocorreu uma pergunta: alguma vez o Imaginário Periférico ele fez a sua
ação, o seu evento sem apoio de nenhum órgão, seja ele público ou privado?
Eu acho que sim, eu acho que nós já tivemos ações que foi assim de arregaçar as mangas e
trabalhar, sem nenhum apoio, mas assim (pensando) (...) (não concluiu).
P – Você pode citar alguma?
Se eu posso citar alguma? (pensando) (pausa).
P – Essa performance Plástico-Sonora, ela teve algum apoio?
Olha essa o Jorge Duarte poderia falar melhor, mas eu acho que ela teve o apoio da prefeitura
de Macaé... (pausa)
Voltando, essa sua pergunta eu acho que nós já fizemos (...) todos os eventos que nós já
fizemos sempre teve algum, o mínimo que fosse, algum apoio institucional, isso nós tivemos
sim, eu posso relembrar para você ações como; da Praia da Pedrinha, Anti-Futebol Anti-arte
que teve um São Gonçalo, as ações que nós fizemos em Nova Iguaçu, o Galpão do Gil,
Fazenda Bernardino em Nova Iguaçu, numa reserva ecológica, todas essas ações as
prefeituras ofereceram assim o mínimo que fosse.
P - Quando os trabalhos de vários artistas são recebidos por alguns integrantes do
Imaginário Periférico, como se dão as convenções para estabelecer o que é arte e o que não
é, e quais atendem ou não ao discurso do grupo?
Olha, nós não temos nenhuma convenção, nós aceitamos tudo que for manifestação artística
seja ela de qualquer tipo, então a gente ta aí pra abraçar, pra receber essas diversas
manifestações, até de artista anônimos como aconteceu lá no evento Plástico-Sonoro em Pau
Grande realizado pelo Jorge, onde as pessoas se incorporavam ao grupo, se incorporavam lá
ao bloco e no momento da ação realizavam suas obras. Eu lembro que teve uma pessoa da
região que pegou dois sapatos emendou um no outro e colocou em exposição, isso acontece,
nossas ações estão abertas pra isso também.
7.2 Informações adicionais
O Museu de Arte Contemporânea de Niterói, MAC, acolheu o coletivo Imaginário Periférico
no dia 29 de Abril de 2007 para o evento intitulado “MAC Vazio”, onde o grupo realizou a
ocupação da parte externa do Museu com objetos, performances, happenings, música, etc.
Abaixo segue registro fotográfico pertencente à autora da ação realizada no MAC: